Os Serviços Ecossistêmicos a Proteção Natural Sustentável Ecológica e Economicamente

Os Serviços Ecossistêmicos: a Proteção Natural Sustentável Ecológica e Economicamente

Resumo: O artigo visa esclarecer sobre a imagem errônea que a maioria da população costuma ter e que é reforçada por certos setores, acerca de que os ambientes naturais são áreas perdidas que não servem para nada, além de abrigarem animais perigosos, serem focos de doenças e desperdício de espaço útil que poderia ser utilizados para outros fins. Pode parecer absurdo, mas essa ainda é uma visão muito comum e isso precisa acabar. O conhecimento dos Serviços Ecossistêmicos pode ser uma maneira de acabar com esse ranço, além de ser uma alternativa real de ganhos econômicos para as comunidades.


INTRODUÇÃO

Quero crer que não pretendo trazer de novo nesse artigo para as pessoas que conhecem um pouco e que, de alguma maneira, militam na área de Meio Ambiente ou nos ambientes rurais e mais especificamente, na área da Agricultura, portanto, desde já peço vênia a esse grupo de leitores. Entretanto, tenho visto tanta dificuldade, na maioria dos cidadãos comuns, de perceber as diferenças fundamentais entre os Ambientes Naturais e os Ambientes Artificiais e consequentemente, de fazer tanta confusão entre esses tipos genéricos de ambientes. Por outro lado, vejo que essa percepção é necessária para que o cidadão comum possa entender o que são efetivamente os serviços Ecossistêmicos (ambientais). Por conta disso é que resolvi escrever esse artigo e tentar popularizar uma pouco mais essa ideia.

Meu objetivo é tentar esclarecer as dúvidas da maioria, mas, em função dos vícios sociológicos, talvez eu possa acabar trazendo mais dúvidas a outros. De qualquer maneira, vou tentar esclarecer determinadas questões que estão arraigadas no pensamento popular e não condizem com a realidade e ainda tentar minimizar ideias errôneas sobre os Ambiente Naturais. Isso mesmo, a coisa é tão conflitante que muita gente boa acaba aplicando conceitos errados aos dois tipos de ambientes, o que gera problemas bem maiores do que se pode pensar. Além disso, existem alguns indivíduos que se aproveitam deliberadamente dessa condição dúbia para tentar manter o status quo.

Eu vou precisar fazer essa distinção clara para poder chegar na condição final de esclarecer que preservar os Ambientes Naturais não é uma atitude inútil, como pensam alguns e como sugerem outros. Aliás, quero mesmo demonstrar que, atualmente, do ponto de vista econômico, os Ambientes Naturais podem ser muito mais rentáveis do que os Ambientes Artificiais, por conta dos Serviços Ecossistêmicos e deste modo, proteger esses tipos de ambientes pode ser bastante vantajoso, tanto para o planeta quanto para a humanidade.

Peço vênia novamente, mas vou ter que ser muito didático e para tanto terei que me referir a alguns conceitos básicos de Ecologia, a fim de que todos os leitores possam estar devidamente identificados com as terminologias que serão empregadas no texto. Não quero correr o risco de ser mal interpretado nos meus argumentos.  Na verdade, embora isso seja efetivamente chato para alguns leitores, a minha expectativa é que, ao final, acabe sendo benéfico para todos, porque todos deverão ter o mesmo entendimento que proponho, dentro da abrangência efetiva dos conceitos aqui citados, definidos e esclarecidos.

CONCEITUAÇÕES E ESCLARECIMENTOS NECESSÁRIOS

Primeiramente é melhor conceituar exatamente o que estarei chamando de “Ambiente Natural e “Ambiente Artificial” nesse artigo. Ambiente Natural é aquele ambiente estabelecido pela natureza, ou seja, sem ação direta do homem modificando sua estruturação ou também pode ser aquele ambiente que, embora tenha sofrido qualquer modificação antrópica, essa se deu a tanto tempo, que a própria natureza se refez recolonizando o ambiente de acordo com as possibilidades físicas e químicas do local. Ambiente Artificial é qualquer ambiente que tenha sido modificado por ação antrópica uma ou mais vezes e que continua sendo mantido modificado no momento, de maneira que a natureza por mais que possa tentar não consegue fazer com que ele volte à condição primitiva, isto é, anterior a ação do homem.

O Ambienta Natural obviamente costuma ser muito mais diversificado que o artificial, do ponto de vista da diversidade biológica (Biodiversidade), mas isso não é uma verdade absoluta, pois quando o homem faz agricultura numa área primitivamente deserta, na verdade ele está aumentando a biodiversidade local. Assim, é preciso ficar claro que áreas agrícolas, embora sejam Ambientes Artificiais, não são necessariamente mais pobres, do ponto de vista biológico, do que áreas naturais primitivas (Ambientes Naturais), porque isso vai depender muito de que tipo de ambiente estiver sendo considerado na situação.

Antes de continuar, utilizando de toda cautela, quero dizer ainda ao leitor que, os Ambientes Naturais primitivos a que me refiro, são os grandes Biomas terrestres do Planeta Terra (a Tundra, a Taiga, os diferentes tipos de Florestas, os diferentes tipos de Campos e os Desertos). Os Biomas são grandes áreas geográficas com características geológicas e biológicas semelhantes e que se mantêm sob condições climáticas relativamente uniformes. Dentro dos Biomas existem os diversos Ecossistemas que compõem certas unidades diferenciadas, com características físicas e químicas próprias comuns (Biótopo) e que abrigam um determinado conjunto típico de espécies vivas (Comunidade Biológica ou Biocenose).

Aqui no Brasil, ocorrem apenas três Biomas fundamentais as Florestas, os Campos e o Pantanal. As Florestas brasileiras são de dois tipos: Floresta Equatorial (Floresta Amazônica) e Floresta Tropical (Floresta Atlântica) E os Campos são de três tipos: Cerrado, Caatinga e Pampa. O Pantanal é uma imensa planície inundável (a maior do planeta), que se estende por parte da Bolívia e do Paraguai com algumas áreas mais altas de vegetação assemelhadas ao Cerrado.

As terras do estado de São Paulo ocupam basicamente áreas de dois Biomas Brasileiros: A Mata Atlântica e o Cerrado. O que quer dizer que Floresta em São Paulo é a Floresta Atlântica e Campo em São Paulo é o Cerrado. Na verdade, nas áreas de Mata Atlântica acima de 1200 metros de altitude, também existem os chamados Campos de Altitude. Nas áreas litorâneas também é possível encontrar Manguezais e Restingas. Entretanto, não vamos nos ater às grandes altitudes nem ao litoral e assim, podemos considerar que: “ambiente natural no estado de São Paulo é uma área primitiva de Mata Atlântica ou de Cerrado.

Existem diversos tipos de Ecossistemas nesses Biomas e ainda que cada um desses Ecossistemas possa ser, de fato, um ambiente diferente, nesse texto, vamos tratar todas essas áreas no conceito amplo de “Ambientes Naturais” enunciado anteriormente. A própria Mata Atlântica se constitui, na verdade, em vários tipos distintos de Florestas, que abrigam diferentes Ecossistemas, mas isso também não nos interessa nesse momento e fica para outra oportunidade. Assim, vários são os “Ambientes Naturais, mas, aqui no estado de São Paulo, na imensa maioria das vezes, quando o cidadão comum pensa em Ambientes Naturais, ele costuma estar se referindo apenas às florestas (Mata Atlântica) ou aos campos (Cerrado), que na visão sociológica dele é o “mato”, ou melhor, a mata natural.

Aqui cabe outra ressalva, a ideia popular de campo, é sociológica e pode ser traduzido como um ambiente bucólico, campestre, rural ou agrícola, que obviamente são “Ambientes Artificiais”.  É bom lembrar que essa ideia não condiz com o conceito biogeográfico (ecológico) efetivo dos Biomas do tipo Campo. E mais, qualquer área em que exista vegetação natural com árvores e arbustos, o cidadão comum, sociologicamente considera como sendo uma floresta, o que também não condiz necessariamente com a conceito biogeográfico (ecológico) dos Biomas do tipo Floresta.

Quer dizer, o cidadão comum e a sociedade em geral transitam entre duas visões diferentes, a social e a natural e por isso mesmo, muitas vezes esses conceitos se confundem. Se o problema fosse apenas esse e a coisa parasse por aí estaria tudo relativamente bem, mas infelizmente essa confusão acaba produzindo outras derivadas e exatamente aí ocorrem os grandes conflitos e as interpretações errôneas, inclusive, muitas vezes, interpretações erradas sobre aspectos legais.

Vou dar um exemplo simples, para esclarecer melhor o que estou dizendo. Imaginem uma grande propriedade (fazenda) qualquer, na qual existe uma área grande plantada com diversas culturas agrícolas, que é mantida e explorada com finalidade econômica de produção de alimentos (Ambientes Artificiais), mas também há uma área com remanescente na condição da vegetação primitiva da região, uma área nativa (Ambiente Natural). Sociologicamente, o cidadão comum tratará a área explorada para fins agrícolas da fazenda como campo ou roça e a área primitiva como floresta ou mata, independentemente de ser Floresta Atlântica ou Cerrado.

 Parece claro assumir que os Ambientes Artificiais são mais instáveis, porque se mantêm graças as condições artificiais que precisam se perpetuar na área geográfica em questão. Essa instabilidade do Ambiente Artificial se deve a alguns fatos. O Ambiente Artificial é muito mais homogêneo, costuma ter pouquíssima diversidade biológica, porque abriga poucos ou apenas uma espécie no cultivo (monocultura) e que necessita de auxílio químico adicional na maioria das vezes. Embora, em algumas áreas haja rotação de culturas, ainda assim os agrotóxicos acabam sendo necessários por vários aspectos. As espécies plantadas não costumam ser nativas, assim sempre vão necessitar de condições artificiais para viver naquele local.

Todas essas dificuldades para manter o Ambiente Artificial fazem com que esse tipo de ambiente exerça uma pressão perpétua sobre o solo para se manter. Isso força bastante a capacidade do solo e muitas vezes extrapola o seu limite, o que, mais uma vez, tem que ser reestabelecido quimicamente, com a adição de compostos químicos industriais, muitas vezes incomuns naquela área, o que pode gerar mudanças na microbiologia do próprio solo.  Deste modo, o ecossistema artificial é extremamente frágil e pode ser destruído por qualquer simples modificação natural: uma simples praga da cultura pode extinguir a mesma rapidamente.

Mesmo nas áreas de pastagens os processos químicos e físicos adicionais muitas vezes são necessários para evitar a estagnação do solo, que se exaure facilmente pelo excesso de uso e se compacta rápido pelo constante pisoteio do gado. Obviamente tudo isso tem um custo e, no passado recente era muito comum que essas áreas acabassem sendo abandonadas depois de certo tempo de uso. Assim, novas áreas naturais eram desatadas ou simplesmente queimadas para serem utilizadas no mesmo processo e isso era um continuo constante. Infelizmente, esse triste fato ainda acontece em muitos lugares desse país.

Quer dizer, com o crescimento das áreas de Ambientes Artificiais, pela pressão na produção do alimento, novos Ambientes Naturais foram (são) destruídos e como a população humana não para de crescer, a demanda por alimento também é sempre maior e a pressão sobre esses Ambientes Naturais continua crescendo cada vez mais. Desta maneira, ao longo a história os Ambientes Naturais, foram progressiva e continuamente dando lugar aos novos Ambientes Artificiais.

Aqui cabe lembrar ainda que as áreas urbanas, também são Ambientes Artificiais e que essas áreas crescem progressivamente com o aumento da mancha urbana das cidades. Hoje, cerca de 60% da população mundial vive em grandes centros urbanos e segunda dados da ONU até 2050, essa porcentagem passará de 70%. Todo o espaço físico das áreas urbanas deve ser somado às áreas agrícolas, para contar os Ambientes Naturais que estão sendo progressivamente perdidos. Os Ambientes Artificiais, agrícolas ou urbanos, geram riquezas econômicas, mas produzem gastos muitas vezes desnecessários e embora esses tipos de ambientes precisem existir, tem que estar claro para todos que eles não são ambientes sustentáveis. 

Enfim, para que todo o aparato do Ambiente Artificial, seja ele qual for, possa ser mantido em funcionamento, tem que existir um custo econômico e monetário relativamente alto. Aliás, dependendo do tamanho da área e da finalidade dela, as despesas de custeio e manutenção podem ser caríssimas. O que estou querendo dizer é que, não é barato manter um Ambiente Artificial, em qualquer que seja a localização e para qualquer tipo de condição que se pretenda desenvolver nela. Em suma, nos Ambientes Artificiais sempre existem custos econômicos e ecológicos a serem considerados e nem sempre o retorno é garantido, porque podem ocorrer vários problemas, de ordem natural, uma geada ou uma grande enchente, ou mesmo de ordem artificial, uma queimada provocada por alguém ou e explosão de uma grande fábrica e até mesmo rompimento de uma barragem próxima.

Já os Ambientes Naturais, que apresentam muitas espécies nativas exclusivas e consequentemente maior diversidade de espécies (Biodiversidade), possuem também maior número de nichos ecológicos (funções ambientais naturais) que são diversamente ocupados e assim, permitem mais inter-relacionamento entre as espécies e por fim são ecologicamente muito mais estáveis, seguros e equilibrados. Não necessitam de controle químico. Aliás, como já foi dito, a ação química externa nesses ambientes é até proibida por lei. Além de tudo, são ambientes sustentáveis e como veremos mais adiante, podem ser ainda, além de ecologicamente corretos, também economicamente viáveis e interessantes, desde que sejam mantidos e respeitados dentro de certos limites mínimos.

Por outro lado, é bom que a gente se lembre que são os Ambientes Naturais que geram água, que garantem o oxigênio, que mantêm o clima, fornecem madeira, que produzem as sementes usadas nos cultivos, que guardam os minérios. Enfim, os Ambientes Naturais são os geradores de todas as coisas que a humanidade depende e utiliza, que são os chamados Recursos Naturais. Sem os Ambientes Naturais e seus Recursos não haveria como a humanidade ter sobrevivido até aqui. Entretanto, é preciso ficar claro que esses recursos são limitados e que cabe a nós, seres humanos, a obrigação de garantir sua manutenção para que todos os humanos atuais e futuros possam continuar vivendo nesse planeta.

PROBLEMAS EMERGENTES NO BRASIL

Bem feitos os esclarecimentos iniciais, penso que agora posso dar andamento aos meus argumentos. Até porque agora o leitor já pode entender que, sociologicamente, o campo, algumas vezes é tratado como mata e a mata algumas vezes é tratada como campo. Em suma, o “sociologês” se confunde com o “naturalês” e isso pode causar problemas ocasionais e muitas vezes propositais, para que se mantenha a confusão. Além disso, o leitor agora já sabe um pouco mais sobre como os Ambientes Artificias aumentam e como os Ambientes Naturais diminuem.  Mas, também sabe da importância da manutenção dos Ambientes Naturais..

Bem, embora o proprietário daquela fazenda imaginária que citei anteriormente seja apenas um sujeito, nela vivem outras pessoas e da produção dela dependem inúmeras outras. Pois então, na área de plantio ou de produção agrícola (Ambiente Artificial), até pela condição exploratória agrícola da fazenda, são permitidas uma série de ações, as quais não são permitidas na área nativa (Ambiente Natural), por conta de sua condição natural. O Uso de agrotóxicos, por exemplo, não pode ocorrer nas áreas nativas, mas com a devida orientação e supervisão agronômica, eles podem ser utilizados apenas nas áreas agrícolas. Será que todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente têm a verdadeira noção desse fato? Será que isso é realmente respeitado?

Por força de legislação, muitas dessas áreas nativas, se quer, podem ser tocadas pelo proprietário sem a devida autorização, porque nessas áreas existem animais, formações geológicas, plantas, nascentes e inúmeros aspectos que são fundamentais para garantir a condição do ecossistemas abrangidos que o proprietário não pode interferir e muito menos destruir sem autorização.  Assim, qualquer retirada de mata para a ampliação da área explorada para fins agrícolas, só acontecerá mediante à solicitação formal e à consequente autorização concedida pelo órgão estatal responsável. Mais uma vez, eu pergunto. Será que todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente têm a verdadeira noção desse fato? Será que isso é realmente respeitado?

Até a década de 1970, praticamente não havia nenhuma Legislação Ambiental Específica no mundo. Essa legislação é relativamente recente, começa a existir depois do encontro da ONU, em 1972. No Brasil, a Legislação Ambiental e mais recente ainda, porque só começa a partir da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, mas na verdade, só se manifesta efetivamente, depois da Constituição Federal de 1988, que cria diretrizes no artigo 225, induzindo a elaboração de Leis Complementares para tratar de questões ambientais específicas, as quais começam a existir somente depois de 1997 e algumas delas só fiaram prontas e estão começando a vigorar muito recentemente.

Quer dizer, além do atraso de, pelo menos, 25 anos a Legislação Ambiental Brasileira, ainda sofre com aqueles problemas culturais do país e muitas dessas leis acabam não sendo cumpridas por desconhecimento ou mesmo por má fé. Aquela história das lei que “pega” e a que “não pega”. Por exemplo, o proprietário daquela fazenda desmata onde não pode, ou joga veneno onde não deve e contamina a água do riacho que segue para a fazenda seguinte, matando os animais do outro proprietário. Isso pode acontecer por vários motivos. Enfim, imaginem, o que quiserem porque tudo é realmente possível, principalmente num país do tamanho do nosso, onde a fiscalização é muito falha ou mesmo inexistente e onde a propina e a corrupção entre os órgãos públicos e os “poderosos da economia” ocorre em larga escala.

Desta forma, aqui no Brasil e em grande parte do mundo, mormente nos países mais pobres, sempre foi muito difícil tratar as questões ambientais e principalmente relacionar essas questões com as necessidades sociais e as puramente econômicas. Quer dizer, em última análise, o problema sempre foi o seguinte: como fazer os Ambientes Naturais produzirem alguns recursos econômicos para seus proprietários? 

Assim as questões ambientais se ampliaram ao longo do tempo, mas acabaram quase sempre deixadas para segundo plano, porque, para muitos, elas não são consideradas importantes, porque não produziam ganhos monetários e consequentemente não estavam conectadas às necessidades econômicas dos países e das populações. O cuidado com o ambiente que aparentemente não interessava economicamente a quase ninguém, não podia ser entendido como coisa importante. E mais uma vez, eu me sinto na obrigação de perguntar. Será que todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente tinham ou têm a verdadeira noção desse fato?

COMEÇANDO A RESOLVER A PROBLEMÁTICA

Ainda na década de 1970, um pesquisador americano, Walter E. Westman (1977) publicou um artigo intitulado “How Much Are Nature’s Services Worth?” (“Qual o valor dos serviços da natureza?”), mas, como era de costume, ninguém deu muita atenção e nem valor aquela ideia na época. Somente 10 anos depois, foi que outro pesquisador, esse holandês, Rudolf de Groot (1987), publicou um artigo, onde sugeria que as funções ambientais naturalmente oferecidas pelos ecossistemas seriam tão ou até mais importantes para a humanidade que os serviços e benefícios delas derivados que o homem é capaz de desenvolver. Nesse contexto, os interesses econômicos e ecológicos finalmente começavam a se alinhar e assim deveriam passar a ser tratados de maneira conjunta.  

Em 1997, um trabalho desenvolvido por uma equipe de pesquisadores liderados por Robert Contanza e o próprio Rudolf de Groot, intitulado “The value of the world’s ecosystem services and natural capital” (O valor dos Serviços Ecossistêmicos e do Capital Natural do Mundo) foi publicado na Revista “Nature”. Esse artigo apresentou vários cálculos e chegou a uma avaliação final de que todo o capital em questão é da ordem aproximada da fabulosa cifra de 33 trilhões de dólares por ano. O mais assustador foi tentar entender como é que os economistas tinham deixado de lado ou mesmo desprezado esse imenso capital natural até então.

É nesse momento da história que surge a ideia efetiva e operacional dos chamados Serviços Ambientais ou Serviços Ecossistêmicos. A natureza passa a ter valor econômico não mais apenas pelo que dela se tira, mas também pelo que de fato ela é. A partir de então, relação “Humanidade X Natureza” entrou numa nova era e o valor monetário dos ambientes naturais passou a ser realmente considerado como algo interessante para a economia dos países.  Em 2001 a ONU criou o Programa “Millennium Ecosystem Assessment” (Avaliação Ecossistêmica do Milênio) e em 2005 publicou “Ecosystems and Human Well-being: General Synthesis” (Ecossistemas e Bem estar Humano: Síntese Geral), onde são apresentados números economicamente atrativos sobre os Serviços Ecossistêmicos, que assim ganharam força e cada vez mais eles passaram a ser considerados.

Logo depois do encontro da ONU, Rio +20, em 2012, a humanidade não parou mais de olhar atentamente para esse “novo” filão da economia mundial e cada vez mais têm sido desenvolvidos trabalhos sobre ao verdadeiro potencial econômico dos ambientes naturais e de toda a biodiversidade neles contida. As Unidades de Conservação deixaram de ser consideradas áreas inúteis, para se estabelecerem como grandes reservas ecológicas e grandes fontes econômicas. Países como o Brasil, que tem a maior biodiversidade planetária, passaram a ser mais respeitados nas mesas de discussões sobre economia.

Embora, aqui dentro do Brasil mesmo, quase nada tenha mudado muito significativamente, porque essa nova maneira de pensar e agir atrapalhava o interesse dos “poderosos”. Ou melhor, nos últimos 5 anos a situação começou a mudar realmente, embora ainda haja muita discussão e muita dúvida sobre a questão, que continua não sendo bem conhecida da maioria dos brasileiros. A maioria da população não consegue entender direito o que sejam os Serviços Ecossistêmicos e muitos preferem manter o status quo imperante no passado recente. Por conta disso é que resolvi escrever um pouco sobre o assunto, pois os Serviços Ecossistêmicos precisam ser mais conhecidos e precisam fazer parte do cotidiano e do linguajar comum da população brasileira. A população brasileira necessita saber o verdadeiro valor econômico de sua biodiversidade.

Bem, por tudo que foi dito, fica óbvio que a vigilância e o controle são fundamentais para a manutenção dos Ambientes Naturais. Pois então, os grandes problemas residem exatamente nesse aspecto. As nossas questões, que antes eram estritamente ecológicas e que agora também são econômicas, continuam, em certo sentido, sendo as mesmas de antes. A diferença é antes era uma grande idiotice dos ambientalistas e hoje é um grande interesse de alguns “poderosos”, que por fim mudaram de opinião, mas ainda estão pensando que o mundo é deles e que precisa continuar sendo desse jeito.

Como fazer para produzir alimentos para atender a toda população de seres humanos que não para de crescer, sem compactar o solo, sem contaminar a água, sem poluir o ar, sem matar e extinguir deliberadamente outras espécies de organismos vivos? Como fazer para que as manchas urbanas parem de crescer? Como fazer para suprir as necessidades energéticas das populações? Como fazer para não liberar mais tanto Dióxido de Carbono (CO2) na atmosfera ou para absorver esse excesso de CO2, haja vista que só as árvores e as florestas podem cumprir tão função? Como manter a Biodiversidade e os Bancos Genéticos Naturais dos diferentes Ecossistemas, que em última análise, são as fontes que garantem a possibilidade da existência dos Ambientes Artificiais e consequentemente a Vida Humana na Terra? Enfim como continuar existindo no planeta Terra sem aumentar a utilização da áreas dos Ambientes Naturais?

Todas essas são perguntas têm que ser respondidas e as respostas precisam ser dadas de maneira rápida, muito convincente e satisfatória, porque do contrário, a situação pode continuar seguindo no mesmo padrão de antes. Isto é, se desmata Ambiente Natural para criar Ambiente Artificial, ampliando áreas agrícolas de cultura ou de pastagens e ampliando os espaços urbanos. Ou, o que será bem pior, os “poderosos” da economia, que já mudaram de opinião, resolverem que agora têm que proteger tudo e assim a produção de alimento entre em decréscimo. Infelizmente, esse pessoal que só pensa em dinheiro é capaz de tudo, a vida humana para eles é um detalhe insignificante.

Nesse contexto complicado, de muita pressão antagônica e de muitos interesses particulares, os Ambientes Naturais tiveram que se mostrar economicamente viáveis para não serem totalmente destruídos e estão conseguindo demonstrar sua importância. Foi assim que surgiram os chamados Serviços Ecossistêmicos da Biodiversidade Natural. A lógica dos Serviços Ecossistêmicos é simples e se constitui do seguinte princípio; “se a o Ambiente Natural produzir lucro como Ambiente Natural ele poderá garantir a sua manutenção e novas alternativas para limitar ou mesmo excluir as pressões sobre sua área física”.  Pois então, o que parecia impossível passou a ser viável e promissor com a “descoberta” dos Serviços Ecossistêmicos. Bem, mas, afinal de contas, o que são esses tais Serviços Ecossistêmicos?

SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS

Os Serviços Ecossistêmicos são todos aqueles mecanismos potencialmente geradores de recursos econômicos imediatos que as florestas em pé podem gerar diretamente para a humanidade, como água, alimento, abrigo, turismo, lazer, reflexão, espiritualidade, ar puro, amenidade climática, redução de CO2 na atmosfera e etc. Os Serviços Ecossistêmicos visam garantir a produção de recursos econômicos sem que seja necessária a destruição total dos recursos naturais. Isto é, eles são serviços fundamentais e precisam ser sustentáveis, porque são vitais à humanidade.

Vários autores produziram definições de Serviços Ecossistêmicos, nesse texto será utilizada a definição de Daily & Farley (2004), que entendem que “os Serviços Ecossistêmicos são produtos de funções ecológicas ou processos que direta ou indiretamente contribuem para o bem-estar humano, ou têm potencial para fazê-lo no futuro, ou, como os benefícios da natureza para famílias, comunidades e economias. Eles representam os processos ecológicos e os recursos expressos em termos de bens e serviços que eles fornecem”.

Deste modo os Serviços Ecossistêmicos são benefícios diretos ou indiretos, atuais ou futuros, oriundos da natureza para a humanidade que favorecem ao bem estar e ao incremento da economia. O Programa Avaliação Ecossistêmica do Milênio, da ONU, considera três categorias de Serviços Ecossistêmicos: Provisão, Regulação, Culturais e Suporte. Ultimamente a IPBES (Plataforma Intergovernamental da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e CICES (Classificação Internacional Comum dos Serviços Ecossistêmicos) passou a considerar ao Serviços Ecossistêmicos de Suporte não mais como Serviços, mas sim como Funções Ecossistêmicas, isto é, processos ecológicos que são necessários e comuns a todos os outros serviços.

1 – Serviços Ambientais de Provisão ou de Abastecimento são aqueles que suprem de elementos básicos para a vida, incluindo alimentação, oxigênio, água potável, madeira, fibras, recursos genéticos, medicamentos, produtos decorativos e culturais.

2 – Serviços Ambientais de Regulação são aqueles que ajudam a manter a qualidade do ar, a purificar a água, a tratar resíduos e a nos proteger de perigos naturais, erosão, pragas e doenças. Por exemplo, a biodiversidade dos ecossistemas de áreas úmidas auxilia na purificação natural da água; as árvores nas cidades reduzem a poluição do ar.

3 – Serviços Ambientais Culturais são aqueles que trazem benefícios não materiais que as pessoas obtêm dos ecossistemas por meio de enriquecimento espiritual, reflexão, recreação e assim por diante. A biodiversidade moldou lendas e inspirou culturas, história e artes.

4 – Serviços de Suporte (Funções Ecossistêmicas de Suporte). São as funções que que Processos fundamentais, mas muitas vezes invisíveis, dos quais todos os outros serviços do ecossistema dependem, como a fotossíntese produzindo o oxigênio e ciclagem de nutrientes e água. Por exemplo, a produção de alimentos depende da formação do solo, que por sua vez depende das condições climáticas, bem como de processos químicos e biológicos.

Mais recentemente também o termo Serviços Ambientais, que antes era considerado como sinônimo de Serviços Ecossistêmicos, passou a ser utilizado apenas como o conjunto das atividades humanas que melhoram os Serviços Ecossistêmicos. Os Serviços Ecossistêmicos são aqueles que já vem prontos dos diferentes ecossistemas, sua aplicabilidade é direta e que não precisam da ação do homem para ser utilizados.

Metzger et al. (2019) afirmou que “no Brasil os serviços ecossistêmicos fornecidos pela vegetação nativa das reservas legais (área protegida em propriedades privadas no país) atinge cerca de R$ 500 bilhões ao mês, ou seja um valor total de R$ 6 trilhões ao ano”. Quero crer que com esses números tão significativos, seja grande a importância de que o país passe a aproveitar melhor seus Serviços Ecossistêmicos.

Entretanto, da maneira que as coisas costumam acontecer em nosso país, tenho medo que, mais uma vez, a gente se perca na burocracia e nas discussões ideológicas e acabemos não fazendo o dever de casa, até que algum ou alguns países se assumam no direito de nos dizer que é melhor para nós mesmos e resolvam como devemos proceder. Se isso acontecer, espero que, pelo menos, seja um país cuja visão, além do interesse econômico, possa realmente estar imbuída de verdadeira preocupação ambiental, porque é lamentável que ainda não tenhamos aprendido a cuidar do que é nosso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, 1981. Lei Federal 6938/31/08/1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, Brasília.

BRASIL, 1988.  Constituição da República Federativa do Brasil, SENADO FEDERAL, Secretaria de Editoração e Publicações Coordenação de Edições Técnicas, Brasília – 2016.

CONSTANZA R.R.; D’ARGE, R.; GROOT, R.S; FABER, S.; GRASSO, M.; HANNON, B.; LIMBURG, K.; NAEEM, S.; O’NEILL, R.; PARUELO, J.; RASKIN, R. G.; SUTTON, P. & VAN DER BELTT, M. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature 387, 253–260 (1997).

DAILY, H.; FARLEY, J. Ecological Economics: Principles and Applications. Island Press: Washington, 2004.

GROOT, R.S. Environmental functions as a unifying concept for ecology and economics. Environmentalist 7, 105–109 (1987).

METZGER, J.P.; BUSTAMANTE, M.M.C.; FERREIRA, J.; FERNANDES, G.W.; LIBRÁN-EMBID, F.; PILAR, V. D.; PRIST, P.R.: RODRIGUES, R.R.; VIEIRA, I.C.G.& OVERBECK, G. E.. Por que o Brasil precisa de suas Reservas Legais, Perspectives in Ecology and Conservation, 17(3):104-116, 2019.

WESTMAN, W. E. How Much Are Nature’s Services Worth? Science, 197(4307):960-964, 1977.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (64)

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