Animais “Úteis” X Humanos “Inúteis”

Resumo: Nesta oportunidade estou voltando a um tema antigo, do qual falei pela primeira vez faz mais de 30 anos, mas que infelizmente ainda é muito mal entendido por grande parte das pessoas, trata-se da “utilidade dos animais” aos interesses humanos e a consequente apropriação antrópica indevida dos animais. O assunto é muito interessante e o texto chama a atenção de que em tempos de postura ecologicamente correta, de necessidade da Educação Ambiental, de apelo sobre a Biodiversidade e sobre tudo de priorização da Sustentabilidade, não é mais possível pensar dessa maneira. Nossas crianças precisam de outro critério para perceber a importância dos animais primeiramente para o planeta.


Animais “Úteis” X Humanos “Inúteis”

Nesta semana, mais uma vez eu tive a infeliz oportunidade de presenciar, num trabalho que pretensamente deveria ser de Educação Ambiental, uma professora falando com um grupo de alunos de Ensino Fundamental, sobre um assunto que eu pensava que já estivesse sendo tratado de maneira diferente nas escolas. Na situação em questão, a professora falava aos alunos sobre os “animais úteis” ao homem, o que é um fato lamentável e que, pelo visto, ainda há muita gente pensando e o que é pior, ensinando assim às crianças.

Historicamente, desde o momento em que cada ser humano nasce ele é levado a entender que há alguns “animais úteis” e outros que não são úteis. Mais tarde, quando a criança entra na escola, lamentavelmente esse ensinamento errado é reforçado pelos professores nas séries iniciais de sua formação. Ora, se alguns animais são úteis, isso implica em que outros animais sejam necessariamente considerados inúteis. Essa é uma conclusão lógica e simples. Alguns ainda vão mais longe nessa conclusão e pensam assim: “já que esses animais são inúteis, então vamos acabar logo com eles”. Pois é, ao longo do tempo, muitas das diferentes civilizações humanas fizeram efetivamente isso, ou seja, trabalharam para destruir e matar todos os animais que eram considerados inúteis e tentaram aumentar a capacidade reprodutiva e ampliar as populações daqueles que eram entendidos como úteis.

Partindo do pressuposto acima, o que pode ser considerado é que grande parte dos homens tem procurado se aproximar cada vez mais dos “animais úteis” e se afastar o mais possível dos “animais inúteis”. Por exemplo: historicamente supervalorizamos as galinhas que nos interessam (são úteis), pois nos fornecem principalmente carne e ovos, além de outras coisas de menor destaque diretamente e subvalorizamos os gambás que não nos interessam, porque não nos fornecem aparentemente absolutamente nada, tanto direta quanto indiretamente.

E se o gambá em questão, por acaso, resolve comer algumas galinhas, aí é que a coisa fica mais feia e desanda de vez, porque desta forma, o gambá, além de inútil, passa ainda a ser visto como um inimigo cruel, que come as pobres galinhas amigas. E o que é pior, nessa situação o gambá inútil ganha ainda outro adjetivo mais desagradável, pois passa ao “status” de “animal nocivo”, que é bem mais degradante e ofensivo do que inútil, porque indica que o animal em questão é útil para causar danos e prejudicar a espécie humana.  Assim, ele é muito mal visto e por isso mesmo é caçado e destruído sem nenhuma cerimônia e sem nenhuma justificativa. Isto é, ele é perseguido apenas por ser um gambá e ser entendido como um animal prejudicial aos interesses do homem.

Considerando que a Educação Ambiental é hoje a expressão de ordem nos projetos ambientais e educacionais é inadmissível que ainda existam professores com essa visão errada da realidade natural e passando e reforçando esse tipo de informação arcaica e absurda aos seus alunos. Esse fato é pior ainda, quando se está num país de grande Biodiversidade. Aliás, sempre é bom lembrar, que o Brasil é o país que detém a maior Biodiversidade do planeta, com cerca de 20% das espécies vivas da Terra e que isso certamente é nossa maior riqueza. Entretanto, para quem pensa em utilidade dos animais, países como o Brasil, tendo muita diversidade biológica, têm muito animal inútil que devem ser destruídos em prol daqueles que nos interessam, os animais úteis.

Essa questão de utilidade dos animais, que nem de longe pode ser considerada verdadeira, foi por mim abordada num trabalho que publiquei há precisos 17 anos atrás (LIMA, 1997), mas parece que ninguém leu, ou ninguém estava muito interessado nesse assunto naquele momento e até hoje continuam desinteressados, porque de lá para cá quase nada mudou acerca dessa questão. Talvez, naquela época a Educação Ambiental ainda não estivesse na “moda”, Biodiversidade ainda fosse coisa estranha e Sustentabilidade fosse uma palavra do outro mundo. Porém, hoje, não dá mais para entender que as escolas primárias continuem falando em animais úteis e inúteis para as crianças, principalmente quando se enfatiza a necessidade de destaque e apoio à Educação Ambiental e à Sustentabilidade através de todas as formas pedagógicas.

Naquele artigo, de 1997, eu já dizia que: “é preciso mudar essa mentalidade drástica de que os animais são bens da natureza doados por Deus ao homem, para sua utilização”. Certamente esse trecho especificamente ninguém leu, ou se alguém até leu, então deve ter pensado que eu era mais um louco blasfemando contra Deus. Que fique claro: não sou contra Deus e nem estou louco. Entretanto, eu insisto que temos que abandonar totalmente essas ideias de “animal útil” e de “animal nocivo”, o mais rápido possível, principalmente nas escolas de ensino fundamental. Esse é uma atitude preponderante para que possamos produzir homens melhores, no que diz respeito ao relacionamento com os demais organismos vivos e para que possamos tratar a todos, particularmente os animais, como sendo organismos fundamentais ao desenvolvimento e à manutenção da vida no planeta. É bom lembrar que biologicamente nós humanos também somos animais e eu ainda não sei muito bem se somos úteis ou inúteis à natureza e ao planeta.

Todas as espécies animais e também vegetais, sem exceção, são de alguma forma importantes para o planeta, senão a natureza não as teria selecionado evolutivamente e assim elas simplesmente não existiriam, ou se tivessem existido, talvez já tivessem sido naturalmente extintas. Desta maneira todas elas são necessariamente úteis ao planeta, independentemente do grau de relacionamento ou de proximidade que possam ter com os seres humanos ou mesmo dos benefícios que possam produzir para a nossa espécie. É isso que precisa ser dito, ensinado e reforçado cotidianamente às nossas crianças nas escolas.

Essa nossa antiga conceituação sociológica de que existem animais úteis e inúteis precisa ser esquecida e apagada de uma vez por todas dos planos de ensino escolares. É preciso que as crianças sejam mais bem esclarecidas, para que se possa evitar problemas mais sérios no futuro, principalmente no que diz respeito às espécies ameaçadas de extinção, as quais se forem mesmo consideradas “inúteis” se extinguirão muito mais rapidamente, pois o homem pensando na sua inutilidade trabalhará no sentido de exterminá-las mais cedo. É óbvio que esse fato, se vier acontecer, trará consequências ecológicas drásticas. Talvez devêssemos arrumar outra terminologia para tratar os “animais úteis”, por exemplo: “animais de interesse antrópico” ou “animais de particular interesse humano”. A nossa apropriação despótica da natureza precisa ser ensinada às crianças de uma maneira mais realista e, ao mesmo tempo, mais crítica, em função dos nossos extremos descuidados éticos e desmandos históricos com a vida silvestre dos demais organismos vivos, em particular com os nossos “irmãos” mais próximos, os animais.

De qualquer maneira teremos que conseguir outro mecanismo para determinar os animais que possam nos interessar mais prioritária e diretamente, porque nos fornecem alguma coisa de aplicabilidade imediata aos nossos interesses. Entretanto, teremos que fazer isso sem deixar de ressaltar a importância desses animais e também dos demais animais para a continuidade da vida no planeta, lembrando que na natureza não existem organismos vivos “inúteis”.

A meu ver, se existirem entidades biológicas inúteis aqui na Terra, devem ser apenas algumas formas de seres humanos que continuam pensando e agindo dessa maneira ignorante e ilógica em relação aos animais. Isto é, buscando padrões particulares de interesse nessa ou naquela espécie animal e assim ampliando as possibilidades de se dizimar as populações das demais espécies porque não encontram aplicabilidade antrópica imediata para as mesmas.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Referência Bibliográfica

LIMA, L. E. C., 1997. A Educação Ambiental e a Utilidade dos Animais: um Contrassenso Sociológico e Naturalístico, Ângulo, Lorena, (67): 6-8.

*Artigo anteriormente publicado no Portal do Recanto das Letras (www.recantodasletras.com.br – Código do Texto T2540866), em 06/10/2010, sendo devidamente modificado e atualizado para esta publicação.

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2 comentário(s)

  1. Muito bem colocado meu amigo Luiz… É isso que, embora ultimamente com demanda menor de visitas, procuro passar na Casa Ambiente e Saúde, principalmente para visitantes do ensino fundamental. Falo da diferença de animais de fato nocivos, aqueles que a própria população por conta de seu comportamento, favorece sua presença e proliferação, que por sua vez vem a se tornar praga. Falo da guarda “responsável” dos animais domésticos, principalmente do grande equívoco de tratá-los na rua. E da fauna silvestre local e sua importância para nossa própria subsistência. Explico o porque algumas espécies silvestre vem apontando um certo grau de sinantropismo, como o gambá que mencionaste no texto, e que é colocado por muitos, e pra minha surpresa até por alguns professores, conforme relataste. Que são espécies que vem sofrendo e se urbanizando devido a pressão antrópica, que corujas não são do “Demo”, não “trazem azar” e nem “mal agoro”, e que até no ambiente urbano assumem o papel de controladores da população de espécies que podem se tornar pragas. Enfim… pra mim é um contexto que deveria fazer parte da grade curricular no ensino fundamental I, como tudo que se relaciona ao meio ambiente.
    Abraço
    Danilo (Badah)

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    1. É bem isso mesmo Badah. Valeu, muito obrigado pela leitura e pelo comentário.

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