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03 maio 2015

Considerações sobre a Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba

Resumo: Nesta semana estou trazendo um texto novo sobre uma questão relativamente antiga, que é a Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba. Aproveitei um texto antigo (2008) e atualizei para esta publicação e acredito que tenha ficado bom. O texto trata da questão de maneira crítica e destaca os aspectos negativos e positivos do crescimento desse cultivo na região. São feitos questionamentos sobre a grande quantidade de área plantada para fins estritamente comerciais e sobre a falta de pesquisa de outras plantas nativas que possam substituir, ao menos em parte, as funções do eucalipto.


 

Considerações sobre a Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba*

Já faz alguns anos, 30 pelo menos, que a região do Vale do Paraíba vem sendo “invadida” pelas “florestas plantadas de eucaliptos”. No início eram várias as empresas que atuavam na área, mas hoje toda a exploração é praticamente controlada por uma única empresa. Embora o número de empresas que atuam no setor tenha diminuído, o problema em si tem aumentado muito e agora atingiu proporções sem precedentes, haja vista que hoje existem mais de 350 fazendas na região com plantações significativas de eucaliptos. Alguns municípios da região têm mais áreas plantadas com eucalipto do que com qualquer outro uso ocupacional, em certos casos com área de plantio superior a 10% do total do município, o que caracteriza uma monocultura bastante abrangente. Houve municípios que já propuseram legislações específicas para definir áreas para o cultivo do eucalipto em suas terras e alguns até proibiram o plantio da cultura, mas a maioria ainda trata a questão superficialmente.

Quero deixar aqui claramente exposto que, embora eu tenha uma opinião pessoal sobre a questão, não vou defender uma posição contrária ou a favor do plantio de eucalipto no mundo, vou apenas tentar discutir a questão dessa monocultura no Vale do Paraíba, do ponto de vista histórico, social e ambiental. Obviamente toda história tem, pelo menos, dois lados e eu não vou fazer sensacionalismo e nem provocar uma “guerra fria” sobre o assunto, vou apenas e tão somente me ater aos fatos e ao conhecimento que se tem do assunto, tentando discutir esses aspectos e a partir deles deixar o leitor analisar e concluir sobre a problemática.

O eucalipto foi introduzido no Brasil na década de 1930. Isso quer dizer que os bisavôs da maioria das pessoas hoje vivas, nunca viram, se quer, um pé de eucalipto, pelo menos aqui no Brasil. Desde então se passou a plantar eucalipto, inicialmente apenas para a produção de carvão vegetal, depois como essência madeireira e mais recentemente se descobriu também sua aplicabilidade como matéria prima na produção de papel, além de sempre ter sido também empregado como terapêutico na área da saúde e como madeiramento estrutural na área da construção civil. Quer dizer, o eucalipto é realmente uma árvore importante e que historicamente sempre se apresentou com várias utilidades comerciais e consequentemente possui grande valor social e econômico.

Na época em que o eucalipto aqui chegou, nós ainda não tínhamos nenhum conhecimento acerca do que representava, do ponto de vista ambiental, a introdução de organismos exóticos e nem imaginávamos que o eucalipto fosse uma essência tão fortemente competitiva e que, além de tudo, exigia muita água do ambiente onde vivia. Aliás, naquela época, mesmo que soubéssemos de algumas dessas coisas, certamente elas ainda não eram considerados problemas ambientais e assim essas não eram questões importantes. Nós apenas sabíamos que o eucalipto produzia uma madeira reta, bastante uniforme e de boa qualidade para ser usada como lenha, ou na carpintaria e na marcenaria.

Hoje nós temos muitas informações sobre as questões ambientais e também sobre o eucalipto, inclusive sobre a sua capacidade de impedir que outras plantas se instalem e se desenvolvam nos locais onde ele se encontra, devido a sua capacidade competitiva. Sua exigência acentuada de água, principalmente nos primeiros anos de vida, que faz com que suas raízes pivotantes procurem água cada vez mais fundo, secando, ao longo do tempo, o ambiente à sua volta.

Ora, o Vale do Paraíba, como o próprio nome diz é um vale banhado pelas águas do Rio Paraíba do Sul e seus afluentes e constitui-se numa região primitivamente plana e alagadiça, margeada por duas cadeias de montanhas, onde nasce e de onde correm as águas. A vinda e o plantio acentuado do eucalipto mudaram um pouco essa condição, pois as áreas alagadiças foram progressivamente desaparecendo, até porque uma planta como o eucalipto não se desenvolve muito bem num terreno alagado.

Entretanto, a condição hídrica do Vale do Paraíba e consequentemente o seu solo há muito tempo não são as mesmas do início (estado primitivo), por conta de sucessivos usos indevidos. Primeiro foram os cafezais, depois foi o pisoteio pelo gado leiteiro e o plantio da braquiária como forrageira para alimentar esse gado. O solo se exauriu e em muitas áreas da região chegou a estagnação quase que total, caminhando paulatinamente para a desertificação e inviabilizando qualquer tipo de uso, além do industrial ou do imobiliário, haja vista que a recuperação desse solo, embora possível, é extremamente vultosa do ponto de vista econômico.

A História do Vale do Paraíba nos mostra que sempre tratamos do solo e da água outrora bastante abundante na região de maneira errada. Destruímos toda a floresta primitiva da calha do vale e se também não destruímos totalmente as florestas de encosta das Serras do Mar e da Mantiqueira foi por causa do difícil acesso a algumas áreas, principalmente do lado Leste, onde fica a Serra do Mar, que embora mais baixa, apresenta um relevo mais complicado ao acesso humano. Não podemos mais nos dar ao luxo de degradar o que ainda resta.

Pouco sobrou do estado primitivo e esse pouco se encontra exatamente nas encostas das serras, pois no vale propriamente dito, praticamente toda a vegetação primitiva desapareceu. Por outro lado, mesmo os processos sucessórios naturais que se desenvolveram ao longo do tempo nas áreas abandonadas, levaram a formação de uma vegetação muito diferente daquela que anteriormente existiu na região. Em outro trabalho que publiquei (LIMA, 1989), chamei essa vegetação estranha de “cerrado valeparaibano” e de lá para cá esse termo tem sido repetido por vários autores.

Obviamente o eucalipto não tem culpa nenhuma desses fatos, porque as fazendas com o solo exaurido e a carência de água já estavam ocorrendo na região por conta do uso indevido histórico, muito antes da chegada do eucalipto. Mas, de qualquer forma, implantar a monocultura de eucalipto numa região com as características que o Vale do Paraíba apresenta hoje é o mesmo que “tentar apagar um incêndio colocando gasolina”, ou seja, isso só aumenta o problema e o risco de desertificação.

É claro que as empresas que exploram o eucalipto têm recuperado muitas áreas e isso seria muito bom se não fosse plantado o próprio eucalipto nessas áreas ou se fosse deixada alguma coisa sobre o solo posteriormente. Quando acaba o ciclo proposto, em torno de 21 anos, se o local onde se plantou o eucalipto for novamente recuperado e plantado tudo bem. Entretanto, não é isso que acontece e depois da última retirada da madeira, dificilmente nascerá qualquer coisa naquela área, pois o solo volta a ficar totalmente incapaz de manter qualquer cultura. Assim, o processo de desertificação desencadeia-se na área.

No início da década de 1990 tive a oportunidade de escrever um pequeno artigo (LIMA, 1992), onde chamei a atenção para a desertificação na região e sugeri algumas coisas a serem feitas para minimizar o problema. De lá para cá, nada mudou. Ou melhor, quase 25 anos depois, mudou sim, certamente a situação está muito pior do que antes, porque existem muito mais áreas abandonadas e nada foi feito em relação à questão.

Nosso país é primeiro do mundo em biodiversidade natural, com cerca de 20% das espécies vivas da Terra. Nada se compara ao Brasil no que diz respeito as diferentes formas de organismos vivos do planeta. Mas, aí fica a pergunta: será que nós não podemos encontrar uma essência nativa menos exigente que o eucalipto para suprir e quem sabe até superar os múltiplos usos do eucalipto para o bem do Brasil, da manutenção das florestas nativas brasileiras e quem sabe até da humanidade? Eu creio que a resposta para essa pergunta esteja na proporção direta do investimento em pesquisa que for feito para descobrir tal possibilidade. Entretanto, como não se investe nesse tipo de questão, dificilmente encontraremos a resposta. Infelizmente, sempre é mais fácil fazer o que já se sabe, importando tecnologia e pagando “royalties”, do que se tentar criar algo novo e diferente.

No que diz respeito ao nosso Vale do Paraíba acho que transcendemos o limite do possível e temos que começar a frear a monocultura de eucalipto na região, principalmente por conta da fragilidade ambiental em consequência dos erros históricos de ocupação e uso que o vale sofreu. No passado não tínhamos conhecimento e não sabíamos que fazíamos errado, nós apenas errávamos, achando que estávamos fazendo direito. Mas hoje, nós temos muitas informações e todos os motivos para não errarmos mais. Hoje, nós estamos cientes de que o interesse estritamente econômico de alguns pode nos levar a inviabilidade ambiental, social e econômica de toda a região.

Já destruímos e degradamos tanto que hoje nós sabemos que as florestas plantadas e monoculturas são maléficas ao meio ambiente e por isso mesmo só devem existir em áreas já degradadas. O Vale do Paraíba, como tantas outras áreas desse país, possui inúmeras áreas degradadas que podem e devem abrigar florestas plantadas. Entretanto, é fundamental que compatibilize a cultura que se quer plantar com as condições biogeoquímicas e climáticas da região. O eucalipto por vários aspectos não se presta à toda região do Vale do Paraíba, assim como outras culturas também não se prestam a todas as outras regiões. É preciso ter parcimônia e tratar a questão com todo o cuidado e atenção que ela merece.

Infelizmente, da maneira como tem sido desenvolvido o processo de cultivo, apenas os empresários e os comerciantes do produto conseguem ganhar com o plantio do eucalipto. Mesmo a geração de empregos no setor é muito pequena e o nível desses empregos é baixíssimo. Além disso, alguns municípios se quer ganham alguma coisa com o plantio em seus territórios, pois as sedes das empresas e distribuidoras das toras de madeira estão localizadas em outros municípios e todo o imposto acaba indo para esses outros municípios.

O que está faltando nesse país ou pelo menos aqui na região do Vale do Paraíba, é um projeto que viabilize novas tecnologias a partir da exploração de espécies nativas que possam ser economicamente tão viáveis quanto o eucalipto. Ao invés de ficarmos imitando o resto do mundo nas coisas erradas, por que não procuramos desenvolver tecnologias novas com coisas nossas? Não é possível que não se encontre uma planta na flora brasileira que não possa fazer tudo ou mesmo parte do que o eucalipto faz, sem causar os problemas que ele causa. Certamente essa planta existe, o que precisamos é trabalhar no sentido de procurá-la e encontrá-la e colocar seus benefícios aos interesses do Brasil e da população brasileira.

Há um ditado que diz que muitas vezes “o barato sai caro”. Plantar eucalipto pode ser aparentemente mais barato, entretanto, ao longo do tempo o preço a ser pago possivelmente não compensará a economia obtida no início. Quem continuar duvidando que pague para ver. Mas eu, humildemente, recomendo que se reavalie essa forte tendência de achar que o eucalipto é a solução de muitos dos problemas econômicos humanos da região. O eucalipto é uma planta importante, mas precisamos ter os pés no chão quanto à sua exploração intensiva.

No Brasil, em geral e no Vale do Paraíba, particularmente, o eucalipto, ainda que seja uma cultura importante, tem trazido mais problemas do que soluções para as populações locais onde ele é plantado em larga escala, exatamente porque não se estabelecem critérios para o plantio. Assim, como o interesse é estritamente comercial, planta-se a muda e corta-se o eucalipto ainda jovem, sem que haja tempo suficiente para que as plantas comecem a devolver aquilo que tiraram intensamente, porque não atingiram ainda seu estágio adulto, onde as trocas metabólicas passam a se equilibrar com o ambiente. Na verdade, a cultura intensiva está sempre tratando com o eucalipto jovem e talvez por isso o desastre seja efetivamente muito grande.

O problema mais agravante não está apenas na monocultura do eucalipto, mas sim na sua exploração intensiva, ocupando imensas áreas, sem controle e sem garantias de manutenção do solo e das águas dessas áreas para outros usos posteriormente. Na verdade a questão que se coloca é da sustentabilidade do plantio do eucalipto, ou seja, da condição ambiental, social e econômica desse plantio ao longo do tempo, para garantir os direitos das populações que ainda virão ocupar a região e que também deverão ter todo o direito de usá-la. Assim, creio que nós precisamos apenas estabelecer critérios mais sustentáveis sobre o plantio de eucalipto no Vale do Paraíba.

De qualquer forma, entre o nada e o eucalipto, que se plante o eucalipto, pois qualquer coisa é sempre melhor do que nada, mas é preciso que não se corte a floresta tão vorazmente. É preciso que se deixe a floresta seguir o seu curso em algumas regiões. Isto é, onde não há mais o que fazer, porque o solo efetivamente se exauriu totalmente, que se plante o eucalipto e que se deixe essa plantação apenas como cobertura para o solo. Ao longo do tempo, por pior que o eucalipto possa ser, ele ajudará na recuperação da área e algumas décadas depois, o sub-bosque que se formará completará o serviço, mas é claro que, por melhor que possa parecer, nada será como foi antes. Mas, ainda assim o resultado será ambientalmente benéfico.

Luiz Eduardo Corrêa Lima**

  REFERÊNCIAS LIMA, L.E.C., Considerações Ecológicas sobre o Vale do Paraíba, Fundação Nacional do Tropeirismo, Caçapava e Centro Cultural Objetivo, São Paulo. 1989. LIMA, L.E.C., A Desertificação do Vale, Jornal O Vale Paraibano, N˚. 1016, São José dos Campos, 10 de julho de 1992. LIMA,L.E.C., A Questão da Monocultura do Eucalipto no Vale do Paraíba, www.recantodasletras.com.br/autores/profluizeduardo, (T1122038), 10 de agosto de 2008.   *Este artigo foi modificado e atualizado pelo próprio autor a partir do texto original: “A Questão da Monocultura do Eucalipto no Vale do Paraíba”, publicado em 10/08/2008, no site www.recantodasletras (T1122038). **Luiz Eduardo Corrêa Lima (59) é Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor, Ambientalista e Membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CBH/PS); foi Conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA/SP), Vereador e Ex-Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.]]>