“COBRAS” QUE NÃO SÃO OFÍDIOS

Resumo: O texto atual traz pequenas descrições e imagens de alguns animais morfologicamente parecidos com Ofídios (cobras ou serpentes) e que até são conhecidos da população como se fossem cobras verdadeiras, mas que na realidade não são Ofídios. O objetivo do artigo é tentar minimizar ou mesmo evitar as confusões entre as verdadeiras cobras e esses animais.


“COBRAS” QUE NÃO SÃO OFÍDIOS

Os Ofídios constituem animais Vertebrados pertencentes a Classe dos Répteis, da Subclasse dos Escamados, vulgarmente conhecidos por cobras (serpentes), que se caracterizam por apresentar o corpo coberto por escamas ósseas envolvendo o corpo, assim como os seus primos os Lacertílios (lagartos), dos quais se diferem pela presença do palato quadrado que permite uma impressionante abertura bucal. Os Ofídios apresentam um corpo alongado, geralmente sem patas, que se locomove através de ondulações oriundas das fortes contrações da musculatura associada à grande coluna vertebral, na qual se ligam uma infinidade de costelas. Habitam os mais diversos ambientes terrestres e aquáticos e são naturalmente adaptados como animais predadores.

A dentição é, talvez a principal característica dos Ofídios, porque embora todas as serpentes sejam venenosas, é a partir da dentição que pode se considerar se uma serpente peçonhenta ou não. As serpentes peçonhentas são aquelas capazes de inocular o veneno diretamente e é somente com essas que devemos ter cuidados especiais. Existem quatro padrões de dentição: áglifa (sem dente inoculador de veneno), opistóglifa (dente inoculador posterior), proteróglifa (dente inoculador anterior e sulcado), solenóglifa (dente inoculador anterior e canalizado).

Os dois primeiros tipos envolvem serpentes que não têm como inocular veneno e assim não são consideradas perigosas e a grande maioria das cobras pertencem a esses grupos, particularmente o segundo. Os outros dois grupos envolvem as cobras que efetivamente oferecem perigo. As proteróglifas compõem o grupo das corais e najas, que apresentam dente inoculador pequeno e com uma calha externa por onde escorre o veneno durante a picada. As solenóglifas compõem o grupo das cascavéis, jararacas, urutus e jararacuçus, que apresentam dente inoculador grande e com um canal interno por onde passa o veneno durante a picada. Desta maneira, a eficiência das solenóglifas e maior que a das proteróglifas na introdução do veneno, mas isso não quer necessariamente dizer que suas toxinas sejam mais ou menos perigosas.

Os Ofídios lamentável e injustamente são, assim como outros animais pouco conhecidos, historicamente muito perseguidos pela maioria das pessoas, as quais por conta exata do desconhecimento, se limitaram a mata-los sem nenhum constrangimento. Atualmente essa carnificina tem diminuído, mas ainda existe muito desconhecimento e muita crendice sobre a realidade das serpentes e isso acaba complicando inclusive outros animais parecidos com serpentes. Esse artigo pretende tratar exatamente sobre esses outros animais que são confundidos com as serpentes e acabam sendo vitimados também por puro desconhecimento da população. Se matar as serpentes, pelo simples fato delas serem serpentes, já é um grande erro, então matar outros animais apenas por serem parecidos com elas é um absurdo muito maior.

OS DIVERSOS ANIMAIS ASSEMELHADOS ÀS SERPENTES

Como foi dito acima, existem vários animais que se assemelham morfologicamente com serpentes e por conta dessa “infeliz” semelhança, acabam sendo vitimados pelas pessoas e nesse artigo existe a pretensão de tentar esclarecer sobre essas situações e assim evitar, ou pelo menos minimizar, que se continue matando alguns desses animais indevida e indefinidamente. Se as serpentes merecem viver, mesmo sendo serpentes, certamente os demais animais também.

Tenho dito em minhas aulas, palestras e mesmo em alguns de meus textos que: “a ignorância (o desconhecimento) é o maior dos males da humanidade”. No caso em questão, em função das diferentes fobias que as pessoas podem apresentar em relação às serpentes, o nível da ignorância acaba produzindo inúmeros crimes contra a fauna, contra a natureza e contra a vida. Desta maneira, entendo que existe necessidade de explicar um pouco mais sobre essa questão.

Os animais que são perecidos com serpentes podem pertencer a diversos grupos zoológicos, pois podem ser desde anelídeos até mesmo outros répteis. O medo das serpentes é tal que, de maneira geral, quando uma pessoa observa qualquer animal de corpo alongado e ápode (sem patas), automaticamente imagina que se trata de uma serpente e, obviamente uma serpente peçonhenta, e assim a preocupação é imediatamente matar o animal. Entretanto, se as pessoas se derem o direito de, mesmo de longe, tentarem observar esses animais, certamente poderão identificar inúmeras diferenças entre eles e as verdadeiras serpentes e assim não precisarão mata-los.

Os diversos animais que se assemelham às serpentes, aqui no Brasil, são os seguintes:

1 – No filo do Nematomorfos existe o grupo dos Gordioideos, que se compõem de espécies de vermes parasitas de Artrópodes, principalmente Insetos e Crustáceos, que vivem na água doce ou na proximidade de ambientes hídricos. Os hospedeiros ingere os ovos dos Nematomorfos e as larvas se desenvolvem até atingirem o estágio jovem, quando saem através da abertura anal dos hospedeiros. Os hospedeiros morrem e a partir de então os Nematomorfos assumem a vida livre nos ambientes aquáticos, mas essa é uma vida curta, porque seu trato digestivo e atrofiado e praticamente vivem da reserva alimentar que trazem do hospedeiro, tendo tempo apenas para reproduzir e depois morrem.

Esses animais são conhecidos como “cobras-de-cabelo”, porque seu corpo longo (podem atingir 1 metro de comprimento) e fino (cerca de 1milímetro de espessura). De fato eles se assemelham aos fios da crina dos cavalos e a crendice popular imaginava que na verdade eram originados diretamente delas, Além disso, a crendice também sugere serem animais perigosíssimos e extremamente venenosos, o que obviamente não é verdade, pois são totalmente inofensivos.

[caption id="attachment_1100" align="alignleft" width="300"]figura 1 FIGURA 1[/caption] [caption id="attachment_1099" align="alignright" width="251"]FIGURA 2 FIGURA 2[/caption]


As figuras 1 e 2 apresentam dois exemplares de Nematomorfos do Gênero Gordius, na figura 1 observa-se uma animal adulto e na figura 2 um animal saindo pelo ânus de um grilo.

2 – No filo dos Anelídeos existem os Oligoquetos gigantes da família dos Glossoscolecídeos (os Minhocões ou Minhocuçus), que são animais exclusivos da América do Sul. Algumas dessas minhocas gigantes podem atingir 2 metros de comprimento e embora sejam totalmente inofensivos e não pareçam nada com cobras assustam aos menos avisados. As Minhocuçus são animais terrestres encontrados geralmente enterrados em galerias em locais úmidos, apresentam um corpo todo anelado e mole, com uma região diferenciada evidente (Clitelo), que guarda seus órgão reprodutivos. Tem uma cutícula externa fina, mas não existem nenhumas escamas e também não possuem nenhum tipo de estrutura esquelética, sendo portanto animais ainda invertebrados.

[caption id="attachment_1102" align="alignright" width="215"]figura 4 FIGURA 4[/caption] [caption id="attachment_1101" align="alignleft" width="229"]figura 3 FIGURA 3[/caption]

                        

 


As figuras 3 e 4 apresentam dois exemplares de Glossoscolecídeos (Minhocuçus).

3 – No Filo dos Cordados, na Classe dos Peixes, existem os Sinbranquídeos (Muçuns) e os Gimnotídeos (Tuviras), os Murenídeos (Moreias) e os Anguilídeos (Enguias).

Os Muçuns (Peixes-Cobras) são encontrados na água doce, não possuem as nadadeiras pares características dos peixes e têm pele lisa e sem escamas. As Tuviras também são peixes ósseos de agua doce, que também têm a pele lisa e uma longa nadadeira anal. A esse grupo pertence o famoso “Poraquê” (peixe-elétrico) da Amazônia. O movimento serpenteante é a característica mais chamativa na comparação desses animais com Ofídios, mas as diferenças são bastante fáceis de identificar.

As Enguias e as Moreias são peixes marinhos de corpo assemelhado aos muçuns, que algumas pessoas confundem com serpentes. Na verdade existem serpentes marinhas realmente perigosas, mas aqui na Costa Atlântica do Brasil não são encontradas nenhuma dessas espécies de Ofídios marinhos que ocorrem nas regiões asiáticas.

[caption id="attachment_1104" align="alignright" width="300"]FIGURA 6 FIGURA 6[/caption] [caption id="attachment_1103" align="alignleft" width="300"]FIGURA 5 FIGURA 5[/caption]        








 
 
[caption id="attachment_1105" align="alignleft" width="300"]FIGURA 7 FIGURA 7[/caption]
[caption id="attachment_1106" align="alignright" width="300"]FIGURA 8 FIGURA 8[/caption]
 
 
 
 
 
 



As figuras 5, 6, 7 e 8 apresentam, respectivamente, exemplares de Muçum, Tuvira, Moreia e Enguia.

4 – No Filo dos Cordados, na Classe dos Anfíbios, existem os Gimnofionos, da família dos Cecilídeos (Cobras-Cegas ou Minhocões). Esses animais, embora tenham o corpo alongado como o das serpentes, possuem uma anelação característica, que não é encontrada em nenhuma serpente verdadeira e não apresentam escamas dérmicas características dos Ofídios.

[caption id="attachment_1108" align="alignleft" width="300"]FIGURA 9 FIGURA 9[/caption] [caption id="attachment_1107" align="alignright" width="300"]FIGURA 10 FIGURA 10[/caption]






As figuras 9 e 10 apresentam dois exemplares de Cecilídeos (Cobras-cegas).

5 – No Filo dos Cordados, na Classe dos Répteis, na Subclasse dos Escamados, na Ordem dos Lacertílios, existem duas Famílias, os Anguilídeos (Cobras-de-Vidro) e os Anfisbenídeos (Cobra-de-Duas-Cabeças), que apesar de serem até conhecidos como cobras, não são ofídios e sim lagartos ápodes (sem patas). No caso dos Anguilídeos, ainda é possível identificar os vestígios das patas posteriores, mas os Anfisbenídeos são efetivamente sem patas.

O nome Cobra-de-Vidro resulta da semelhança com os Ofídios e da capacidade de quebrar (autotomia) e depois regenerar a parte posterior do corpo nesses animais, o que é muito comum nos Lacertílios. Já o nome Cobra-de-Duas-Cabeças resulta da pretensa semelhança que esses animais aparentemente apresentam entre a cabeça e a parte terminal do corpo, o que efetivamente é um exagero, porque as duas extremidades são bastante distintas.

[caption id="attachment_1112" align="alignleft" width="300"]FIGURA 11 FIGURA 11[/caption] [caption id="attachment_1111" align="alignright" width="300"]FIGURA 12 FIGURA 12[/caption]






As figuras 11 e 12 apresentam exemplares de Cobras de Vidro, destacando-se os vestígios das patas na figura 12.

[caption id="attachment_1110" align="alignleft" width="300"]FIGURA 13 FIGURA 13[/caption] [caption id="attachment_1109" align="alignright" width="300"]FIGURA 14 FIGURA 14[/caption]






As figuras 13 e 14 apresentam exemplares de Cobras de Duas Cabeças, procurando demonstrar a semelhança entre a cabeça e a cauda.

Por mais semelhança que possa existir, é preciso deixar claro todos esses animais são praticamente inofensivos, a exceção do Poraquê, que só existe na Bacia Amazônica e de algumas enguias que podem produzir descargas elétricas e das moreias que podem morder seriamente, que só ocorrem nos mares. Os demais não oferecem qualquer tipo de perigo aos indivíduos da espécie humana e principalmente nenhum deles possui glândula de veneno. Além disso, se for observado atentamente todos eles apresentam características inúmeras externas muito distintas dos verdadeiros Ofídios, basta olhar um pouco mais atentamente que essas diferenças podem ser facilmente identificadas.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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1 comentário(s)

  1. Muito bom o texto, realmente existe muita confusão por falta de conhecimento.
    só uma pergunta, Todas as serpentes são venenosas? ou seja, todas possuem glândulas de veneno mesmo sendo áglifa?

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