O tempo é hoje e a hora é agora

Morrer é uma consequência natural de já ter vivido, porque obviamente só morre aquilo que está vivo e, como tudo que é vivo um dia morre, quanto mais o tempo passa, maior é a possibilidade natural de morrer. Assim, quanto mais velho for um indivíduo, mais próximo da morte certamente ele estará. Eu estou velho e assim, cada vez mais próximo da morte, principalmente se o meu tempo for comparado com indivíduos mais jovens. Porém, tem me preocupado muito o fato de que muitos dos indivíduos jovens, os quais praticamente ainda nada viveram, já estarem tão ou mais próximos da morte do que eu e outros velhos como eu.

Quero ressaltar ainda minha crença de que a condição de juventude não se relaciona apenas a idade (tempo). A meu ver a juventude também é um estado de espírito e tenho certeza que há muitos velhos com juventude, assim como há muitos jovens que estão gagás de tão velhos. Quer dizer, eu entendo que o tempo pode ser parâmetro para algumas coisas, mas certamente ele não serve para medir o estado de espírito das pessoas e nem a vontade de mudar a realidade a sua volta. Embora o tempo exista e seja importante e significativo, não é ele quem condiciona exclusivamente a capacidade do indivíduo se manter jovem.

Eu estou biologicamente e cronologicamente velho, mais ainda estou suficientemente vivo e intelectualmente ativo, em contra partida tenho visto muitos indivíduos cronologicamente jovens que, embora biologicamente sejam vivos, intelectualmente estão morrendo ou já morreram, porque são indiferentes a qualquer coisa e estão totalmente abúlicos. No exercício da minha profissão de professor, costumo dizer para os meus jovens alunos que: “pior que a incompetência e a inoperância de alguns velhos, somente a apatia, o desleixo e a alienação de muitos jovens”, mas infelizmente é isso que mais tenho visto cotidianamente em grande parte da juventude. Antes que me crucifiquem, devo dizer que é claro e óbvio que existem inúmeras e honrosas exceções, mas infelizmente são exceções.

Não sei de quem é a culpa desse quadro de alienação e desinteresse e nem quero discutir sobre esse fato aqui, porque isso me parece mais um estado geral de coisas, um marasmo coletivo, que relaciona-se com o comportamento geral do gênero humano na atualidade, o qual levou a juventude a se preocupar apenas com futilidades e fazer somente aquilo que se refere ao dinheiro, ao conforto, ao consumo, ao diletantismo e ao prazer. A vida tornou-se mera atividade ociosa, que se valoriza mais por aquilo que menos tem valor vital e moral. Os valores morais e éticos foram esquecidos, os valores sociais e humanos também e os valores sentimentais mais ainda. Bem, mas como eu disse, não vou me ater a isso nesse momento.

A verdade é que o ato de viver passou a ser uma contingência resultante de um misto de obrigação e continuidade, sem nenhum projeto claro de melhoria do status quo. É mais ou menos assim: “Estou aí e desde que eu esteja me divertindo de alguma maneira, está tudo bem e eu continuo aí. O resto que se dane”. Lamentavelmente esse parece ser o slogan mais adequado à realidade presente, particularmente no que tange a maioria dos jovens de idade. Não há expectativa de mudança e nem de desenvolvimento de nada. As coisas são porque são e continuarão sendo porque já vinham sendo. É como se tudo já estivesse absolutamente pronto e assim não há mais nada para fazer, além de aproveitar e usar, usar tudo, usar ao máximo e inconsequentemente, o que já está aí.

Nessa perspectiva de vida lastimável e infeliz, muitos jovens se entregaram a droga, a marginalidade, ao sexo, ao ócio e inúmeras futilidades. Educação, respeito, dignidade e justiça passaram a ser valores que não fazem nenhum sentido. Só para citar algumas frases que eu já ouvi e tenho certeza de outros também já ouviram coisas parecidas. “Escola é apenas mais um ponto de encontro social, como o cinema ou a praça”. “Voluntarismo é coisa de otário que trabalha para os outros”. “Política é coisa que não serve para nada e só existe para safado que quer se dar bem”. “Servir é coisa de quem tem tempo a perder e dormir é sempre melhor do que servir”. “Dignidade é dinheiro no bolso e justiça não é para todos os indivíduos”. Em suma a maioria dos jovens se alienou e não está nem aí para o que está acontecendo no mundo e muito menos aqui no Brasil. Virtude é poder se dar bem e não ter compromisso e nem responsabilidade nenhuma.

Para muitos os movimentos ocorridos nas últimas semanas têm demonstrado que talvez eu esteja extremamente errado nessa minha ótica e que possivelmente as coisas estejam mudando e uma nova safra de jovens esteja surgindo para tentar mudar a conjuntura atual. Tomara que isso seja verdade, mas eu tenho minhas dúvidas e tenho me perguntado: será mesmo que estão querendo mudar alguma coisa? Ou será que este é mais um brinquedinho que alguns sujeitos inventaram para se divertir? Não sei, mas confesso que não sinto firmeza nessa movimentação, a qual, aliás, até aqui, só auxiliou a alguns baderneiros e diminuiu o preço das passagens de forma insignificante em algumas localidades. De concreto mesmo para o país, não aconteceu absolutamente nada. Foram criados inúmeros tumultos, mas os políticos e administradores continuam agindo da mesmíssima maneira. Ninguém modificou uma palha do status quo imperante na sociedade brasileira. Não saímos da falácia e tudo continua seguindo “como dantes no quartel de Abrantes”.

Mas então o que precisa acontecer para que eu e os demais velhos desconfiados e incrédulos, muitos dos quais, em outras épocas, correram da polícia e tomaram pancadas no lombo (eu inclusive) para que o país pudesse caminhar um pouco melhor, possam se convencer de que “a coisa é séria” e que os jovens estão mesmo a fim de mudar a cara do Brasil?

Eu penso que está faltando cobrança efetiva. Não basta apenas fazer barulho e passeatas, é preciso objetivar e exigir as mudanças. Lembro que em 1968, o Governo Militar estabeleceu o AI-5 e em 1969, através do fatídico decreto Lei – 477, estendeu a abrangência do AI -5 para as Universidades. Esse fato passou a proibir qualquer tipo de organização estudantil, mas ainda assim, os estudantes resolvidos a tentar mudar aquela situação de falta de liberdade no país, se organizaram e ao longo do período de 16 anos de luta (de 1969 a 1985) trabalharam bastante em conjunto com outros segmentos da sociedade para que a Ditadura Militar acabasse por ser extinta. Naquela época nós sabíamos o que queríamos e porque queríamos. Não éramos rebeldes sem causa, tínhamos um objetivo, que era a volta do governo às mãos dos civis e à Democracia efetiva. Mas hoje, o que querem mesmo esses jovens que estão aí fazendo passeatas?

Aquela lista que andou circulando rapidamente, com os 5 itens de reivindicações, precisa ser lembrada e repetida insistentemente para que não saia da pauta e nem dos comentários da mídia, mas ao que parece ela já saiu da mídia e muita gente nem tomou conhecimento do assunto. É preciso definir, direcionar o trabalho e bater naquela mesma tecla que indica um determinado norte. Infelizmente grande parte da mídia desse país não é muito (nada) confiável e principalmente a grande mídia sempre acaba tendendo para os mais poderosos e isso obviamente atrapalha qualquer movimento popular, porque dirige os interesses e interfere de forma maléfica na opinião pública. Talvez seja por isso mesmo que as reivindicações não aparecem na mídia, mas há necessidade de lembrar e fazer a mídia apresentar aquilo que se está reivindicando sempre.

Diante disso, é preciso que se reorganize o movimento e que ele seja direcionado em relação àqueles objetivos listados, pois do contrário nada acontecerá. É preciso também ter consciência e firmeza de propósito para não esmorecer, porque a luta não é fácil e a vitória é sempre árdua. É preciso ainda aproveitar as oportunidades e não deixar passar em branco os inúmeros momentos de deslize dessa corja de políticos safados que estão surgindo por aí. Tem que ser feita a efetiva cobrança para que toda a sujeira seja apurada e todos os culpados, principalmente os chefes da quadrilha, sejam presos e punidos. Dessa maneira o movimento crescerá e aglutinará novos seguidores e ao final será imbatível. É como diz o conhecido slogan: “o povo unido jamais será vencido”.

Eu quero acreditar que hoje seja muito mais fácil trabalhar nesse sentido, até porque a concentração e o movimento não estão proibidos e o movimento tem que aproveitar isso e também tem que tirar toda vantagem possível que a mídia puder oferecer. Ao contrário do que aconteceu no passado, o texto da Constituição continua em vigência e esse texto garante a liberdade de expressão e a reivindicação. Precisa apenas focar no que fazer e tentar impedir que os vândalos e os picaretas de plantão se intrometam e acabem prejudicando o trabalho e o movimento.

Bem, como disse no início a morte é uma consequência natural da vida e espera-se que os mais velhos morram primeiro, mas numa guerra nem sempre é assim e algumas vezes os velhos de idade são os mais jovens de espírito. Deste modo há necessidade de que a luta não fique sobrecarregada nas mãos de alguns, independente de idade e de capacidade intelectual. As lideranças do movimento devem ser consequência do próprio movimento e os líderes surgirão das evidências depois do trabalho desenvolvido. Todos são responsáveis até que as mudanças se manifestem e determinem quem deverá atuar distintamente em cada uma delas. Nem todos que participam querem o poder e eu conheço muitos velhos que mesmo não querendo mais o poder estarão colaborando para efetivar as mudanças. Mas, por uma questão de vigor físico a presença dos jovens de idade sempre será mais chamativa, mas sempre haverá necessidade da vivência e do conhecimento dos velhos atuantes.

Não quero morrer logo, mas sei que falta pouco tempo para mim e tudo farei para ver mudar a cara desse país, enquanto ainda estiver por aqui. Podem acreditar que ainda existem muitos velhos que pensam como eu. Desde menino ouço dizer que “o Brasil será o país do futuro”. Caramba! Que futuro é esse que nunca chega. Acho que está mais do que na hora de fazermos o presente ideal para o futuro que tanto queremos.

Bem, antes de terminar quero lembrar mais uma vez de minha época. Um sujeito chamado Geraldo Vandré fez uma canção, que eu sei que mesmo o jovem de hoje conhece e que diz assim: “vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Pois é, me parece que a hora é agora. Vamos à luta! Viva o Brasil e toda a nação brasileira.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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