A Esculhambação com a nossa Língua Pátria

Resumo: O artigo tem como objetivo chamar a atenção do fato de que se está progressiva e perigosamente desvalorizando a nossa Língua Portuguesa, assim, é preciso fazer um alerta à sociedade brasileira sobre o risco lamentável que essa situação representa para a população e para o país.


Vivemos num país em que pouco ou nada se valoriza daquilo que temos desde nossa origem e, por isso mesmo, temos trocado valores muito de nossos ao longo da história. Muitas dessas trocas certamente produziram, além das modificações culturais, problemas e muitas dificuldades sociais e comportamentais para o povo brasileiro, mormente para os cidadãos mais antigos, que se surpreendem sempre mais com as “novidades”.

Aliás, cabe ressaltar que muitas dessas “novidades” são programadas por grupos políticos para induzir questionamentos e sugerir absurdos, fazendo desacreditar princípios que estavam fidelizados nas longínquas comunidades brasileiras. Entretanto, essa questão, embora exista, seja nociva e deva ser discutida, foge ao propósito deste artigo e não será objeto do texto.

Bem, um dos últimos, talvez o último, reduto de sustentação das comunidades contra essas “novidades” esteja preso à língua pátria, o nosso bom e belo, português. Todavia, este baluarte de força que tenta nos garantir a pátria e sua história primordial e cotidiana de mais 5 séculos vividos, também vem sendo agredido e degradado rotineira e continuamente, principalmente nos últimos 60 anos. A nossa ilustre língua portuguesa, que sobreviveu a toda influência da língua espanhola à nossa volta, que resistiu as violentas tacadas da língua francesa e que resistiu ao namoro e as tentativas da língua holandesa, agora está praticamente sendo derrotada e engolida pela língua Inglesa ou, o que é bem pior, uma “coisa” parecida com a língua inglesa, recém-criada e que anda se espalhando por aí, como vou tentar explicar.

Vejam bem, aqui preciso dar algumas esclarecimentos. Primeiramente, quero deixar claro que não tenho nada contra a língua inglesa. Ao contrário, eu tenho grande admiração e sou ciente de sua importância, haja vista ser a língua mais importante e mais falada no mundo. Na verdade, o que me preocupa não é o fato de que as pessoas falem inglês aqui no Brasil também, porque isso é benéfico para o país e obviamente para a nação brasileira. Não sou louco e nem quero que os brasileiros continuem no “terceiro mundo”, sou ciente de que precisamos evoluir e conhecer a língua inglesa é fundamental para a nossa evolução.

Minha preocupação maior, reside no fato de que estamos assumindo com muita facilidade termos da língua inglesa e omitindo (esquecendo) os próprios termos da nossa língua portuguesa. Isso tem se tornado uma prática, cada vez mais comum e de repente estamos assumindo um inglês, seja lá por exigência de mercado, por moda, por condição social ou mesmo por necessidade. Nossa cultura linguística e por abrangência, nossa cultura geral, tristemente, estão sendo abandonadas com anuência da nossa sociedade.

Bem, todos sabem que a língua é uma estrutura dinâmica, que obviamente muda e deve mesmo mudar com tempo, em função dos mais diversos fatores. Então, a minha preocupação também não é somente com as mudanças da Língua Portuguesa, mas sim com a maneira como essas mudanças têm acontecido, tanto na origem da mudança, quanto na coerência que conduzem a elas. Estamos desenvolvendo um “monstrengo linguístico” sem lógica, sem procedência e que não se justifica de maneira nenhuma. Quando muito, esse “monstrengo” que se espalha sorrateiramente por conta do uso massificante sem nenhum critério avaliativo de sua real dimensão linguística, poderia ser explicado pela necessidade de uma comunicação mais moderna e sempre atualizada.

Mas, por outro lado, Portugal e outros sete países lusófonos, além do Brasil, conseguiram estar atualizados sem criar um “monstrengo linguístico” e seguem falando o Português tradicional, sem nenhum grande comprometimento do idioma pátrio. Cabe lembrar aos cidadãos brasileiros, que o Português hoje é a sexta língua mais falada no mundo e isso se deve principalmente aos mais de 220 milhões que hoje compõem a nossa população.

Ou seja, nós, os brasileiros, somos os principais responsáveis diretos pelo crescimento e desenvolvimento contingencial da língua portuguesa no mundo e, por isso mesmo, deveríamos estar mais diretamente interessados em manter a língua portuguesa como uma das nossas prioridades, até pela nossa pretensa condição de destaque no cenário internacional. Valorizar nossa língua deveria ser uma questão precípua para o nosso país. Porém, com nosso desleixo, isso não está parecendo ser uma realidade.

Falar Inglês é uma necessidade no mundo moderno e possivelmente isso não tenha mais retorno. Quer dizer, o mundo todo certamente deverá falar inglês. Aliás, como já começa a ser assim também com o mandarim chinês. Entretanto, aqui no Brasil, nós não precisamos e muito menos não devemos esquecer que nossa língua pátria é o português. Temos que ter em mente que nossa alfabetização e nossa comunicação básica deve ser feita principalmente em português.

Pois então, o que está acontecendo hoje no Brasil é exatamente um fato estranho e contraditório ao esperado. Ao contrário do que deveria estar acontecendo, nós estamos substituindo e assumindo, sem nenhuma cerimônia e muito menos necessidade, as palavras em inglês, para descrevermos e identificarmos coisas e situações que claramente temos condições de definir e de atribuir conceitos a partir de nossa própria língua e deste modo criar os termos devidos.

Há inclusive um agravante terrível desse fato, que é quando estamos não só usando o inglês, como desenvolvendo e promovendo um “falso inglês”. É isso mesmo, nós estamos até inventando uma “nova” língua inglesa aqui no Brasil, para justificar o nosso desleixo linguístico. Quer dizer, nós não falamos o Português e ainda erramos quase que propositalmente no inglês, criando, repetindo, divulgando e multiplicando verdadeiros absurdos idiomáticos que não fazem coerência em nenhuma das duas línguas. Vou exemplificar para esclarecer melhor o que estou querendo dizer.

Sempre gosto de usar o exemplo do “cheeseburger” inglês, que acabou sendo traduzido como “Xburguer” em português, ou seja, o “cheese” (queijo em inglês) virou “X” na tradução para o português. Se nos direcionarmos mais particularmente para as áreas da administração, da economia, ou da informática, encontraremos vários outros absurdos desse tipo. Enfim, essas coisas grotescas existem em todas as áreas do conhecimento.

Por que nós não traduzimos simplesmente as palavras e usamos a tradução? Por que o “site”, não pode ser simplesmente o local ou o sítio? Se é para traduzir a ideia de “site”, a palavra sítio me parece perfeita. Se é para aportuguesar o termo original em inglês, então deveria ser “saite”. Agora, quando se escreve “site” em português e se pronuncia “saite”, como se estivesse em inglês, alguma coisa (na verdade, muita coisa) está errada. Que língua estranha é essa?

Então, minha preocupação reside exatamente nesse aspecto, estamos criando uma outra língua, que nem é Português e nem Inglês. O pior é que a maioria de nós está naturalmente assumindo isso como se fosse correto e sem nenhuma contestação. Já perdemos quase tudo que tínhamos de nossos valores primários, mas não podemos perder também a nossa língua nativa com justificativas mesquinhas e incoerentes para defender outros interesses.

No Português encontrado nos textos da “internet” então, além do inglês predominante, ainda criamos uma série de abreviaturas e reduções linguísticas do português que constituem uma linguagem totalmente distinta e que só pode ser entendida por quem convive diuturnamente com ela. O resultado disso é que quando mandamos qualquer jovem e, infelizmente, também alguns adultos, fazer uma redação ou escrever um texto qualquer, encontramos uma situação aviltada e totalmente degradada da língua, que em alguns casos não pode ser entendida por uma pessoa que só conheça o português normal. Quer dizer, aqui no Brasil “o Português normal já deixou de ser a língua oficial”, pelo menos para parte significativa da população.

Outra coisa absurda é o verdadeiro festival de siglas que são usadas sem nenhuma cerimônia e por qualquer pessoa em qualquer momento. Se o cidadão que for ler a mensagem não conhecer as siglas que o emissor escreveu, ele que se dane, porque ele deveria saber. Deste modo, as siglas são usadas aleatoriamente e muitas das mensagens certamente não são entendidas porque se resumem a siglas que só que escreveu conhece. A comunicação agora também depende da capacidade que as pessoas têm de decorar o significado das milhares de siglas existentes.

Como eu disse no início essa situação, por menos significativa e importante que alguns possam pensar que seja, trata-se na verdade de um grande problema, porque nos remete ao abandono e ao desleixo de um dos mais importantes valores que deveríamos conservar, que é a nossa língua nativa. Não quero fazer renascer um arcaísmo total da língua, mas é preciso que se avalie melhor o que está sendo feito com nosso idioma. Nesse sentido é fundamental que sociedade, principalmente o governo (em todos os níveis), as escolas e os professores de português tomem uma posição mais enérgica no combate contra esse descalabro, essa esculhambação crescente, enquanto ainda há tempo.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (66) é Biólogo (Zoólogo), Professor, Pesquisador, Ambientalista, Escritor e Revisor. Membro da Academia Caçapavense de Letras (ACL) e Academia de Letras de Lorena (ALL).

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