Buscando o Melhoramento do Gerenciamento dos Recursos Hídricos

Resumo: Mais uma vez, estou chamando a atenção para o processo de esvaziamento da comunidade nos Comitês de Bacia e consequentemente na Gestão dos Recursos Hídricos. Embora o trabalho de gestão da água esteja seguindo bem, há necessidade de que a comunidade se envolva mais no processo, para que ocorra maior respaldo das atividades desenvolvidas e melhor conhecimento das ações dos comitês.


Estamos comemorando o mês da água e por isso mesmo vou aproveitar o momento para comentar, mais uma vez, sobre uma questão que tem me preocupado bastante no que tange a gestão de recursos hídricos no país como um todo e na nossa Bacia do Paraíba do Sul, em particular. Continuamos progredindo na gestão, entretanto, a participação da sociedade nos comitês ao invés de se ampliar, tem diminuído significativamente. Isso não me parece ser um bom sinal e resolvi voltar a lembrar que precisamos melhorar também essa situação da participação comunitária nos comitês. Porém, antes de tratar diretamente desse assunto, sempre cabe destacar um esclarecimento geral sobre a gestão da água no Brasil.   

Embora o Estado de São Paulo tenha saído na frente, no que se refere aos Recursos Hídricos, com a publicação da Lei Estadual 7.663/1991, pouco depois o restante do país também seguiu à mesma linha, com a edição e aprovação da Lei Federal 9.433/1997. Esta lei estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos e determinou o que deveria ser feito em relação a água no Brasil. Pouco depois, através da Lei Federal 9.984/2000, foi criada a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SINGREH) para implantar efetivamente a Política Nacional de Recursos Hídricos no país.

Somente a partir desse momento foi que as coisas realmente começaram a acontecer no que tange aos recursos hídricos nacionais. Pois então, isso significa dizer que começamos a falar nacionalmente sério, sobre as questões relacionadas à água no Brasil, faz pouco mais de 25 anos. Ao longo desse tempo, apesar de alguns percalços, aparentemente o país tem trabalhado bem no que se refere a gestão dos recursos hídricos.

Além da legislação já citada, ainda cabe destacar a Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos nº 58, de 30 de janeiro de 2006, que implantou o Primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), cuja vigência prevista era até 2020, e ainda determinou que o documento fosse revisado a cada 4 anos, como aconteceu. Em 2020, deveria ter sido implantado o Novo Plano Nacional de Recursos Hídricos, com vigência prevista até 2040, contudo, por conta da Pandemia de COVID-19, o plano antigo foi prorrogado até 31 de dezembro de 2021 e o novo plano só passou a vigorar a partir de janeiro de 2022, quando foi definitivamente implantado.

Sendo assim, estamos há pouco mais de 1 ano, sob a égide legal do atual e elaboradíssimo Plano Nacional de Recursos Hídricos 2022-2040. Obviamente, no decorrer dos 25 anos que antecederam à sua implantação, houve um imenso aprendizado e a gestão dos recursos hídricos se desenvolveu e avançou bastante em todo o país. Não se mexeu mais na estrutura e nem nas diretrizes básicas, que se mantém as mesmas estabelecidas pela Lei 9443/1997, mas, certamente, temos evoluído muito no gerenciamento da água.

O aprendizado foi imenso e possibilitou evoluir bastante, quanto as funções do Plano Nacional e das questões ligadas a implementação e orientação dos Planos Estaduais e Regionais, procurando aparar as arestas e tentando fazer as devidas adequações estruturais e legais. Além disso, foram criadas regras de monitoramento, através de indicadores que têm sido desenvolvidos e utilizados a partir dos próprios acontecimentos oriundos dos gerenciamentos existentes. Ou seja, a gestão, de maneira inteligente, tem crescido em cima do seu próprio trabalho e de sua experiência.

Em suma, estamos trabalhando muito bem e o trabalho geral de Gestão de Recursos Hídricos no Brasil está seguindo uma linha constante de melhoras subsequentes. Os comitês se multiplicam pelo país afora e a gestão é cada vez mais democrática e participativa, o que conduz a trabalhos quase sempre melhores e mais eficientes. O uso dos recursos financeiros e o monitoramento das ações têm sido realizados dentro de princípios e padrões bastante satisfatórios e progressivamente mais eficazes. Existe uma procura efetiva de gastar com austeridade o dinheiro público, fazendo uso do melhor custo-benefício possível nas diferentes ações.

Ontem mesmo (01/03/2023), tive o prazer de assistir uma palestra, com a participação de aproximadamente, outros 40 atores, também envolvidos na gestão da água e nos comitês de bacias. Foi uma palestra excelente e bastante explicativa, promovida e ministrada pelo pessoal técnico em gestão em recursos hídricos da ANA, em atendimento a uma solicitação do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul (CEIVAP), referente a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 2 (UGRHI 2).

A apresentação comentou e discutiu sobre a metodologia empregada na implementação e no monitoramento do PNRH, de acordo com o Manual para a Avaliação da Implementação de PRHs, que foi estabelecido a partir do conhecimento adquirido pela ANA até agora. Realmente a assistência presente concordou plenamente que está tudo caminhando muito bem no que se refere ao trabalho de gerenciamento e que as coisas tendem a ficar excelentes com a implantação de novos Comitês da Bacia Hidrográficas, que ainda são necessários no país.

Pois então, embora esteja tudo caminhando muito bem, existe um ponto, de certa maneira mais externo à gestão, mas que, a meu ver, também influi e pode conduzir a resultados ainda melhores.  A superação desta questão específica, tende a democratizar mais a gestão e minimizar vícios metodológicos e funcionais consideráveis.  Acredito que, talvez por isso, a situação que foi apresentada ainda não possa ser considerada perfeita, porque andamos bem, trabalhamos corretamente, mas divulgamos mal. E exatamente nesse ponto, a divulgação, que estamos muito deficitários. A gestão vai bem, mas, por outro lado, a população desconhece o excelente trabalho que é voluntariamente produzi do pelos comitês e essa mácula necessita ser apagada.

É um absurdo, porém depois de mais de 30 anos, ainda tem muita gente nesse país que ainda não sabe e nem imagina o que é e muito menos o que faz, um Comitê de Bacia Hidrográfica.  Estamos pecando por omissão, na divulgação das ações desenvolvidas nesses colegiados importantes, que definem o que fazer com a água. Infelizmente, as pessoas que têm acento nos comitês e nas suas Câmaras Técnicas, tem atuado para as comunidades, mas tem falado do trabalho efetuado, apenas internamente, ou seja, dentro do próprio grupo que, de alguma maneira, faz parte do próprio comitê. Isto é, os comitês não informam, não transferem e não projetam suas ações para fora dos comitês. Não há divulgação dos comitês e muito menos de suas ações.

Deste modo, as pessoas das comunidades locais e a sociedade como um todo, acabam não conhecendo os comitês e os seus valorosos trabalhos. O pior é que, como não há divulgação correta das ações, as poucas pessoas que pensam que conhecem o trabalho dos comitês, acabam produzindo informações totalmente deturpadas a respeito dos próprios Comitês e da Gestão dos Recursos Hídricos. Na verdade, os Comitês de Bacias Hidrográficas são grandes desconhecidos das comunidades, como já citei em artigo anterior (LIMA, 2020).

Se considerarmos a organização estrutural e paritária na representatividade dos comitês, onde devem estar representados os vários segmentos da sociedade, com equivalência relativa proporcional da representação, visando exatamente estabelecer uma condição democrática e participativa efetivamente. Entretanto, essa condição obrigatória da organização estrutural dos comitês não chega na opinião pública e se chega, não se condiciona como princípio democrático fundamental. Em consequência disso, a orientação democrática e participativa dos comitês não fica evidente para as comunidades e assim, não reflete o compromisso efetivo de garantir água em quantidade e da melhor qualidade para todos, que o objetivo primário dos comitês.

É por isso que a divulgação dos comitês e de seus trabalhos voluntários, participativos e sócio comunitários no interesse da coletividade local e da sociedade em geral é fundamental. Assim, é preciso que os comitês sejam mais bem conhecidos e que seus trabalhos tenham mais visibilidade nas suas respectivas bacias hidrográficas. Vou tentar explicar melhor o que estou querendo dizer.

Tristemente a maioria da sociedade continua achando que os comitês constituem um simples amontoado de pessoas próximas (amigas), ligadas a partidos e setores políticos. Essas pessoas atuam em conluio para conseguir dinheiro público e consequentemente utilizar esse dinheiro como acharem mais indicado, sem nenhum critério técnico, apenas considerando alguns interesses políticos ideológicos, exclusivamente pessoais ou, quando muito, comunitários corporativistas. Nós, as pessoas que atuam nos comitês, que dispomos, voluntária e gratuitamente, de nosso tempo, de nosso trabalho e de nosso intelecto para o funcionamento dos comitês e de suas diferentes Câmaras Técnicas, ainda somos considerados como embusteiros comuns, que fazemos negociatas para aprovar esse ou aquele projeto e reprovar outros.

A Divulgação do trabalho dos comitês, do funcionamento, da transparência e a participação, necessária e cada vez mais efetiva, da sociedade civil organizada são fundamentais para que as pessoas acreditem integralmente nesse tipo de colegiado, onde não há poderosos. Temos que fazer alguma coisa no sentido de ampliar a participação social nos comitês e, principalmente, de aumentar a sua credibilidade. Ou seja, temos que popularizar mais os comitês, informando e demonstrando claramente à população que é possível ter um órgão público funcional gerido pela própria sociedade, que funciona e onde não existe trambique oficial.

A sociedade precisa saber que os Prefeitos, Deputados, Vereadores, Secretários e outros políticos ou administradores públicos não têm nenhum poder individual maior dentro de qualquer Comitê de Bacia Hidrográfica. Os comitês são abertos às comunidades e cada membro de um comitê é apenas um membro do comitê como outro qualquer, sem nenhuma vantagem adicional. A gestão se faz realmente através da participação democrática de todos os envolvidos no processo e as comunidades precisam estar sempre sendo informadas desse fato. As reuniões são abertas e deveriam ser sempre acompanhadas pela comunidade interessada, mas isso é um acontecimento muito raro.

Há necessidade de se abrir mais as portas dos comitês para todos as entidades, mas o que temos visto é que continuamos sendo sempre os mesmos. Ou melhor, às vezes mudam as entidades, mas as pessoas envolvidas são quase sempre as mesmas Se esta limitação acontecesse por competição política na vontade de muitos que quisessem participarem seria bom, porém, na verdade, a situação acontece por carência de pessoal interessado em participar, provavelmente por falta de conhecimento sobre os comitês. Assim, as mudanças de pessoal são tão poucas e insignificantes, que geralmente só são percebidas depois de muito tempo. Por favor, não me entendam mal, não tenho objetivo de fazer crítica a quem participa, só estou dizendo que a participação precisa ser progressivamente maior e mais diversificada.

Caramba! Existe um órgão Federal ou Estadual que gerencia e financia recursos materiais e financeiros, oriundos do estado e da bacia hidrográfica local para serem usados na minoração das necessidades locais e as pessoas não se envolvem nisso. Não é possível consigo que essa situação ocorra somente por desinteresse. Essa ausência está relacionada a falta de informação e ao consequente desconhecimento do assunto. Deste modo, temos pouca gente envolvida tanto nas proposituras (projetos apresentados), quanto nas definições de possíveis soluções das questões.

A falta de participação ainda pode causar outro problema. Algumas vezes, quem pode acabar decidindo sobre as questões nem conhece exatamente os problemas que existem no local. Isso não pode acontecer, porque não é esse o objetivo da gestão dos recursos hídricos e principalmente porque esse também não é o objetivo da existência dos próprios comitês de bacias como órgãos gestores. Muitas vezes se prioriza e se decide por análises estritamente técnicas, entretanto as questões técnicas, exatamente por serem técnicas, muitas vezes não identificam ou não levam em consideração as questões comunitárias e suas necessidades, assim, muitas vezes, as prioridades se confundem e isso também precisa ser discutido.

Como membros dos Comitês, temos que fazer alguma coisa que nos permita ser mais conspícuos na comunidade e que traga a comunidade para mais próximo, ou melhor, para dentro dos comitês. Aumentar a participação e a diversidade dos comitês é fundamental para melhorar as suas capacidades de trabalho. Eu não tenho dúvidas de que isso tornará a gestão muito mais eficiente e desta maneira, a opinião pública será muito mais conhecedora das atividades e consequentemente, muito mais envolvida em colaborar e trabalhar pelos recursos hídricos que lhes são servidos.

Em que pese a nossa excelente gestão de recursos hídricos e sua condição progressiva e qualitativamente melhor, ainda temos um problema crônico a resolver, para podermos deslanchar e garantir a água diária que tanto defendemos e necessitamos. A Gestão de Recursos Hídricos precisa ter a comunidade diretamente envolvida nos seus trabalhos objetivos e específicos do gerenciamento, ou seja, participando ativamente das atividades discutidas e desencadeadas dentro dos comitês. Se o trabalho tem sido bom sem a participação maior da comunidade e com a opinião pública contra, imaginem o quanto ele será melhor, se for possível trabalhar com apoio da comunidade e com a opinião pública estando a favor. 

Referências

BRASIL, 1997. Lei Federal 9.433, de 08 de janeiro de 1997 (Lei das Águas). Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Diário Oficial da União, Brasília, 09/01/1997.

BRASIL, 2000. Lei Federal 9.984/2000, de 17 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas – ANA, órgão federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de elaboração do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e dá outras providências. Diário Oficial da União – Seção 1 – 18/7/2000.

BRASIL, 2006. Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos nº 58, de 30 de janeiro de 2006. Aprova o Primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH).

LIMA, L.E.C., 2020.  A Necessidade da Divulgação dos Comitês de Bacias Hidrográficas, www.profluizeduardo.com.br, 17/05/2020.

SÃO PAULO, 1991. Lei Estadual 7.663/1991, de 30 de dezembro de 1991. Estabelece normas de orientação à Política Estadual de Recursos Hídricos bem como ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Assessoria Técnico-Legislativa, aos 30 de dezembro de 1991.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (67), Biólogo (Professor e Pesquisador), Escritor, Revisor e Ambientalista

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