Tag: Gestão da Água

17 maio 2020
Comitês de Bacias

A Necessidade da Divulgação dos Comitês de Bacias Hidrográficas

Resumo: O Artigo aponta para a efetiva necessidade de que se consiga maior divulgação e consequentemente de maior popularização dos Comitês de Bacias Hidrográficas, como entidades responsáveis pela Gestão da Água em todo Território Nacional e também para a criação e o desenvolvimento de novos comitês nas Bacias Hidrográficas ainda carentes. É dado destaque aos Comitês das Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul.


INTRODUÇÃO

A Lei Federal 9433/1997, que instituiu as Bacias Hidrográficas como Unidades de Gerenciamento dos Recursos Hídricos e criou os Comitês de Bacias Hidrográficas, já completou 23 anos e talvez a parte mais importante que é o estabelecimento dos Comitês de Bacia, como órgãos gestores das águas, ainda não tenha conseguido alcançar a visibilidade que necessita, porque a maior parte da comunidade ainda não conhece ou não entendeu a importância desses comitês.

Os Comitês de Bacias Hidrográficas são órgãos compostos por representações dos Governos, dos Grandes Usuários de Água e pela Sociedade Civil, que têm a obrigação de fazer a gestão das águas de uma Bacia Hidrográfica. Esses órgãos foram legalmente constituídos no Estado de São Paulo por força da Lei Estadual 7663 de 30/12/1991, que estabeleceu a Política Estadual de Recursos Hídricos e em todo território nacional país a partir da Lei Federal 9433, de 08 de janeiro de 1997.

Mas, mesmo antes dessas já existiam outras experiências com Comitês da Bacia no Estado do Rio Grande do Sul. Os primeiros comitês de bacias de rios no país surgiram a partir de Decretos Estaduais no Rio Grande do Sul, em 17/03/1988 (Comitê da Bacia do Sinos), 15/02/1989 (Comitê Gravataí) e o Comitê da Bacia do Rio Santa Maria (22/12/1994), entretanto a Política Gaúcha de Recursos Hídricos só foi efetivamente estabelecida em 30 de dezembro de1994 (Lei Estadual n° 10.350). A partir de 1993, também começou a ser organizado mais um comitê, na bacia do rio Santa Maria. Esse comitê foi criado oficialmente no início do ano seguinte. Assim, os primeiros Comitês de Bacia Hidrográfica no Brasil, se estabeleceram no Rio Grande do Sul, a partir de Decretos Estaduais, porque ainda não havia nenhuma Política Nacional ou Estadual de Recursos Hídricos.

Desde aquela época, as principais funções a serem desempenhadas por um Comitê de Bacias sempre foram as seguintes:

1 – Definir, aprovar e acompanhar a elaboração do Plano de Recursos Hídricos da Bacia, que reúne informações estratégicas para a gestão das águas em cada bacia;
2 – Arbitrar conflitos pelo uso da água (em primeira instância administrativa);
3 – Estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água.

Figura 1 – Mapa Genérico das Principais Bacias hidrográficas do Brasil.

Aqui no Estado de São Paulo, o CRH – Conselho Estadual de Recursos Hídricos foi instituído em 1987, por decreto, anteriormente portanto à Constituição Estadual de 1989 e à lei 7.663 de 1991, que instituiu a Política Estadual de Recursos Hídricos. Esta última lei confirma a existência do Conselho Estadual de Recursos Hídricos como sendo o órgão colegiado principal para a gestão das águas no estado. Pouco depois, o governo estadual publica o decreto 36.787, de 18/05/1993, que define as UGRHIs (Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos) e estruturaliza as disposições previstas na lei 7.663/1991 para o Conselho Estadual e determina a criação dos Comitês das 22 bacias estabelecidas no Estado de São Paulo.

A partir de então, progressivamente começam a ser estabelecidos os Comitês. Os primeiros Comitês de Bacias Hidrográficas a serem estabelecidos foram o CBH dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, o CBH do Alto Tietê e CBH da Baixada Santista, que foram definidos por força da própria Lei Estadual 7.663/1991.  Entretanto, coube ao CBH-PCJ a primeira instalação efetiva, que só aconteceu no dia 18 de novembro de 1993, mas ainda assim, o CBH-PCJ é o primeiro Comitê de Bacia Hidrográfica do Estado de São Paulo. O nosso do CBH-Paraíba do Sul e quarto do Estado, 25/11/1994. Inicialmente foi criado como CBH-Paraíba do Sul e Serra da Mantiqueira, depois, em 26/06/2001, o CBH-Serra da Mantiqueira foi separado, passando a constituir um órgão independente.

No âmbito federal, somente em 8 de janeiro de 1997 foi promulgada a lei 9.433, praticamente com o mesmo conceito geral da lei 7.663/91 de São Paulo, porém, com algumas pequenas divergências estruturais e adaptações à abrangência em todo o território nacional. Nessa lei federal, foram instituídos os seguintes colegiados: Conselho Nacional de Recursos Hídricos, os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados, Comitês de Bacias Hidrográficas e Agências das Águas. A partir dessa lei, os Comitês de Bacia Hidrográfica passaram efetivamente ser os responsáveis pela gestão da água em todo o território Nacional. Nesses mais de 30 anos, desde o Comitê dos Rio dos Sinos, ou nesses 26 anos desde o Comitê do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, parece que ainda estamos engatinhando na gestão das águas. Embora, obviamente, existam comitês que têm prestado relevante trabalho às suas respectivas bacias e consequentemente às suas comunidades, certamente ainda há muito o que fazer.

Figura 2 – Mapa Genérico das Bacias Hidrográficas do Estado de São Paulo.

No Vale do Paraíba, somos atendidos por dois comitês, um estadual e outro federal: o estadual, Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul – CBH-PS, criado em 25 de novembro de 1994, através da Lei 9.034/94, que trata das “águas paulistas” da Bacia e o Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul – CEIVAP, criado em 22 de março de 1996, através do Decreto Federal nº 1.842 e tendo sua área de abrangência ampliada pelo Decreto Federal nº  6.591 e assim abrangendo 184 municípios, nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Hoje, existem 234 comitês de Bacias estabelecidos no País, mas esse número ainda é pouco representativo da realidade e da necessidade nacional. Faltam muitos comitês a serem estabelecidos em áreas de grande importância e principalmente falta bastante visibilidade e força política para os comitês, tanto para os já existentes, como certamente para aqueles que ainda estão por vir. Temos muitos problemas relacionados à água no país, mas onde os comitês estão implantados, progressivamente esses problemas têm sido minimizados. É claro que ainda existe muito por fazer e os comitês estão aí para tentar, dentro do possível, resolver as questões. O que não se pode é deixar de lado a gestão da água, porque, como diz o artigo I da lei 9433:

I – a água é um bem de domínio público;
II – a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III – em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais;
IV – a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas;
V – a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos;
VI – a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.

Desta maneira, destacando particularmente o item VI, os comitês passaram a ser entidades fundamentais e não é mais possível imaginar a gestão das águas sem a existência dos Comitês de Bacias Hidrográficas, bem como sem a visão descentralizada e participativa de todos os interessados. Entretanto há necessidade que os comitês tenham maior visibilidade nas comunidades para que a participação seja mais abrangente.

Por outro lado, também deve ser ressaltada a importância da água, lembrando que a água está sendo tratada diretamente num dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS 6 – Água Limpa e Saneamento). E aqui no Brasil, segundo a terceira edição do Relatório Luz produzido pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, o GT Agenda 2030, lançado em Brasília, em agosto de 2019, a situação é alarmante. O relatório afirma que em média, 83,47% da população brasileira recebem atendimento de água, mas apenas 58,04% têm coleta de esgoto e 46% têm tratamento do total de esgoto gerado. Em termos absolutos, isso significa mais de 40 milhões de pessoas sem acesso à água potável e mais de 100 milhões sem sequer coleta de esgoto. Vale ressaltar que no Brasil, a cada 100 litros de água captada e tratada, mais de 38 litros são perdidos nas tubulações no processo de distribuição.

Figura 3 – A Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, destacando sua abrangência nos três Estados (SP – RJ – MG).
Figura 4 – Mapa das Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul, destacando as Sub-Bacias Existentes.

Agora sim, diante desse contexto e depois de toda essa apresentação teórica sobre a importância da Lei 9433/97 e sobre os Comitês de Bacias, quero deixar claro que a pretensão desse artigo é exatamente a de trabalhar sobre a questão da visibilidade dos comitês, a fim de tornar a necessária tarefa de gestão da água mais significativa e real para a comunidade, mais democrática e sobretudo, mais participativa para todos os envolvidos na Bacia Hidrográfica. O Brasil é detentor da maior quantidade de água em estado líquido do planeta e a população brasileira precisa estar envolvida no cuidado e na gestão dessa riqueza natural do país.

O REALIDADE SOBRE OS COMITÊS

Poderíamos começar por aqui: quantos dos senhores leitores sabiam o que era um Comitê de Bacias antes de lerem esse texto? Quantos dos senhores leitores, mesmo sabendo da existência dos Comitês, sabiam para que serviam essas entidades? Quando os senhores leitores já leram artigos de jornais ou informações no Rádio ou na TV, destacando a ação dos Comitês de Bacias? Quantos dos senhores leitores não acreditavam (acreditam) que os Comitês de Bacias são Órgãos Públicos, dos quais os Prefeitos dos Municípios tiram dinheiro para fazer o que querem?  Aliás, quantos dos senhores leitores, que, por acaso, estejam ocupando a função de prefeito de seus municípios sabem realmente o que são os Comitês de Bacias?

Por outro lado, alguns dos leitores devem estar pensando: será que eu posso participar de um Comitê de Bacias?  Como deve fazer para participar de um Comitê? Pois então, a resposta para a primeira pergunta é sim. Qualquer entidade existente na Bacia e devidamente registrada, isto é, possuidora de um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) pode concorrer a uma vaga no comitê e conseguindo a vaga a entidade indica o seu representante no plenário do Comitê. Assim, se você trabalha numa instituição, é membro de uma entidade, ou é um funcionário de uma empresa e quer participar do Comitê, peça ao responsável legal por sua instituição que a cadastre no comitê e que concorra a uma vaga nas eleições dos membros.

Por outro lado, é interessante dizer também que todas as reuniões relacionadas aos Comitês são abertas ao público e, deste modo, qualquer pessoa pode assistir e participar, ainda que não tenha direito a voto se não for um membro efetivo eleito. Se você quer saber mais sobre os Comitês, venha participar de uma Reunião Plenária ou mesmo de uma reunião de Câmara Técnica, para entender melhor como o Comitê funciona. Se você acha que tem uma ideia boa para a gestão da água, leve esta ideia numa reunião do Comitê, quem sabe ela seja considerada interessante e possa até ser assumida para a gestão das águas de nossa bacia.

Enfim, eu gostaria de parar por aqui, porém perguntas não faltam sobre o que sejam e para que servem os Comitês de Bacias. Eu também quero deixar claro que existem inúmeros artigos que trazem exatamente tudo que estou dizendo nesse artigo. Isto é, aqui não tem nenhuma novidade, além do meio de divulgação em que estou apresentando o artigo. Ora, se os comitês funcionam há 30 anos, se existe informação disponível em quantidade sobre eles, se existem 234 desses comitês funcionando bem ou mal no país, então, eu tenho que fazer mais umas perguntas: por que quase ninguém sabe nada sobre os Comitês de Bacias? A resposta a essa última pergunta pode ter, ao menos, três respostas:

1 – É porque certamente os Comitês de Bacias constituem um assunto que não interessa ao cidadão comum, haja vista que água não interessa a ninguém!
2 – É porque deve ser melhor que ninguém fique sabendo sobre os Comitês de Bacias, porque assim todos continuarão achando que água é um bem que cai do céu e que Deus sabe o que faz e assim não tem sentido existir um Comitê da Bacia.
3 – É porque que ninguém acredita nos Comitês de Bacias.

Vejam bem senhores leitores, cada vez mais dúvidas, mais absurdos e certamente mais perguntas surgem, sobre um assunto que existe na administração pública há 30 anos e que a maioria da comunidade nunca ouviu falar nada sobre ele. Mas, a verdade é que existe uma quarta resposta: QUASE NINGUÉM SABE O QUE UM COMITÊ DE BACIA e TAMPOUCO SABE A SUA IMPORTÂNCIA

Pois então, a realidade sobre os Comitês de Bacias Hidrográficas é que ninguém conhece e ninguém parece querer conhecer os comitês, porque a maioria das pessoas têm ideias erradas sobre esse tipo de entidade e aparentemente estão satisfeitas com a visão que possuem. Ao que parece os comitês são apenas mais uns órgãos políticos que tão aí para aumentar a burocracia e não resolver nada. Entretanto, os comitês foram instituídos legalmente e estão sendo exatamente para fazer o contrário, isto é, para realizar a gestão da água com a participação da comunidade, tratando o recurso da melhor maneira possível.

A NECESSIDADE DE POPULARIZAR OS COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA

A verdade é que os comitês são órgãos que envolvem muitas pessoas e importantes setores das comunidades, mas que são quase totalmente invisíveis para a maioria dessas comunidades e mesmo para muitas prefeituras.  Eu tentarei, na minha modesta ótica, talvez bastante caolha, tentar explicar os porquês dos Comitês sendo entidades extremamente importantes, não passarem de ilustres desconhecidos das comunidades que, direta ou indiretamente, vivem à mercê de suas ações. Para isso discutirei a seguir alguns itens, que considero relevantes para a divulgação e a popularização dos Comitês de Bacias.

1 – Poucas pessoas, nesse país de muita gente sem emprego e de muita gente com emprego, mas com salários baixos e indecentes, acredita que alguém ainda preste qualquer trabalho sem ganhar qualquer salário, ou seja, totalmente de graça. Pois então, TODO o trabalho desenvolvido por qualquer membro de um Comitê de Bacia Hidrográfica é voluntário e gratuito, porque o Comitê não tem dinheiro para gastar fora do interesse do seu próprio interesse, que é a água. Assim, tem mais uma pergunta que precisa ser feita: quantos dos senhores leitores gostariam de participar e estariam dispostos a trabalhar graciosamente nos Comitês de Bacia Hidrográfica?

2 – Dentro dos Comitês, NINGUÉM tem o poder de gastar dinheiro, tudo tem que ser previsto em lei, já existente, e ainda tem que ser aprovado pelo colegiado do próprio Comitê, que se constitui de representantes dos Governos, de representantes dos grandes Usuários de Água e da Sociedade Civil. A Diretoria apenas representa e administra, mas quem decide tudo é o plenário do Comitê. Quer dizer, os Comitês são órgãos realmente DEMOCRÁTICOS. Aqui no Estado de São Paulo, todos os Comitês são efetivamente tripartites e igualitários, com 1/3 de representantes para cada segmento, que são os órgãos do Governo Estadual, os Governos Municipais e as entidades da Sociedade Civil existentes na área geográfica abrangida pela Bacia Hidrográfica.

3 – Como o pensamento da maioria daquele pequeno grupo de indivíduos que até sabe da existência dos comitês, é de que os comitês sejam órgãos de partidários de negociatas políticas. Assim, como a classe política brasileira não é bem vista, os comitês acabam sendo considerados como antros de falcatruas e maracutaias dos políticos corruptos. Na verdade, o número de políticos investidos de mandato nos comitês, por maior que possa ser, é sempre muito pequeno e certamente não garante nenhum tipo de falcatrua. Aliás, dentro dos comitês é impossível haver falcatruas, porque, como já foi dito, quem decide tudo é o plenário tripartite.

4 – Em alguns Comitês, como já acontece aqui na Bacia do Paraíba do Sul, o CEIVAP, em setembro de 2004, constituiu uma Agência de Bacias Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – AGEVAP), com funcionários públicos concursados, que ficou responsável por ser o órgão operacional e efetuar as determinações do plenário do comitê. Quer dizer, as normas (deliberações) são aprovadas pelo plenário, assinadas pela diretoria, mas realizadas pela agência que NÃO PARTICIPA diretamente do Comitê, porque é uma funcionária (agente operador), que apenas cumpre o que o Comitê determina.

5 – O dinheiro oriundo da Cobrança Federal pelo uso das águas, que se iniciou aqui na Bacia do Paraíba do Sul em março de 2003, é recolhido pela Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (AGEVAP) e seu uso é determinado pelas ações definidas pelo plenário do Comitê. Que fique claro, NINGUÉM, principalmente, NENHUM POLÍTICO, tem acesso ao dinheiro do Comitê. Apenas e tão somente a AGEVAP cuida dos recursos financeiros do Comitê. A tendência é que em breve todos os Comitês, passem a atuar com as suas respectivas agências de bacias.

6 – Em suma, para se saber mais sobre os Comitês de Bacias Hidrográficas e sobre a gestão das águas, talvez não adiante muito a realização de trabalhos, de textos ou mesmo de artigos  como esse aqui, porque infelizmente a maioria das pessoas não se informam dessa maneira.  Nem os textos já escritos e muito menos esse aqui vão fazer o milagre de levar as pessoas aos comitês e à participação efetiva. O que precisa ser feito é colocar os comitês massivamente na mídia televisiva, radifônica, impressa e hoje, principalmente nas varias possibilidades oriundas da INTERNET.

7 – Por fim, eu acredito que nada seja mais popular do que a água e também é certo que quase todo mundo já saiba que a qualidade da água está cada vez pior. Entretanto a maioria das pessoas continua vivendo suas vidas como se a água fosse um recurso inesgotável e mesmo como algo divino que Deus manda do céu para nós. Ora se as pessoas, ainda não sabem dar a devida importância a água, que elas necessitam, porque então dariam importância aos Comitês, que elas nem sabem para que serve? É preciso mudar esse quadro e tornar a água e os Comitês mais vizíveis às comunidades.

O QUE FAZER PARA TENTAR MUDAR ESTA SITUAÇÃO?

Pelo exposto fica claro que é fundamental que se mantenha os comitês diuturnamente na mídia, com todo tipo de campanha possível. A informação sobre os comitês tem que começar nas escolas e continuar nas igrejas, clubes e quaisquer grupos sociais, porque todo mundo depende de água e todos os segmentos sociais podem e devem de alguma maneira participar da gestão da água. Os indivíduos devem ter noção de pertencimento da água e dos comitês, porque somente assim eles procurarão entender e fazer parte dos órgãos que tentam cuidar e garantir a água na região. O entendimento de Bacia Hidrográfica e de gestão, são menos importantes do que a referência direta das pessoas com a necessidade da água na região.

Se o indivíduo, se envolve, ele acaba por descobrir o que prioritário, o que faz mais sentido e o que precisa ser realizado no interesse comunitário. Mas, o indivíduo só vai se envolver no exato instante em que ele for encantado e comovido de alguma forma e a mídia é a melhor maneira para comover, massificar e encantar. A mesma mídia, em todos os seus diferentes setores, que tem sido usada principalmente para enganar as pessoas, pode e deverá demonstrar sua importância social e trabalhará para apresentar as necessidades reais, ao menos no que se refere a água.

Assim, seria criado pelo governo federal, por exemplo, o “imposto da propaganda pró-água (IPPA)” e a mídia deveria obrigatoriamente promover os comitês e falar da água e dos cuidados com seu uso, da mesma maneira que promove a sua programação. Para cada minuto de propaganda recebida, deverá haver um retorno, em porcentagem de tempo, em contrapartida para propaganda sobre a água Entretanto, como a mídia tem interesses econômicos, ela não fará nada de graça e na verdade, quem estará pagando serão os patrocinadores e não a mídia. E bom lembrar que haverá necessidade de propaganda massiva e que todos nós, inclusive a mídia e os seus patrocinadores, dependemos da água, então promover a água é interesse primário e obrigação moral de todos os indivíduos humanos.

Por fim, quero dizer que fazer divulgação sobre a existência e a importância dos Comitês de Bacia é tarefa de todos nós. Quero dizer ainda que esse meu plano de criar um “imposto da propaganda pró-agua” possa ser uma loucura, certamente é uma ideia possível, viável e que talvez seja a única maneira a curto ou médio prazo de conseguirmos popularizar os Comitês de Bacia e a Gestão dos Recursos Hídricos no país. Quem sabe assim, chegaremos efetivamente no futuro com água de qualidade e em quantidade para todos, particularmente nós, aqui na Bacia do Paraíba do Sul, que contamos com uma bacia relativamente pequena para as nossas necessidades hídricas que são cada vez maiores.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

BRASIL, 1997. Lei Federal 9433 de 08 de janeiro de 1997, Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, Brasília.

CAMPOS, V.N.O. & FRACALANZA, A.P., 2010. Governança das Águas no Brasil: Conflitos pela Apropriação da Água e a Busca da Integração como Consenso. Ambiente & Sociedade, Campinas, 13(2) p. 365-382.

GRUPO DE TRABALHO DA SOCIEDADE CIVIL PARA A AGENDA 2030 (GT Agenda 2030), 2019. Relatório Luz da Sociedade Civil mostra Brasil distante do desenvolvimento sustentável, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/08/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/08/26/relatorio-luz-da-sociedade-civil-mostra-brasil-distante-do-desenvolvimento-sustentavel/.

PORTO, M.F.A. & PORTO, R. L., 2008. Gestão de Bacias Hidrográficas, Estud.av., São Paulo, 22(63).

SÃO PAULO, 1991. Lei Estadual 7663 de 30 de dezembro de 1991, institui a Política Estadual de Recursos Hídricos, São Paulo.

¹Membro Titular do Comitê das Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul (CBH-PS), representando o Segmento da Sociedade Civil – Clubes de Serviços (Rotary Club São José dos Campos – Urupema).

²Artigo já publicado no Portal EcoDebate (http://www.ecodebate.com.br,  Edição 3.328, 22/11/2019).

Luiz Eduardo Corrêa Lima
Membro Titular do Comitê das Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul (CBH-PS), representando o Segmento da Sociedade Civil – Clubes de Serviços (Rotary Club São José dos Campos – Urupema).

19 nov 2014

Apesar da chuva, nós continuamos sem água

Resumo: Nossa abordagem dessa vez está relacionada ao grave problema que temos encontrado nesses últimos meses com relação à crise instalada por conta da carência de água. O atual desaparecimento da água no Sudeste, em especial no Estado de São Paulo tem causa conhecida, que é o desmatamento na Amazônia e assim, não é culpa particular de ninguém, ao contrário ele é o resultado coletivo do desleixo histórico com o meio ambiente e da pouca importância que nossa cultura deu a água, por conta de existir grande quantidade desse líquido precioso em nosso país. Assim, estamos vivendo uma situação difícil e estamos dependentes de fato de mais chuvas, até porque nada fizemos para o momento em que ela efetivamente faltasse, como está acontecendo atualmente.


 Apesar da chuva, nós continuamos sem água

As chuvas voltaram, mas lamentavelmente a água ainda não. Essa frase que parece ser um tremendo contrassenso, infelizmente é uma grande verdade. O pior é que, ao que está parecendo, tão cedo a água voltará, apesar das chuvas estarem aí, inclusive já virem castigando bem algumas áreas do estado, em particular alguns bairros da capital. Ora, se temos chuvas e continuamos não tendo água é porque alguma coisa está muito errado. Pois então, eu quero dizer que esse erro é histórico. A questão da água na grande São Paulo é um problema de mais de 100 anos e não é culpa desse ou dos últimos governos isoladamente, embora possa ser de todos eles coletivamente. Isto é, cada um tem a sua parte de culpa no processo. Mas, com certeza, os governos não são os únicos culpados.

Na verdade a coisa vem se perpetuando ao longo da história faz muito tempo, porque de fato, por uma questão cultural, nós brasileiros nunca demos a devida importância ao recurso natural água. Em nossa cultura, fomos ensinados e aprendemos que “a água cai do céu e vem de Deus” e também sabemos que Deus jamais pensaria em nos deixar sem esse líquido precioso. Por outro lado, além disso, aprendemos em Geografia, que o Brasil é o país do planeta que mais possui água em estado líquido e assim água nunca seria um problema nesse país, pois para acabar a água no Brasil, já teria que ter acabado no resto do mundo. Mas, a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/97), que está em vigor desde 1997, diz que “a água é um bem de domínio público e um recurso natural dotado de valor econômico” e portanto, nós precisamos reavaliar os nossos conceitos em relação a esse recurso natural tão precioso.

Exageros à parte, quando se fala de acabar a água, na verdade estamos cometendo um erro extremamente absurdo, porque a água existente no planeta jamais vai acabar. Ou melhor, quando a água acabasse, se isso efetivamente fosse possível de acontecer, certamente toda a vida no planeta já teria se extinguido e nós humanos seríamos, muito provavelmente, os primeiros a desaparecer da Terra se acontecer mais uma extinção em massa, porque somos possivelmente a espécie planetária mais dependente de todas. É bom lembrar que só existe vida na Terra, porque existe água no planeta, isto é a vida no planeta é dependência e consequência da água.

Entretanto, certamente ainda estamos muito longe do fim da Terra, ao menos por conta da carência de água, pois a água, embora em sua grande maioria salgada (97,2%), continua abundante no planeta. O que tem acontecido é que nós, os seres humanos, temos feito, ao longo da história, é simplesmente modificado, para pior, a qualidade natural da água e também temos mudado os cursos da água na natureza. Embora eu tenho certeza que está muito longe o fim da Terra, não tenho tanta certeza que esteja tão longe assim o fim da espécie humana, mas essa é uma outra questão que não vou discutir no momento.

Aqui cabe esclarecer que a expressão mudar os cursos da água na natureza, utilizada anteriormente, não se refere especificamente às mudanças feitas nos curso dos rios (embora isso também interfira na questão), mas sim, na mudança efetiva do ciclo natural da água como um todo, porque temos produzido significativas modificações nesse mecanismo e assim temos mudado geograficamente a ocorrência e consequente distribuição da água na Terra. Esses dois aspectos, a transformação físico-química da água e a sua mudança de rota na natureza são os fatores quem têm nos trazido muita dor de cabaça e atual carência de água em algumas regiões.

Ainda que talvez não fosse necessário, porque acredito que todos nós saibamos desse fato, mas devo dizer, até para reforçar, que a quantidade de “água doce” é apenas 2,8% de toda a água existente no Planeta e que apenas uma parte ínfima desses 2,8%, inferior a 1% desse total, podem ser utilizados pelos humanos como fonte de água potável. Vejam bem, agora chegamos ao problema verdadeiro, o que está acabando não é a água, o que está acabando é a água que interessa ao humano, porque essa tem ficado cada vez mais rara e mais difícil, em função das próprias atividades desenvolvidas pela humanidade, que geram mudanças físicas e químicas na qualidade (poluição) e mudanças físicas (falta de chuvas) no ciclo da água em algumas regiões.

Aqui na grande São Paulo, como de resto em todo grande centro populacional humano, essas modificações são mais acentuadas e assim os efeitos também são mais facilmente sentidos, principalmente porque aparentemente antes nunca havíamos tido problemas relacionados com a escassez de água. Obviamente, em regiões onde a quantidade de água já era historicamente baixa, a sua carência certamente foi menos sentida do que em regiões onde ela era abundante. Por exemplo, não é novidade faltar água na região do polígono das secas no Nordeste Brasileiro, mas é novidade faltar água na Serra da Mantiqueira, cujo nome significa “Mãe das Águas”, em consequência de tanta água que lá existia.

Pois então, estamos exatamente nessa situação, nesse momento novo, o momento de faltar água, onde nem se podia imaginar que isso fosse possível, porque simplesmente não tem chovido o necessário para manter a água naquele local. Mesmo com as chuvas, a retirada ainda está sendo maior do que a entrada. Mas, afinal, o que aconteceu? Será que São Pedro brigou com São Paulo? Ou será que Deus se esqueceu do Brasil?

Infelizmente eu devo dizer que não ocorreu nada de anormal e que nem São Pedro e muito menos Deus, nenhum dos dois certamente não têm nada a ver com isso. Na verdade o único culpado é o ser humano que habita a região da grande São Paulo, que acabou com quase todas as florestas, modificou curso dos rios e canalizou alguns deles, impermeabilizou o solo, contaminou os lençóis freáticos, fechou olhos d` água e nascentes, aumentou a temperatura do ar e a evaporação, jogou porcarias das mais diversas na água e que NUNCA se preocupou com isso. Dessa maneira a água foi “desaparecendo” progressivamente, até que sumiu. Um belo dia ela “saiu para comprar cigarros e não voltou”, como diz a lenda.

Esse desaparecimento vem acontecendo faz muito tempo, mas a grande São Paulo, a capital do maior e mais desenvolvido estado brasileiro, não pode parar de “crescer” (inchar) e assim “nunca se teve oportunidade” de trabalhar essa questão. Historicamente, o que se fez foi o seguinte: toda vez que parecia que ia acontecer algum problema relacionado com a carência de água, os administradores públicos mandavam buscar água em outra localidade, cada vez mais longe. Assim foram surgindo os diferentes mananciais de São Paulo. Entretanto, nunca se procurou saber e muito menos controlar as verdadeiras causas da carência de água que acontecia.

Hoje estamos numa encruzilhada do tempo e numa sinuca de bico da história, pois não dá mais para buscar água mais longe, porque vai custar muito caro trazer essa água (trazer água do Rio Ribeira de Iguape) ou porque a água já está comprometida com outras localidades (água do Rio Paraíba do Sul que vai para o Rio de Janeiro). Além disso, todas as medidas emergenciais até aqui anunciadas são paliativas e certamente não irão resolver o problema. Então, como fazer?

Só existe uma saída e esta saída remonta em voltar na História e fazer o dever de casa que não foi feito lá atrás. É preciso estudar um mecanismo que garanta a água para todos e esse mecanismo talvez passe por ter que fazer São Paulo parar de “inchar”, a exemplo do que acontece em Londres, que vem diminuindo a sua área. Além disso, obviamente, deve ser controlado o eterno desperdício de água que ocorre naquela área, onde se joga fora 34% de toda água já tratada, por conta de “gatos” (ligações clandestinas), vazamentos e os inúmeros usos indevidos. Por fim, também é fundamental que se promova o uso da água dentro de condições compatíveis com a realidade local, que hoje é de uma região carente de água e que não pode mais achar que água vem do céu e que Deus vai resolver tudo. Usar racionalmente talvez seja a única alternativa viável ao racionamento da água.

Estamos em São Paulo, aqui temos a maior população do país, a maior universidade do país, a maior agência ambiental do país (uma das maiores do mundo), o maior centro de pesquisas meteorológicas do país (um dos maiores do mundo) e não podemos mais achar que Deus ou São Pedro vão resolver os nossos problemas físicos, químicos e muito menos a ocupação dos nossos espaços urbanos. Não é possível morar tanta gente numa área de manancial como ocorre no entorno da Represa de Guarapiranga, por exemplo. Não é possível achar que buscando água mais além vai se resolver o problema. Temos que usar a ciência e principalmente a consciência para resolver a questão.

Não dá mais, independentemente dos governos, acharem que medidas paliativas vão resolver os problemas, porque a gente sabe que na verdade só estaremos adiando a morte e produzindo problemas maiores para o futuro. No que tange a água, estamos fazendo coisas erradas há mais de 100 anos e possivelmente no início não conhecíamos os nossos erros, mas hoje nós sabemos o que está errado e não podemos de maneira nenhuma continuar errando mais. É preciso ter coragem para dar um basta nessas coisas absurdas que estão aí e começar a mudar o quadro para que São Paulo possa subsistir no futuro com as próprias pernas.

A propósito Deus e São Pedro já estão fazendo a parte deles, porque já está chovendo novamente, mas agora é preciso que nós façamos a nossa parte. Comecemos encarando o problema de frente e aceitando que precisamos mudar a nossa maneira de tratar o recurso natural água e já estaremos fazendo alguma coisa mais útil do que se viu até agora. Vamos parar com esse nosso comportamento histórico semelhante aos bombeiros, isto é, nós até aqui só agimos apagando incêndios, mas agora a realidade terá que ser outra, até porque sem água não seremos capazes de apagar mais nenhum incêndio.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

]]>