A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA E AS RELIGIÕES OCIDENTAIS

Resumo: O texto atual faz uma abordagem sobre as diferentes posições das religiões ocidentais no que diz respeito à Evolução Biológica. O texto chama a atenção das religiões, principalmente as mais conservadoras de que a Evolução Biológica é um fato científico comprovado e que tentar negar esse fato é andar na contramão da história e isso não pode ser benéfico nem mesmo para essas religiões.


A EVOLUÇÃO BIOLÓGICA E AS RELIGIÕES OCIDENTAIS

Infelizmente ainda existem inúmeras pessoas que insistem em contestar, algumas vezes até energicamente, a Evolução Biológica, o fato evolutivo, quando na verdade, este é o único fenômeno que age como mecanismo integrador e orientador da vida e de toda diversidade biológica planetária. Assim, a evolução, que deveria ser o argumento norteador de qualquer referencial relacionado à vida, ainda sofre críticas absurdas, infundadas e principalmente baseadas em crendices já desmistificadas cientificamente. Salvo raras exceções, a grande maioria das pessoas, quando questionadas sobre o assunto Evolução Biológica, apenas nega a possibilidade da existência desse mecanismo, ou faz alguns gracejos, relacionando, algumas vezes até violentamente, qualquer relação do homem com o macaco.

Na realidade, até por conta de certas religiões reforçarem essa ideia na cabeça de grande parte dessas pessoas, parece que a Evolução Biológica se resume exclusivamente a esse pretensa questão, de que o homem tenha surgido do macaco, o que obviamente é uma falácia. Por conta desses desencontros e dessa grande inverdade repetitiva e até religiosamente apoiada, resolvi escrever um pouco sobre a questão, no intuito de tentar diminuir a distância entre a verdade, as crendices e as mentiras deliberadamente ditas e repetidas sobre o mecanismo de Evolução Biológica. Obviamente, sou ciente de que não vou esgotar o assunto e nem acabar com os questionamentos, mas penso que, ainda assim, devo manifestar minha opinião e estou aproveitando esse espaço, que é meu, para fazer isso.

Para começar, devo dizer que as ideias de Evolução Biológica são muito mais antigas do que a maioria das pessoas pensam, pois, de alguma maneira, já eram consideradas nos livros sagrados dos Vedas, que foram escritos por volta de 1500 a.C. e que determinam as bases do Hinduísmo e das vários outras religiões resultantes dessas bases. Entretanto, aqui entre nós ocidentais, que ficamos presos por dogmas e outras situações religiosas poderosas que nos foram impostas ao longo da história, as ideias evolucionistas foram mantidas de lado, esquecidas e afastadas da sociedade e geral, por interesses outros.

Aqui no Ocidente, somente uns poucos pensadores ousaram fazer referências às possibilidades evolutivas. Dentre esses cabe lembrar principalmente Jean-Baptiste de Lamarck, Charles Robert Darwin, Charles Lyell e Alfred Russel Wallace, mas mesmo assim, isso só ocorreu depois do fim da Idade Moderna (1789). Na realidade, as ideias de Lamarck, encontradas no livro “Philosophie Zoologique”, onde o autor expõe seu pensamento e apresenta seus argumentos evolucionistas (a transmutação das espécies ao longo do tempo), só foram publicadas em 1809. Quer dizer, nossa civilização ocidental só começou a tomar contato com as ideias evolucionistas a pouco mais de 200 anos.

Quer dizer, para nós ocidentais, Evolução é realmente uma maneira nova (diferente da que existia) de pensar e que só se tornou possível a partir do rompimento com certos pressupostos, oriundos de pensamentos religiosos. Por outro lado, ao que parece, o evolucionismo também passou a ser mais admitido em decorrência de novos pensamentos religiosos. Engraçado e curioso o fato de que, enquanto existem religiões que se antagonizam fortemente com as ideias da Evolução Biológica, em contra partida existem outras que simplesmente se congregam e até se justificam com as ideias da Evolução.  De qualquer maneira, como tudo que é novo (diferente) assusta, o fato de muitos indivíduos ainda não admitirem a Evolução Biológica não chega a causar estranheza total e nem traz nenhuma grande novidade, porque o comportamento humano é assim mesmo.

A maioria de nós, aqui no ocidente, tem a origem religiosa, principalmente a partir das ideias judaico-cristãs, as quais, desde o início, sempre foram totalmente contrárias à Evolução Biológica e a qualquer preceito evolutivo, haja vista que fomos criados sobre a égide de que: “Deus criou todas as criaturas e fez homem à sua imagem e semelhança, para reinar sobre as demais criaturas”. Nesse caso, o mundo foi produzido (criado) do jeito que está e sempre esteve, por um demiurgo e continuará sempre sendo assim. Obviamente nesse tipo de pensamento fixista, não tem como caber qualquer noção de Evolução Biológica.

Entretanto, as coisas mudaram e algumas religiões, infestadas de preceitos contidos em seitas orientais adentraram o ocidente, trazendo novas (diferentes) ideias. A partir do século XVI, com as viagens transoceânicas, com os descobrimentos e com o nascimento daquilo que hoje se conhece como Ciência Moderna, as coisas começaram a mudar mais acentuadamente. Pretensas verdades das escrituras sagradas do Gênesis caíram por terra. O Cristianismo e o Judaísmo foram questionados e alguns de seus pilares que ainda não caíram, ficaram significativamente estremecidos. O Cristianismo se fragmentou em dois blocos iniciais: o Catolicismo e o Protestantismo e depois o Espiritismo que também se estabeleceu dentro na base do pensamento cristão, embora ainda haja algumas contestações a esse respeito, por parte de alguns cristãos, mas isso não nos interessa neste momento.

A Ciência, por sua vez, cada vez mais incrédula, materialista, implacável e eficaz, na busca do conhecimento e da verdade, foi trazendo novas dimensões ao pensamento humano, demonstrando e comprovando os fatos. Obviamente, ainda não explicou tudo e possivelmente nunca vá explicar algumas coisas, até porque existem situações que não dependem de comprovação científica, pois se constituem em puro ato de fé.  Essas situações são inquestionáveis, até porque ato de fé, sempre será ato de fé e não adianta explicação lógica para quem põe a fé acima da realidade.

Por outro lado, a Filosofia, não pode mais ficar restrita a alguns pensadores do passado e assim novos pensadores surgiram e outros do passado, que estavam esquecidos, porque tinham pensamentos diferentes dos padrões que interessavam aos poderosos, renasceram e ganharam o direito de ter suas ideias postas nas mesas de discussões. Porém, ainda hoje, independente daqueles que assumem o ato de fé, há quem desconfie da verdade, porque, como já foi dito, o ser humano é assim mesmo e se as verdades levam muito tempo para se estabelecerem, certamente elas levam muito mais tempo ainda para se solidificarem.

Enfim, é nesse contexto confuso e cheio de contradições e discordância entre Filosofia e Religião, que em meados do século XVII nasce a Ciência Moderna e no início do século XIX, Jean-Baptiste Lamarck ousa escrever e publicar a sua “Philosophie Zoologique” e aí surge o primeiro texto efetivamente evolucionista, onde o autor defende abertamente a progressão das formas vivas. Lamarck foi o primeiro ocidental a defender clara e abertamente numa publicação, a possibilidade da existência de um mecanismo evolutivo responsável pela origem, desenvolvimento e manutenção da vida no planeta, quando observou e sugeriu que os ambientes impõem necessidades aos organismos que neles habitam. Porém, coitado do Lamarck, por infelicidade e por falta de informação mais consistentes àquela época, ele baseou suas ideias em argumentos frágeis e hoje, sabida e realmente errôneos, que foram: a Herança de Caracteres Adquiridos e a Lei do Uso e Desuso.

Desta maneira, suas ideias foram alvos de inúmeras críticas, algumas dessas críticas originárias de poderosos e conceituados cientistas daquela época, como Georges Cuvier e August Weismann, e acabaram sendo definitivamente derrubadas. Mas, é bom lembrar que foram essas ideias erradas de Lamarck que mantiveram a noção da existência da Evolução Biológica e do evolucionismo sobrevivendo no pensamento humano por mais de 50 anos. O valor de Lamarck e de sua obra, apesar do embasamento errôneo, são fundamentais e incontestáveis a causa evolucionista. Entretanto, a teoria evolucionista só se estabeleceu efetivamente em 1859, quando Charles Darwin publicou a sua obra máxima, “On the Origin of Species”, na qual apresenta novos fatos, novas informações e principalmente um argumento coerente, a Seleção Natural, como base para tentar explicar a Evolução Biológica e ainda considerando que a Seleção Natural consiste na própria necessidade para que a vida tenha continuidade planetária.

Obviamente não preciso mais falar de Darwin e nem de seu livro famoso, porque todos (evolucionistas ou não) já conhecem, haja vista que seu livro é o livro não religioso mais lido no mundo, até hoje. Entretanto, eu quero lembrar que o seu argumento, a Seleção Natural, não é ideia exclusiva sua, porque existe outro pesquisador, menos famoso, pois é quase sempre esquecido dos livros e assim quase nunca aparece nas discussões e nem é muito conhecido da maioria da população, mas que é coautor desse argumento, trata-se de Alfred Russel Wallace. Ambos, Darwin e Wallace “trabalharam unidos” na elaboração e na publicação da Teoria da Evolução através da Seleção Natural.

A partir do momento da publicação da Origem das Espécies, o pensamento evolutivo criou corpo e disseminou-se pelo mundo afora e hoje, a grande maioria dos seres humanos ocidentais e todo o mundo, pensam exatamente como Darwin e Wallace, ou seja, que a Evolução Biológica é um fato que ocorre, porque precisa ocorrer, haja vista que o ambiente “impõe obrigações e exigências” aos organismos vivos (como já havia sido sugerido por Lamarck). Os organismos para sobreviverem necessitam se adaptar as “ações impostas” e assim as modificações vão surgindo naqueles que estão aptos para assumirem essas mudanças, enquanto aqueles que não estão aptos, não se adaptam e acabam perecendo e tudo isso é diretamente controlado e tratado pela Seleção Natural.

A frase acima resume relativamente bem a grande ideia da Evolução Biológica, que hoje é algo praticamente incontestável para a esmagadora maioria dos cientistas sérios do planeta e consequentemente pela maioria dos seres humanos. Entretanto, há necessidade de esclarecer que, na verdade, não existe uma “imposição efetiva”, por isso mesmo as afirmações estão entre aspas, mas mesmo por condições naturais, sempre ocorrem ocasionalmente mudanças no código genético das espécies vivas e aquelas que são benéficas, isto é, que tem significativo valor de sobrevivência para aquela espécie e naquele ambiente, têm forte tendência a serem repetidas e assim são reproduzidas e acabam por se manter.

Ao longo do tempo (cerca de 160 anos), com o progresso popular do pensamento evolutivo, algumas religiões foram se projetando mais e outras foram sendo esquecidas. Dentro do Cristianismo, o Catolicismo, depois de quase 100 anos de resistência, assumiu a ideia evolucionista, com a Encíclica Humani generis do Papa Pio XII, em 12/08/1950, sendo apoiado e promovido pelo Papa João Paulo II (25/10 1996) e recentemente corroborado pelo Papa Francisco (28/10/2014). Entretanto, ainda existem alguns grupos católicos renitentes e resistentes, que ainda torcem o nariz quando alguém os relaciona, ainda que por brincadeira, com macacos. Pois então, esses católicos que fogem aos preceitos doutrinários não deveriam ser considerados católicos verdadeiros, mas essa é outra questão que não cabe ser discutida aqui.

O Protestantismo em suas mais diversas vertentes, ainda não aceita o Evolucionismo e o que é pior, algumas dessas vertentes se embasam em crendices absurdas, além de produzir argumentos contrários fraudulentos, sem nenhuma conotação científica, para tentar derrubar argumentos científicos, o que não faz o mínimo sentido. Desta maneira, a questão que deveria ser tratada de maneira séria, chega ao nível mais baixo do ridículo. Bem, não vou discutir sobre isso, mas a verdade é que não se consegue entender o porquê dessa necessidade quase vital de manter o pensamento criacionista nas religiões protestantes, haja vista que o fato de aceitar o evolucionismo como mecanismo que mantém e diversifica a vida na Terra, não implica em negar a existência de um Deus e muito menos diminui a importância da existência de um ente maior.

O Espiritismo é a única das religiões cristãs que já nasceu com a convicção evolucionista. Aliás, coincidência ou não, Alan Kardec e Charles Darwin publicaram suas obras clássicas na mesma época: o Livro dos Espíritos (1857) e a Origem das Espécies (1859) e essas duas correntes de ideias cresceram paralelamente no pensamento popular.  Ao contrário das outras duas religiões cristãs, o Espiritismo não só concorda com o evolucionismo, como considera a Evolução uma característica preponderante para sua fundamentação.

Estamos no século XXI e a Evolução Biológica hoje é entendida como um fato científico aceito pela maioria das pessoas, mas ainda existem alguns indivíduos que, por crendices, ignorância, questões religiosas, ideológicas ou mesmo por qualquer situação de foro íntimo, não admitem o processo evolutivo e alguns ainda criam os mais diversos argumentos e motivos para tentar explicar essa forma de pensar. Além disso, nós ainda temos muitas besteiras e asneiras escritas em inúmeros livros, mesmo em livros escolares de ciências, porque muitas pessoas ainda não entendem bem essa questão.

Por exemplo, aquela imagem conhecidíssima da “escalada para o progresso”, onde aparecem várias figuras enfileiradas, que vão se transformando, a partir da primeira delas, que é um macaco, até a última, que é um homem moderno. Ora, essa imagem não tem absolutamente nada a ver com a Evolução Biológica, mas muitas pessoas, mesmo algumas pretensamente evolucionistas, utilizam essa imagem como uma maneira para explicar a Evolução Biológica, o que é mais lamentável ainda. Aliás, também existem várias piadas, evolucionistas ou antievolucionistas, que foram desenvolvidas a partir dessa mesma imagem ridícula.

A Evolução só acontece por meio de mutação em organismos assexuados ou por meio de mutação ou reprodução em organismos sexuados. Desta maneira, nenhum macaco vira homem e nem vice-versa, mas a modificação ocasional de alguma forma macaco anterior pode ter produzido um macaco diferente, mas os outros não tiveram necessariamente que desaparecer. Ambos as formas derivadas podem e geralmente continuam coexistindo, vivendo e se adaptando as novas situações e necessidades que lhes são “impostas”.

Assim, o homem não veio do macaco, mas ambos têm um ancestral comum, que permitiu a formação de outros primatas, inclusive da espécie humana. Quer dizer, o macaco e o homem tem a mesma origem ancestral e nesse sentido, somos todos primatas, ou seja macacos, mas “eu não acredito que os atuais macacos estejam preocupados ou se sintam ofendidos com esse fato”, então também não vejo motivo para que os homens tenham tanta preocupação com essa situação ou que fiquem desconfortáveis com isso. Infelizmente a questão real, reside no fato de que a maioria de nós ainda acredita que “somos feitos a imagem e semelhança de Deus” e obviamente Deus não pode ser uma macaco.

A “escalada para o progresso” não é a única imagem e nem a única besteira que está por aí impressa nas informações referentes à Evolução Biológica, porém certamente é a mais conhecida e esse tipo de coisa precisa ser combatido para que sejam esclarecidas as situações conflitantes. A Evolução Biológica não é um programa que caminha numa direção de progresso, a Evolução Biológica é uma situação de tentativa e erro, em que as espécies se ajustam (adaptam) aleatória e ocasionalmente em função das diferentes possibilidades que estão ambientalmente estabelecidas, buscando assim, a melhor maneira de viver no local em que se encontram.

O que dá certo, isto é, aquilo que tem valor de sobrevivência maior para a espécie, tende a ficar e se manter e o que não dá certo tende a continuar se modificando. É isso mesmo, a Seleção Natural, como o nome diz, seleciona naturalmente aqueles que possuem as melhores condições para aquela situação naquele momento, no entanto as coisas estão sempre mudando, inclusive a base física muda por condições climáticas e geomorfológicas. Assim, o que está bom hoje, pode não estar bom amanhã e as espécies que obviamente querem continuar vivendo têm que estar sempre se adaptando, por isso a Seleção Natural também está sempre agindo. Em suma, a Evolução Biológica é o resultado da melhor tendência num dado momento e isso não tem necessariamente um padrão ou uma ordem progressiva, cada situação diferente pode produzir um caminho diferente.

Na Evolução Biológica não existe determinismo, não é uma coisa programadamente dando outra melhor, a Evolução Biológica é uma coisa tentando uma condição de viver em melhores condições e que não está obrigatoriamente determinada de ser algo progressivamente melhor, dentro de uma linha de orientação continua. A melhora adaptativa, não tem que significar obrigatoriamente uma melhora morfológica, fisiológica, estrutural, comportamental ou coisa parecida. A melhora adaptativa é apenas uma questão de ajuste, orientado pela Seleção Natural, que nunca para de acontecer, porque sempre é possível modificar alguma coisa num determinado lugar e se estabelecer de maneira mais adaptada e isso é continuo em todas as espécies do planeta, inclusive em nós, os seres humanos. Alguns desses ajustes, quando vantajosos, são repetidos (reproduzidos) e acabam por se fixarem e outros não.

Não é possível, de antemão, afirmar como a Evolução Biológica vai se portar, ou seja, para que lado ela vai ou que resultado ela vai produzir. A única certeza que se tem é que, mais cedo ou mais tarde, mudanças sempre irão naturalmente ocorrer com os organismos vivos, porque a Seleção Natural é imperativa e terminante. Os seguidores das religiões ocidentais, principalmente aqueles das várias vertentes do Protestantismo, precisam assumir a realidade evolutiva e entender que Deus independe da Evolução, mas negar a realidade científica nos tempos atuais é, no mínimo, um contrassenso que as pessoas, independentemente religiões que sigam, não precisam cometer.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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