Refletindo sobre alguns valores esquecidos pela vida moderna

Resumo: O texto dessa semana traz à baila uma questão séria, que está cada vez mais preocupando algumas pessoas e que precisa ser mais discutida e refletida pela sociedade. Trata-se do uso exagerado das novas tecnologias e do consequente afastamento entre as pessoas que esse uso tem trazido. Com o uso desregrado das tecnologias e com os superpoderes a elas concedidos, a humanidade parece estar perdendo sua relação direta com os ambientes primários da natureza e com os demais seres vivos, inclusive com os próprios seres humanos, o que tem trazido consequências progressivamente mais trágicas para a natureza e mais desagradáveis ao relacionamento humano.


Refletindo sobre alguns valores esquecidos pela vida moderna

Ultimamente tenho me preocupado muito com o rumo dos relacionamentos entre os seres humanos e ainda que eu não possa taxativamente afirmar que a fragilidade desses relacionamentos seja uma verdade mundial, eu tenho quase certeza que os relacionamentos humanos atuais pelo mundo afora são meras externalidades. Com certeza, essa é uma verdade brasileira, porque aqui em nosso país, as pessoas efetivamente, têm progressivamente caminhado para trás, no que diz respeito aos relacionamentos humanos e também às coisas da natureza, das tradições, dos valores culturais e morais em geral.

Também não sei se posso e nem quero considerar como uma verdade absoluta de que a causa dessa condição seja exclusivamente da tecnologia, mas infelizmente, tenho que considerar o fato de que o avanço tecnológico tem ajudado bastante no atual estado da arte e no momento, vou me ater exatamente ao seguinte questionamento: porque a tecnologia parece estar nos arrastando cada vez mais para longe das coisas e dos valores que nos deveriam ser mais importantes?

A propósito, devo dizer que não tenho absolutamente nada contra o avanço tecnológico e nem mesmo sou avesso aos novíssimos e diversificados aparelhos eletrônicos. Ao contrário acho todos eles ferramentas importantíssimas e que bom que nós conseguimos desenvolvê-los para facilitar muitas das diferentes tarefas que temos que resolver. O problema é que muitos de nós somos incapazes de entender que esses aparelhos são apenas e tão somente ferramentas. Esses aparelhos não são e nem podem ser considerados, de maneira nenhuma, como se fossem elementos vitais, que precisamos para continuar vivos, como o ar ou a água, pois já vivíamos anteriormente independentemente da existência deles. Como disse antes, esses aparelhos são úteis, mas certamente não são fundamentais. Obviamente existem alguns casos em que peças tecnológicas foram desenvolvidas exatamente para auxiliar a vida de algumas pessoas, mas essas são situações excepcionais e não regras.

A tecnologia está aí para tentar nos fazer mais capazes, mais eficientes e consequentemente mais felizes e tudo isso é obviamente muito bom num primeiro momento. Entretanto, será que essa felicidade inicialmente prevista tem sido secundariamente uma verdade em si, quando o avanço tecnológico nos leva a esquecer, ou pelo menos, nos afastar de outras coisas que, na nossa condição de seres vivos e principalmente de indivíduos humanos, talvez nos fossem muito mais importantes? Será que o nosso apoderamento tecnológico não nos coloca frente à questões que, talvez, possam estar nos trazendo mais prejuízos do que benefícios, apesar de nos permitir soluções aparentemente mais efetivas? A eficiência tecnológica nem sempre tem se mostrado eficaz sob vários aspectos, principalmente nas questões socioambientais. Bem, vou exemplificar meus questionamentos para tentar ser um pouco mais claro.

Imagine que quando não tínhamos agendas eletrônicas ou objetos semelhantes (alguns de nós nem conseguem imaginar isso), éramos obrigados a guardar os números de telefone, anotando ou mesmo decorando esses números e isso era bom para nós, porque nos forçava a escrever e pensar. E mais, quando íamos ligar para aquele número, necessariamente tínhamos que discar ou digitar, o que nos obrigava também a realizar um exercício físico, ainda que pequeno. Quando queríamos falar com uma pessoa e não podíamos ir à casa dela, nós telefonávamos e conversávamos com essa pessoa. Muitos de nós ficavam horas no telefone, o que era ruim, porque a conta a ser paga era alta. Entretanto, hoje usamos o “Whats App” e não pagamos nada e isso é bom, mas também não conversamos verdadeiramente com ninguém, apenas mandamos mensagens simples, sem qualquer conotação pessoal. Assim, as inter-relações são frias e de pouquíssimo conteúdo. Não escrevemos mais, apenas trocamos recados cheios de frases viciadas, com códigos, abreviaturas e símbolos, muitas vezes insuficientes para definir ou mesmo apenas para indicar uma determinada condição.

Tudo bem, é claro que essas mensagens de internet também são uma forma de linguagem, mas certamente essa não é uma linguagem que sirva para aproximar os seres humanos, porque ela é superficial e não expressa sentimento nenhum. O “internetês” é a comunicação pela comunicação e nada mais que isso e por mais que ele aproxime (facilite) as informações ele afasta as pessoas, que ficam cada vez mais isoladas em seu mundo exclusivo com seu celular, seu “tablet” ou seu computador de última geração. Posso estar errado, mais isso absolutamente não é humano, pelo menos do ponto de vista sensitivo.

Chamamos as redes de “internet” do tipo “facebook” e “linkedin”, por exemplo, de “Redes Sociais”, mas eu pergunto: essas redes são sociais mesmo? Tudo bem, elas envolvem grupos de pessoas da sociedade, mas elas não se comportam como algo que socialize as populações? Não, elas fazem exatamente ao contrário, pois elas excluem pessoas, quando não permitem sua participação em determinados grupos e isso ao meu ver é uma atitude antissocial. Talvez, fosse interessante chamar essas redes de outro nome, porque “Redes Sociais” é que elas não são mesmo. Porém, deixemos essa questão de lado, porque não é disso que quero eu tratar aqui.

Na minha infância, nós convivíamos muito mais com a natureza e com as pessoas do que qualquer criança de hoje em dia, mormente nos últimos anos com o advento da internet. Nós brincávamos de pique, jogávamos futebol, bola de gude, rodávamos pião, soltávamos pipa e várias outras coisas que hoje, tem criança (talvez a maioria delas) que nem sabe do que se tratam essas coisas, simplesmente porque nunca as viram e não têm nenhuma relação com outros humanos, além da internet e das “Redes Sociais”. Quer dizer, quase não há convivência efetiva com outros humanos, a não ser nos meios de transportes, quase sempre particulares e nos ambientes corporativos familiares, escolares, culturais e laborais. Hoje inventamos até “bichinhos virtuais” até para afastar mais as pessoas umas das outras e o que é mais grave, em certo sentido, para afastar as pessoas dos animais também.

Essa situação atual de contraste com que havia em épocas anteriores, pode até ser vantajosa em determinados aspectos, mas certamente é prejudicial em outros tantos. Se for colocado numa balança de custos X benefícios, acredito que certamente há menos vantagens e mais desvantagens no atual modelo, que é resultante do uso inadequado e excessivo da tecnologia.

A meu ver isso tem afastado cada vez mais as pessoas umas das outras e assim também dos valores e das tradições. As diferentes formas de expressões culturais vão ficando esquecidas e a natureza está sempre mais longe e menos importante, pois a vida humana passou a ser quase que exclusivamente urbana e tecnológica. O natural e o rural perderam o sentido e não interessam em praticamente nada na paisagem antrópica atual. Os humanos tendem a viver isolados em seus espaços artificiais.

Esse isolamento, por sua vez, leva cada vez mais ao egoísmo e ao olhar para dentro de si mesmo, o que também aumenta os preconceitos e o medo generalizado das diferenças. O outro humano cada vez importa menos para os humanos. Lamentavelmente, nós temos caminhado no sentido de achar que a felicidade é quase um sinônimo de solidão, porque nos preocupamos apenas conosco e tudo fazemos apenas no nosso interesse individual.

Enfim, reflitam comigo e digam se eu não tenho razão. Penso que está na hora de começarmos a fazer alguma coisa para mudar essa tendência, porque acredito que ela seja muito maléfica aos interesses e valores reais da humanidade. Acredito que nós, os seres humanos, estamos precisando de menos tecnologia e mais humanidade, para podermos engrandecer as nossas vidas, solidificar as nossas sociedades e principalmente estreitar as nossas relações com os demais seres humanos.

Segundo o pensador russo, Lev Semenovitch Vygotsky, nós não nascemos humanos, nós nos tornamos humanos ao longo de nossa vida, pois s nossa humanização é construída progressivamente. Esse mesmo autor vai mais fundo ainda, quando diz que: “o homem só pode se tornar homem na presença de outro homem”, isto é, só nos tornamos homens convivendo com outros homens. Pois então, penso que temos andado na contramão da humanidade e estamos precisando conviver mais com outros humanos para nos humanizarmos mais.

 

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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