Categoria: Artigos

Artigos Professor Luiz Eduardo Corrêa Lima

28 ago 2015

Sobre a Reprodução Sexuada e a Formação de Híbridos

Resumo: O texto trata da Reprodução, em particular da Reprodução Sexuada e das possibilidades de formação ou não de organismos híbridos resultantes do encontro reprodutivo entre espécies próximas e das consequências oriundas desses encontros. A abordagem tenta esclarecer que a Hibridização é naturalmente dificultada, mas que muitas vezes os mecanismos de isolamento falham e os híbridos acontecem e que isso pode favorecer ou prejudicar o processo de Especiação.


 

Sobre a Reprodução Sexuada e a Formação de Híbridos

Esse talvez seja o assunto de cunho biológico mais envolvente e o que mais interessa as pessoas em geral. Digo isso porque ao longo dos meus quase 35 anos de magistério nas diferentes áreas da Biologia, certamente esse foi o assunto que mais vezes tive que responder a questionamentos, tanto dentro quanto fora das escolas. Ou seja, os questionamentos ocorriam tanto por parte de alunos e de colegas professores, como também a partir de outras pessoas totalmente desvinculadas da atividade escolar ou biológica, as quais tinham grande interesse e curiosidade sobre a questão. Por conta disso, resolvi me atrever e escrever esse artigo, onde tentarei informar aos não biólogos e principalmente aos curiosos um pouco mais sobre o assunto.

Começarei informando que a Reprodução é o mecanismo pelo qual as espécies vivas se perpetuam no espaço e no tempo. Ou seja, só pode ser considerada uma espécie aquele grupo de indivíduos semelhantes que é capaz de gerar descendentes e se manter vivo numa determinada área ao longo do tempo. A Reprodução Sexuada é um mecanismo mais seguro de manter e perpetuar as espécies, pois garante a variabilidade e gera a diversidade necessária entre os indivíduos da espécie. Entretanto, é preciso saber clara e conceitualmente o que é esse mecanismo e que implicações ele traz para a vida como um todo e para vida animal particularmente.

Na verdade, muita gente pensa que Reprodução Sexuada é aquela que envolve cópula, assim confunde Reprodução Sexuada com Ato Sexual (Cópula) e, o que é pior, pensa que só existe reprodução sexuada nos animais que copulam. Isso está muito longe de ser verdade, mas este erro é consequência de outro anterior, que é o próprio conceito de sexo, o qual a grande maioria (quase a totalidade) das pessoas não conhece ou, se até conhece, tem uma noção bastante errada sobre o mesmo.  A cópula é apenas um detalhe que envolve o processo reprodutivo sexuado de alguns organismos vivos.

Infelizmente, a farta propaganda existente hoje na mídia e a divulgação intensiva sobre o sexo na espécie humana não traduz conceitualmente o que seja sexo de uma maneira objetiva e definitiva. Fala-se muito de sexo, de “fazer sexo”, de “utilizar o sexo”, de diferenças entre os sexos, de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e outras coisas mais. Porém, lamentavelmente, não se define realmente o que seja sexo. Na verdade, não se discute a importância biológica efetiva que o sexo tem para as espécies vivas, pensa-se apenas no sexo como objeto de prazer, de encantamento e de sedução humana, numa atitude social e estritamente antropológica, que leva ao entendimento errôneo da importância da função sexual nas espécies vivas. Assim, embora se fale também em Educação Sexual, na realidade está se deseducando, pois não se aborda o sexo num contexto biológico mais amplo.

A palavra sexo é oriunda da existência das células sexuais (gametas), os quais são, apenas e tão somente, de dois tipos: feminino e masculino. Então um organismo vivo é do sexo feminino porque suas Glândulas Sexuais (Gônadas) produzem gametas femininos ou é do sexo masculino porque suas gônadas produzem gametas masculinos. Entretanto há espécies, em vários grupos de organismos vivos que têm os dois tipos de gônadas e por isso mesmo produzem os dois tipos de gametas. Nesse caso os organismos são denominados Hermafroditas, em alusão aos deuses Hermes (masculino) e Afrodite (feminina), significando que o organismo em questão apresenta os dois tipos de sexos ao mesmo tempo.

A condição de pertencer ao sexo masculino, ao sexo feminino ou a ambos (hermafrodita) pode existir aleatoriamente em qualquer espécie viva (animal ou vegetal) sexualmente reprodutiva e a reprodução sexuada resulta do encontro entre os diferentes sexos (gametas) dessas espécies, através de um fenômeno denominado Fecundação ou Fertilização. Esse encontro pode ocorrer dentro do corpo de apenas um dos organismos (fêmea) ou de ambos (no caso de Fecundação Cruzada entre hermafroditas). Nesse caso a fecundação é denominada de Fecundação Interna. Entretanto, a Fecundação também pode ocorrer fora do corpo, num ambiente aquático externo, sendo denominada de Fecundação Externa. Então, toda vez que um gameta masculino de uma determinada espécie, encontra um gameta feminino dessa mesma espécie e o fecunda, ocorre uma reprodução sexuada, independentemente do local onde isso aconteça.

Na maioria das espécies em que ocorre uma Fecundação Interna, geralmente há nos indivíduos a presença de um órgão copulador (Pênis) e consequentemente ocorre uma cópula, mas isso não é uma obrigatoriedade, porque existem muitas espécies hermafroditas em que ocorre uma Autofecundação, isto é, os genitais liberam os gametas que se encontram dentro do próprio indivíduo, sem que haja uma cópula. Por outro lado, também existem espécies de Fecundação Externa com uma “pseudo-cópula”, como acontece nos Anfíbios Anuros (sapos), haja vista que embora aconteça algo parecido com uma cópula, na verdade a cópula não ocorre porque os machos não têm um órgão copulador e a fecundação é externa. Nas aves, embora a maioria dos machos também não tenha órgão copulador, as fêmeas desenvolveram mecanismos que levam os gametas masculinos para o interior de seus respectivos corpos e ocorre uma Fecundação Interna.

Assim, fica claro que a fecundação pode acontecer de várias maneiras, porém o resultado da fecundação, independentemente de qual tenha sido a sua maneira, sempre irá originar uma célula ovo ou zigoto, a qual, por sua vez, irá se desenvolver para formar um novo organismo com uma carga genética própria, que é oriunda dos dois gametas iniciais. Isto é, o novo ser que irá ser produzido sempre resultará de uma mistura genética dos dois ancestrais que forneceram os gametas, o que gera uma variabilidade cada vez maior das espécies que realizam a reprodução sexuada e que consequentemente resultam de uma fecundação.

Nas espécies animais denominamos o gameta masculino de Espermatozoide e o feminino de Óvulo e nas espécies vegetais, geralmente os gametas masculinos são denominados de Grão de Pólen e o feminino também é denominado de Óvulo. Entretanto, existem outros tipos de nomenclaturas atribuídos aos gametas nos diferentes grupos vegetais, mas vamos deixá-los de lado para não trazer à baila outros nomes pouco comuns e principalmente para não aumentar o tamanho da possível confusão na cabeça do leitor.

O ato sexual (cópula) é um dos mecanismos que permite o encontro entre os dois tipos diferentes de gametas de uma determinada espécie, porém está muito longe de ser o único mecanismo que permite esse processo, porque, além da fecundação externa na água, no caso dos animais, os gametas podem se encontrar e assim se fecundarem de várias formas nas espécies vegetais, através da ação dos agentes polinizadores, como o vento, os insetos, as aves e os morcegos. Enfim, sexuado é tudo que envolve gametas e que resulta de fecundação e como já foi dito, existem várias formas de fecundação, ou melhor, existem vários mecanismos que permitem a reprodução sexuada e consequentemente a fecundação, além daquele que a maioria das pessoas acredita ser o único.

Desta forma quero crer que agora posso dizer, sem medo de estarrecer o leitor ou de parecer que eu esteja louco, que, além do homem e dos animais vertebrados terrestres, muitas outras formas de vida, inclusive muitos invertebrados aquáticos, além dos peixes e também as plantas superiores são entidades sexuadas que podem se reproduzir e efetivamente se reproduzem sexuadamente, independente de realizarem uma cópula ou não. Aliás, é bom ressaltar que alguns organismos, são capazes de se reproduzirem também assexuadamente, isto é, sem a participação das células sexuais (gametas), mas esta é outra história e penso ser melhor não discuti-la nesse momento.

Dito isto, acredito que agora devo passar ao segundo item de minha breve explanação, na tentativa de poder esclarecer um pouco mais as pessoas sobre a reprodução sexuada e a formação de híbridos. O meu segundo item é a hibridização, ou seja, o processo de formação de híbridos.

Primeiramente é preciso definir o que seja um híbrido. Biologicamente um híbrido é aquele indivíduo resultante do cruzamento de dois ancestrais de espécies distintas. Isto é, alguém que se origina de dois contingentes genéticos distintos, que podem ser e geralmente são parecidos, mas que necessariamente são efetivamente diferentes. Costuma-se usar como exemplo o burro, que resulta do cruzamento entre a égua e o jumento ou entre o cavalo e a jumenta. Embora, pudessem ser usados outros inúmeros exemplos existentes, vou continuar me utilizando desse modelo porque, além de satisfazer a necessidade do momento, esse é também um exemplo bem conhecido da maioria das pessoas.

O cavalo e a égua pertencem à espécie Equus caballus, enquanto o jumento e a jumenta pertencem à espécie Equus asinus, ou seja, são duas espécies distintas. Quando são cruzadas (reproduzidas sexualmente) duas espécies diferentes, mesmo aparentadas, como é o caso de cavalo e jumento, o produto é um híbrido (Burro ou Mula). No que se refere aos animais, os híbridos são quase sempre inviáveis e quando são viáveis costumam ser estéreis. Porém, no caso das plantas, isso não é verdade, pois os híbridos vegetais costumam ser sexualmente férteis. Essas duas respostas diferenciadas entre plantas e animais quanto à hibridização são bastante intrigantes e parecem estar na fundamentação básica da própria condição do que seja um animal ou um vegetal.

Na natureza existem vários mecanismos que favorecem a formação de híbridos nos vegetais, o que possivelmente esteja relacionado com a limitação dos vegetais quanto à locomoção, embora, como já foi dito, também existem muitos animais que auxiliam no processo de polinização das espécies vegetais. A diversidade vegetal é muito menor que a animal, por causa da dependência ambiental maior e, ao que parece, também em consequência da impossibilidade motora. O vegetal tem que se desenvolver onde estiver e assim a mistura genética entre as espécies é muitas vezes vantajosa, sendo inclusive um fator significativo de evolução e formação de novas espécies (Especiação) entre as plantas.

Por outro lado, nos animais, em função basicamente da possibilidade motora, ocorre uma diversidade muito maior em consequência da possibilidade de procurar e assumir diferentes nichos ecológicos. Desta maneira, como a hibridização poderia ser algo extremamente comum, naturalmente foram desenvolvidos vários mecanismos que dificultam e tentam impedir a formação desses híbridos e garantir a individualidade das espécies. Ao contrário dos vegetais, nos animais a hibridização não é um fator de evolução nem de formação de novas espécies.

Os mecanismos que dificultam a hibridização em animais são classificados em dois grandes grupos: Mecanismos Pré-zigóticos (que impedem a formação do Ovo ou Zigoto) e Mecanismos Pós-zigóticos (que não impedem a formação do Ovo ou Zigoto, mas impedem o desenvolvimento, ou a formação do indivíduo, ou a sua reprodução ou ainda a reprodução futura de sua linhagem). No exemplo do Burro, acontece a formação do indivíduo, entretanto ele é incapaz de reproduzir. Assim, o Burro não é uma espécie verdadeira porque não pode gerar descendentes.

Geralmente ocorre impedimento antes de qualquer possibilidade reprodutiva, por questões limitantes de naturezas geográficas, por questões de impossibilidades mecânicas e mesmo por questões de diferenças comportamentais entre as espécies. Mas, mesmo quando esses fatores Pré-zigóticos falham e o encontro dos gametas acaba ocorrendo, ainda existe a possibilidade não haver fecundação, ou mesmo de haver fecundação, mas não haver desenvolvimento, ou ainda de haver desenvolvimento mais gerar um ser estéril, ou até de gerar um ser reprodutivamente ativo na primeira geração, porém estéril nas gerações subsequentes. Todos esses últimos são os mecanismos Pós-zigóticos e de todos esses casos há exemplos bem conhecidos na natureza. Além dos vários exemplos naturais de híbridos bem conhecidos da ciência, há também situações artificiais que o homem propiciou através das experiências mais diversas.

Concluindo, devo dizer que a Reprodução Sexuada tem sido um mecanismo fundamental para a manutenção e para a diversificação das espécies vivas do planeta, entretanto a formação de híbridos naturais é uma constante e esses híbridos muitas vezes são entidades comuns em função da grande possibilidade de combinação genética entre as espécies vivas. Algumas vezes, esses “erros reprodutivos” levam à produção de novas espécies, mormente nos vegetais, e outras vezes levam a formação de híbridos, nos animais, que não conseguem se estabelecer como espécies verdadeiras dentro da classificação biológica, exatamente porque apresentam limitações reprodutivas marcantes.

No pensamento popular coletivo os híbridos são conhecidos pela “força” que possuem, denominada genericamente de “Vigor Híbrido”, que é resultante da mistura dos dois genomas distintos ancestrais e que garante boas condições de resistência e de manutenção viva, o que para os vegetais condiciona numa melhor adaptação e consequentemente numa melhor capacidade de sobrevivência. Porém, nos animais, essa mesma mistura genética que gera o “Vigor Híbrido”, parece ser traduzida como uma imperfeição (anomalia) genética e passa a ser um reforço negativo, o qual é responsável pela inviabilidade reprodutiva e que não deixa esses organismos terem continuidade.

 

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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15 ago 2015

O Meio Ambiente é o bem maior da Humanidade

Resumo:  O texto atual, mais uma vez relaciona-se com atividade humana e a degradação ambiental planetária provocada pelo homem, procurando demonstrar que o individualismo e que a falta de comprometimento coletivo, talvez, sejam as grandes causas e que as consequências são desastrosas, pois caminham para a extinção da espécie humana. A preocupação com o Meio Ambiente deve ser estabelecida como prioridade sobre todas as demais questões.


O Meio Ambiente é o bem maior da Humanidade

Nós, brasileiros, temos, sociologicamente, o hábito lamentável e infeliz de entender que aquilo que é de todos, acaba não pertencendo a ninguém. Isto é, aquilo que é comum a todos numa comunidade e por isso mesmo pertencente a todos, costuma ser considerado como algo que não tem dono e assim, acaba sendo entendido como algo que não pertence a ninguém. Essa cultura errada, que tem nos produzido inúmeros infortúnios em vários setores e atividades sociais, ultimamente também tem causado grandes problemas na área ambiental, haja vista que o Meio Ambiente é um patrimônio coletivo, um bem comum a todos (humanos e não humanos) que nele habitam. Infelizmente, temos tratado o Meio Ambiente como coisa de ninguém, ainda que ele seja um bem de todos os organismos vivos.

Estamos fazendo tudo ao contrário. Ao invés de procurarmos entender que qualquer lugar é um Meio Ambiente único e que merece ser tratado com cuidado e respeito, para a manutenção da vida nele existente, nós temos considerado que o Meio Ambiente é um lugar comum e qualquer, no qual se pode fazer de tudo, da maneira que se quiser. Ou seja, numa simples e perigosa troca entre o que é sujeito e o que é objeto numa sentença, além de contrariarmos a Constituição Federal (Capítulo do Meio Ambiente, Artigo 225), mudamos toda a noção de importância que se quer e se necessita dar ao Meio Ambiente e consequentemente minimizamos toda a questão ambiental. Dessa maneira, o Meio Ambiente passou a ser considerado um objeto sem valor, do qual alguns indivíduos de nossa espécie se apropriaram para seus interesses pessoais e cabe apenas a esses indivíduos o direito ao uso desse objeto insignificante.

Nossa cultura parece que já não tinha mais nada para socializar no interesse de grupos específicos e vulgarizar nas possibilidades de uso, por conta disso resolveu assumir que o Meio Ambiente deve ser partilhado apenas pelos diferentes grupos de seres humanos que nele habitam especificamente, sem qualquer responsabilidade ou consequência na maneira como é feita esta partilha. Em suma, assumimos uma postura ditatorial, usurpadora e antiética em relação ao planeta, às demais espécies vivas e principalmente aos demais seres humanos. Nós nos consideramos os “donos do planeta” e de todo seu espaço físico, inclusive com as demais coisas vivas, que está aí apenas para nos servir e para instigar indefinidamente a nossa imensa capacidade de degradação.

Por conta disso também, já não fazemos mais distinção entre o que certo e o que é errado. Trocamos definitivamente os sentidos do “bem estar” e do “bem viver”, ainda que as duas expressões sejam parecidas, os dois conceitos que elas implicam, na verdade, são bastante distintos. O “bem estar” tende a ser egocêntrico, momentâneo e tênue, enquanto o “bem viver” tende a ser coletivo, perpétuo e rígido. Para nós o que importa é somente a vantagem imediata do “bem estar” individual, o restante não interessa. Estamos precisando cultivar mais o “bem viver”, até para que possamos garantir algum “bem estar” efetivo e duradouro para nossa espécie, para as demais espécies planetárias e para o planeta como um todo.

A Terra necessita que encaremos o Meio Ambiente dentro de uma visão do “bem viver”, porque apenas dessa maneira é que poderemos trabalhar em prol da continuidade da vida no planeta, principalmente da vida de nossa própria espécie, que á a mais dependente de todas as espécies aqui existentes na Terra. O Homo sapiens, assim como várias outras espécies planetárias, só sobreviverá se a Terra continuar dentro de determinadas condições ambientais, as quais foram definidas pelo processo natural de evolução e permitiram o aparecimento e desenvolvimento dessas espécies. Fora desse padrão de razoabilidade ambiental nossa espécie e muitas outras se extinguirão de maneira trágica e prematura. Em muitos ecossistemas a manutenção do equilíbrio depende de características aparentemente pouco importantes aos olhos humanos, mas é exatamente nesses ecossistemas frágeis que a ação devastadora da espécie humana tem causado feridas graves e de difícil tratamento, muitas vezes sem nenhuma possibilidade de cura.

A Evolução Biológica que nos trouxe e nos manteve vivos como espécie planetária até aqui, certamente continuará seu rumo, mas a nossa espécie, pelo princípio básico da Seleção Natural, por questões óbvias, não terá como produzir nenhum mecanismo capaz de se adaptar às condições extremas que nós mesmos estamos criando e acentuando cada vez mais. Desta maneira, a extinção da espécie humana e de algumas outras será uma consequência direta dos erros que temos cometido com o Meio Ambiente planetário. Obviamente, temos certeza absoluta que conscientemente a humanidade não quer se extinguir, mas paradoxalmente ela tem trabalhado de forma deliberada e inexplicável exatamente no sentido de sua extinção precoce e inexorável.

O Meio Ambiente precisa estar no centro, não só das atenções, como se tem visto nas propagandas, mas ele precisa, principalmente, estar no centro das ações, o que ainda está difícil de se ver. Temos que parar de falar sobre o meio ambiente e temos que começar a viver de maneira ambientalmente correta. As questões ambientais devem ser tratadas com toda a relevância que merecem, haja vista que elas são as prioridades para o planeta e particularmente para a nossa espécie.

De fato, o Meio Ambiente Planetário é o que temos de mais importante, porque a Terra é a casa que abriga todos nós da espécie humana e das demais espécies de organismos vivos do planeta. Foi o Meio Ambiente que nos impôs e continua nos impondo, progressiva e gradativamente as condições que tem nos permitido a adaptação e a consequente sobrevivência evolutiva. Entretanto, com as mudanças bruscas, não poderemos continuar evoluindo, porque não será possível dar grandes saltos adaptativos. Desta forma, a evolução seguirá o seu curso no planeta, mas nós não estaremos mais nele, por conta de não podermos assumir todas as grandes mudanças adaptativas que deverão ser necessárias à nossa continuidade.

Bem, apesar de todo o procedimento errado ao longo da história, ainda continuamos caminhando e evoluindo até aqui e talvez seja possível caminhar um pouco mais. Porém, os nossos passos estão cada vez mais incertos, nossos ambientes próximos estão cada vez mais perigosos, nossas ações são cada vez mais inseguras e nossa jornada parece está ficando cada vez mais curta. Chegamos a uma encruzilhada, na qual temos duas alternativas excludentes: ou paramos e mudamos nosso modo de viver e investimos no “bem viver” ou então continuamos preocupados com o “bem estar” no pouco tempo que nos resta, antes da extinção. Não há, absolutamente, nenhuma outra alternativa e a escolha é exclusivamente nossa.

Somos uma espécie única, no meio de milhões de outras, que habita um planeta único, do qual tiramos tudo que necessitamos para viver, a despeito do interesse e das necessidades das demais espécies planetárias. Ao mesmo tempo, destruímos esse planeta e essas espécies sem nenhuma cerimônia, sem nenhum constrangimento e principalmente, sem parar para pensar que as consequências de nossas ações, só trarão prejuízos a nós mesmos.

 Lamentavelmente, a julgar as nossas ações como indivíduos, parece que a vida humana passou a se manifestar efetivamente como uma contingência individual, cuja única certeza é a morte (extinção) e não existe projeto futuro no que se refere a condição viva de nossa espécie e sua manutenção na Terra. O ideal da sustentabilidade planetária é uma utopia, pois a maioria dos seres humanos não aparentam ter nenhuma preocupação com as gerações atuais e muito menos com as futuras. O “bem estar” do presente é o único interesse. Dessa maneira, não há porque buscar o “bem viver” que pode nos levar um pouco mais para o futuro como espécie.

É claro que ainda deve existir algum tempo para nossa espécie, mas precisamos urgentemente rever os nossos procedimentos em relação ao Meio Ambiente planetário que nos mantem. Ou seja, precisamos mudar radicalmente a maneira de tratar o nosso Planeta Terra e as demais criaturas nele existentes. Não é mais possível continuar da forma que chegamos até aqui, há necessidade de criar uma nova Filosofia e de desenvolver uma nova Metodologia, que nos direcione para a noção efetiva de que o Meio Ambiente é um bem coletivo e nos permita agir na contenção imediata da degradação do planeta e que garanta nossa continuidade na Terra.

 

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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03 ago 2015

A História do Menino da Cidade Grande e o Rio Imenso

Resumo: Dessa vez trago um texto que conta a história de minha ligação com o Rio Paraíba do Sul, desde a minha infância até hoje e traz algumas informações pessoais sobre os acontecimentos e as coincidências entre eu e o Rio Paraíba ao longo dos anos. Vou fundo na memória e trago a imagem desde os ensinamentos dados por meu pai e da minha primeira professora de Geografia no ginásio até os dias atuais em que estou completando 35 anos vivendo na região valeparaibana.


A História do Menino da Cidade Grande e o Rio Imenso

Quando menino eu vinha, durante as férias, com meus pais, do Rio de Janeiro para São Paulo para visitar meus tios e meus primos, na verdade tios e primos da minha mãe, pois a tia era irmã de minha avó. Eu gostava muito das viagens e prestava muita atenção à paisagem. Naquela época, ainda na antiga Rodovia Rio – São Paulo, de vez em quando passávamos ao lado daquele “rio imenso”, o Rio Paraíba do Sul. É isso mesmo, para mim o Rio Paraíba do Sul era um “rio imenso”, pois lá na cidade do Rio de Janeiro, o maior rio que eu pude identificar era o canal do mangue, que não tem dez metros de largura. Desta forma o Rio Paraíba era, para mim, um gigante. Eu me deliciava com aquela quantidade de água e não entendia bem o que era aquilo. Acho até que eu tinha um pouco de medo, pois aquele aguaceiro me assustava ao mesmo tempo em que me atraia.

Pouco depois a estrada mudou, veio a Dutra, mas o Rio Paraíba do Sul continuava ali, aparecendo e sumindo ao lado da estrada. Eu ficava doidinho para viajar até São Paulo, só para ver aquela imensidão de rio. Nessas idas e vindas eu conversava muito com meu pai, que me informava detalhes do Rio Paraíba do Sul e de sua importância para a região. Entretanto, eu era muito jovem e não podia entender a maioria das coisas que meu pai dizia. Só sei que eu curtia muito as informações e que aqueles momentos para mim eram, além de inesquecíveis, também fantásticos. Como era bom, eu, meu pai, minha mãe e o Rio Paraíba do Sul, seguindo a estrada para São Paulo.

Lembro-me também que meu pai tinha um amigo (Senhor Ernesto) que era casado com uma Senhora (não me lembro o nome) que havia nascido no Norte do Estado do Rio de Janeiro, no Município de São João da Barra e os pais dela ainda moravam lá. Durante feriados prolongados (Carnaval, Semana Santa e outros), eu, meu pai, minha mãe, o Senhor Ernesto e sua esposa, por várias vezes fomos a São João da Barra visitar os pais da senhora. Recordo-me muito bem, que a casa onde ficávamos era muito grande. Lá também havia uma pequena fábrica de manteiga e de queijo e isso produzia um cheiro característico no ar. A casa com a pequena fábrica localizava-se muito próximo de outra fábrica muito grande, naquela época, a Fábrica do Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, muito famosa na região. Isso já faz mais de 50 anos e eu nunca mais voltei ao local, portanto não sei se essas coisas ainda existem.

Nos carnavais que passávamos na cidade de São João da Barra, tinha uma coisa muito interessante. A cidade se dividia em dois grandes Blocos Carnavalescos: os Congos e os Leões. Os dois blocos percorriam as ruas da pequena cidade e arrastavam os seus adeptos, em meio aos aplausos e às vaias dos prós e dos contra. Eu nunca tinha visto uma situação dessas, a competição era terrível, parecia uma guerra com a cidade dividida pelo Carnaval, mas aquilo durava apenas o período do Carnaval, depois tudo voltava ao normal até o outro ano. Hoje em dia, às vezes tenho vontade de voltar a São João da Barra só para ver se há algum relato ou registro histórico daquela época ou se, quem sabe, até hoje a coisa continua assim.

No fundo da casa onde ficávamos (a Fábrica de Manteiga), também passava um “rio imenso”, um rio grande (largo), caudaloso e de velocidade significativa.  Era interessante que a gente pescava da janela da casa e numa pequena parte do terreno havia um remanso e uma “prainha”, onde se podia tomar banho próximo à margem. Aquele rio, por incrível que pudesse parecer para aquele menino, também era o Rio Paraíba do Sul.

Várias vezes eu questionei meu pai sobre o tamanho daquele “rio imenso”, que eu via quando ia para São Paulo (Sul) e quando ia para São João da Barra (Norte). O Rio Paraíba do Sul era muito maior do que o que eu pensava e eu sempre me questionava: onde será que esse rio vai parar? Lembro que meu pai me explicava, mas como já disse eu era muito pequeno para entender.

Eu fazia tantas perguntas sobre o “rio imenso”, que um dia meu pai, o amigo dele (Ernesto) e o sogro desse amigo, o qual lamentavelmente não me recordo o nome, resolveram me levar num passeio. Pegamos o carro e saímos. Levou algum tempo, passamos por uma cidade bem maior (Campos dos Goitacazes) e posteriormente chegamos a um lugar fantástico em que estávamos de frente para uma praia (Atafona). Estávamos de frente para o Oceano Atlântico e lá meu pai me mostrou onde o “rio imenso” terminava, onde ele encontrava o mar. Meu pai me falou da Pororoca e, não sei o porquê, essa foi uma palavra que eu jamais esqueci. Talvez, seja pela sua sonoridade ou por ser um dos muitos ensinamentos de meu saudoso pai. Sei lá!

Engraçado, como as coisas acontecem. Eu nunca pensei que um dia fosse contar isso para alguém, mas estou aqui falando do meu saudoso pai e compartilhando de seus ensinamentos com os meus leitores. Foi ele, o meu pai, quem me ensinou sobre Pororoca, Piracema, Correnteza e outras coisas mais. E tudo isso por causa do Rio Paraíba do Sul.

Posteriormente, quando ingressei no ginásio, quando fui estudar a Geografia mais detalhadamente, na parte referente à Geografia Física do Sudeste do Brasil, a Professora (Dona Catarina, minha primeira professora de Geografia, uma mulher jovem e muito bonita), falou-me um pouco mais da Bacia Hidrográfica (acho que até então eu nunca havia ouvido falar nesse termo) do Rio Paraíba do Sul e de sua importância para o desenvolvimento do Sudeste brasileiro. É claro que muita coisa eu já sabia, pois meu pai já havia me dito, embora eu ainda não entendesse direito. Acho até que é por isso que sempre me dei bem e sempre gostei muito de Geografia.

Eu adorava as aulas de Geografia da Professora Catarina e tenho certeza que ela nunca soube disso. Nunca mais a vi, como disse lá se vão mais de quarenta e cinco anos, talvez até ela já tenha morrido, porém continua muito viva em minha memória. Tive outros professores de Geografia, mas, não sei o porquê, nenhum deles me chamou tanta atenção quanto a Professora Catarina. Dos outros, eu nem lembro mais o nome. Quem sabe era a sua beleza ou o meu interesse por aprender sobre os rios, em particular o Rio Paraíba do Sul.

O tempo passou e eu continuei crescendo, sempre indo e vindo para São Paulo, admirando o Rio Paraíba do Sul e conversando com o meu pai sobre o rio e sua importância. Depois de adulto, já dirigindo, quando eu ia sozinho pela Rodovia Presidente Dutra, algumas vezes aproveitava para parar e olhar com um pouco mais de calma aquela beleza deslumbrante daquele rio maravilhoso. Particularmente, na cidade de Barra Mansa, na pista sentido São Paulo, quando se avista o Rio Paraíba do alto. É a primeira visão do Rio Paraíba do Sul na pista no sentido São Paulo, certamente é o trecho mais lindo do Rio Paraíba do Sul. Também parei algumas vezes no trecho entre Queluz e Lavrinhas, onde o Rio Paraíba do Sul é especialmente encantador. Recentemente esse trecho perdeu um pouco de seu brilho e ficou menos interessante por causa das PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) que infelizmente lá se instalaram. Mas, essa é outra história que não vou discutir aqui.

Graduei-me como Biólogo e fui trabalhar especificamente com organismos marinhos e assim, o Rio Paraíba do Sul ficou, por algum tempo, apenas como uma imagem que eu sempre gostava de lembrar e, quando possível reviver, nas oportunidades em que eu viajava pela Rodovia Presidente Dutra a caminho de São Paulo, de Curitiba ou de outra cidade do Sul do Brasil.

Por ironia do destino ou por mais uma coincidência, depois de algum tempo, vim trabalhar aqui no Vale do Paraíba Paulista, mais precisamente na cidade de Taubaté e acabei ficando na região. Casei com uma caçapavense e meus filhos nasceram todos aqui na região. Sou cidadão valeparaibano faz 35 anos e hoje não troco essa região por nenhuma outra, apesar de todos os problemas aqui existentes.

Depois que vim trabalhar na região, algumas vezes eu vinha do Rio de Janeiro para cá de trem e desta forma eu conheci outros caminhos por onde o Rio Paraíba do Sul também passa, ao lado da linha do trem. Aliás, que saudade do trem que várias vezes me trazia do Rio de Janeiro para Taubaté ou para Caçapava e vice-versa. O fim do trem é outra daquelas coisas que não se consegue entender e que só acontecem em países como o Brasil, mas também não é disso que estamos querendo falar no momento.

Minha vinda para a região me propiciou inúmeras oportunidades de estudos naturalísticos sobre o Vale do Paraíba e sua importância no cenário nacional. Como zoólogo, primeiramente estava interessado na fauna, mas é impossível estudar os animais sem conhecer o ambiente, a sua condição geográfica e sua realidade histórica. Assim, além da Biologia Animal, também tive de estudar um pouco da Geomorfologia e da Geografia Física, da Geografia Política e obviamente da Ocupação e da História da região. Desta forma, eis que o Rio Paraíba do Sul surge novamente na minha vida, agora com um significado diferente, pois ele é, certamente, o principal agente físico na organização naturalística e ambiental da região, bem como na sua condição geopolítica e social.

Assim, ao longo do tempo, aquele menino que questionava a seu pai sobre o “rio imenso” foi voltando na minha mente e por conta disso resolvi estudar mais e conhecer a fundo o Rio Paraíba do Sul, sua história e sua importância para a região valeparaibana, para o Estado do Rio de Janeiro particularmente e para o Brasil. Sou ciente que a minha existência e de muitos que vieram depois de mim, só foi possível por conta das águas do Rio Paraíba do Sul. Se não fosse a transposição das águas do Rio Paraíba do Sul, ocorrida em 1953, o Estado do Rio de Janeiro certamente não teria a pujança que hoje possui, porque não haveria água suficiente e sem água não seria possível abrigar toda a população que hoje abriga.

Até mesmo no dia em que meu pai faleceu, o Rio Paraíba do Sul esteve presente em minha vida. Meu pai estava doente e eu já morava aqui no Vale do Paraíba fazia alguns anos e por causa de sua doença, naquela época eu ia constantemente, pelo menos dia sim, dia não, ao Rio de Janeiro. Naquele fatídico dia, saí bem cedo (por volta das 6 horas da manhã) de Caçapava e fui de carro para o Rio de Janeiro. Cheguei à casa de meus pais e peguei minha mãe, pois precisávamos estar no hospital às 10 horas. Meu pai continuava do mesmo jeito (era o quadragésimo segundo dia de coma) e os médicos nada diziam sobre melhoras. Aliás, nem podiam dizer, porque o quadro era realmente muito grave. Depois da visita, eu e minha mãe voltamos para casa, almoçamos e logo depois, rumei novamente para Caçapava.

Pouco depois das 17:00 horas, quando cheguei à Caçapava, meu sogro me informou que eu precisava voltar ao Rio de Janeiro novamente, pois minha mãe acabara de telefonar, informando que meu pai havia falecido. Isso aconteceu em julho de 1991 e naquela época ainda não havia telefone celular. Pois é, até no dia em que meu pai morreu, por três vezes margeei o Rio Paraíba do Sul. Talvez mera coincidência, mas quero crer que não, prefiro acreditar que isso tenha alguma relação, pois eu, meu pai e o Rio Paraíba do Sul tínhamos (temos até hoje) tudo a ver.

Quando voltava ao Rio de Janeiro para o velório de meu pai, acompanhado de minha mulher e meu sogro, lembrei muito das coisas que meu pai me dizia sobre o Rio Paraíba do Sul, quando eu era pequeno. Até hoje, sinto um grande prazer, quando passo em frente da entrada para Rio Claro, no alto da Serra das Araras, onde antes existia a saída para o extinto município de São João Marcos. Meu pai morou naquele lugar e adquiriu o conhecimento que procurou me ensinar sobre o Rio Paraíba do Sul. Foram exatamente o interesse industrial e a falta de coerência histórica, de sensibilidade humana e de consciência ecológica, atitudes que hoje, como ambientalista, eu combato ativamente, que destruíram aquele Município. Mas, essa também é outra história.

Hoje estou aqui, lutando pelo Rio Paraíba do Sul e pela região que ele empresta o nome. Minha mulher e meus filhos aqui nasceram e aqui eu pretendo morrer. Escrevi e publiquei inúmeros artigos sobre a Bacia do Rio Paraíba do Sul e sobre a região. Além disso, eu ministro aulas não curso de Licenciatura em Biologia das Faculdades Integradas Teresa D`Ávila (FATEA) de uma disciplina que criei por volta de 1990, denominada “História Natural do Vale do Paraíba” e aproveito aqui para contar mais essa pequena passagem da história para alguns de meus alunos.

Certamente meu pai está lá no alto, olhando para mim e para o Rio Paraíba do Sul aqui embaixo e eu me sinto muito envaidecido de seus ensinamentos. Além do mais, eu me encho de orgulho todas as vezes, quando passo pela Rodovia Presidente Dutra, na entrada da fábrica “Du Pont”, no município de Barra Mansa, onde meu pai trabalhou. Gosto de lembrar, principalmente quando passo na frente da fábrica à noite, quando ela está toda iluminada, que meu pai foi um dos responsáveis pela instalação elétrica daquela grande planta industrial e que o Rio Paraíba do Sul estava ali, bem na frente do portão da fábrica para testemunhar o trabalho de meu pai e que ele continua ali do mesmo jeito até hoje.

A saudade de meu pai é eterna, mas a proximidade do Rio Paraíba do Sul me garante que mesmo longe, observando lá do alto, ele está presente e que continuamos juntos a olhar e admirar a beleza desse rio fabuloso, o rio imenso, que corre calmo e sereno, por mais de 1.150 Km, até o Oceano Atlântico e que alimenta com suas águas os meus conterrâneos de nascimento lá no Rio de Janeiro e os meus conterrâneos de coração aqui no Vale do Paraíba. Eu sei que meu pai está feliz e sorrindo, porque sabe que o Rio Paraíba do Sul também é um espírito eterno e nos acompanhará para sempre.

 Luiz Eduardo Corrêa Lima

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04 jul 2015

Os Vírus: umas entidades diferentes

Resumo: Desta feita estou trazendo uma questão que, embora não precisasse, ainda é um problema para professores e alunos de Biologia, em função das diferentes opiniões existentes sobre a questão e das poucas ações efetivas que se preocupem de fato em solucionar essa questão. Estou me referindo ao conceito de Vírus e sua importância à luz da Ciência, questão que precisa ser tratada e resolvida para evitar dúvidas no tratamento dessas entidades pelos alunos e futuros professores.


Os Vírus: umas entidades diferentes

Ao longo da história das Ciências Biológicas, os diferentes microrganismos, ou melhor, os “micróbios”, como se dizia antigamente, receberam diferentes conceitos e definições, tendo sido considerados de inúmeras maneiras. Em tempos mais recentes, a ciência pode compreender um pouco mais sobre essas “criaturas” e assim também passou a ser capaz de explicar melhor o que são, quem são e como são elas. Entretanto, ainda hoje existe uma grande incógnita, que tem dificultado muito o entendimento, principalmente dos jovens estudantes, que não conseguem compreender porque alguns de seus professores e dos livros didáticos que eles se utilizam, tratam os vírus como organismos vivos e outros não. Enfim, qual o problema existente com os Vírus que manifesta essa dificuldade de conceituação sobre sua condição natural?

Muitos dos livros didáticos de Biologia de nível superior e mesmo livros para o ensino médio, existentes no mercado, procuram esclarecer essa questão, mas sem aprofundar a questão. Outros livros não falam nada e se esquecem que os alunos passam por diferentes professores, os quais têm diferentes formações e opiniões sobre essa e outras questões dúbias da Biologia. Os professores, por sua vez, naturalmente acabam manifestando informações conceituais diferentes sobre o grupo dos Vírus.

Desta forma a complicação só tem aumentado, porque alguns professores também não explicam e nem discutem a questão, com medo de cometer erros e assim se comprometerem ou ampliarem o grau da complicação. Outros, por sua vez, até falam no assunto, mas acabam dificultando mais o problema e os alunos ficam sem saber em quem ou em que acreditar. Quer dizer, os alunos ficam perdidos sem saber o que de fato está certo. Em suma, a confusão efetivamente existe e precisa tentar ser esclarecida.

Bem, eu pretendo aqui, trabalhar para explicar a questão, porém vou ter que causar um pouco mais de complicação no início, para finalmente tentar fazer um esclarecimento final sobre esse assunto, demonstrando que, independentemente da condição que se queira atribuir, ou seja: se os Vírus são organismos vivos ou não? O que efetivamente importa é entender que os Vírus estão aí e que eles não só existem, como muitos deles acabam causando problemas sérios nas coisas vivas existentes no planeta, inclusive e principalmente em nós, os seres humanos. O que precisa estar claro é que os problemas que os Vírus são capazes de causar independem da condição deles serem vivos ou não.

Para começar, vamos ter que ir lá na base histórica da Biologia como ciência natural. Por definição, desde a década de 1830, quando Matthias Schieiden e Theodor Schwann, depois de muito analisarem os organismos vivos, de alguma maneira, se convenceram que todas as plantas (Schieiden) e todos os animais (Schwann) são compostos de estruturas menores, que Robert Hooke, cerca de 180 anos antes (1665), já havia observado e denominado de células e assim, a partir de Schwann surgiu a primeira premissa da Teoria Celular: “todos os seres vivos são formados por células”.

Por outro lado, essas células também têm que estar vivas e ser capazes de realizar todos os mecanismos (funções) que viabilizem as diferentes atividades vitais dos organismos. Assim, como segunda premissa, a célula passou a ser considerada como “a unidade fundamental dos organismos vivos”, podendo cada organismo ser formado por um número qualquer dessas entidades, mas cada uma delas deveria representar no micro nível, aquilo que o organismo deveria ser no macro nível. Desta maneira, é fundamental que as células sejam capazes de manter as atividades vitais para que os organismos que as possuem também possam continuar vivos.

Alguns anos depois, Rudolph Virchow (1855) defendeu um dos principais axiomas da Biologia: “Omnis cellula ex cellula” (toda célula provém de outra célula). Por fim, Walter Fleming (1878), que estudou e denominou o processo de Mitose, também ampliou o conceito de Virchow e estabelecendo a terceira premissa da Teoria Celular: “uma célula só pode se originar de outra célula pré-existente”.

Obviamente depois vieram outras descobertas que comprovaram, reforçaram a Teoria e estabeleceram uma quarta premissa: “toda célula passa hereditariamente parte de sua condição à célula descendente”. A Teoria Celular e seus quatro fundamentos passaram a ser assim a base teórica do entendimento biológico do que possa ser considerado como um organismo vivo. Isto é, por definição, só pode ser considerado como organismo vivo, aquela entidade que se enquadrar precisamente na Teoria Celular.

Assim, a Teoria Celular se mantém desde então, baseada nas quatro premissas abaixo:

1 – Todos os organismos vivos são formados de uma ou mais células;

2 – Todas as células desenvolvem atividades metabólicas que as mantém vivas;

3 – Todas células se originam de outra célula, através de reprodução.

4 – As células passam material hereditário para as células filhas.

Os Vírus, por sua vez, são entidades que foram relativamente conhecidas por volta de 1880, mas somente depois de 1935, com o advento da Microscopia Eletrônica é que puderam ser observadas e permitiram uma apresentação mais clara de suas características básicas, as quais, em certo sentido, são totalmente distintas daquilo que está consagrado pela Teoria Celular, isto é, para os organismos vivos. Para começar, os Vírus, não são formados de células e não possuem nenhuma atividade metabólica e assim diferem diametralmente dos organismos vivos.

Quer dizer, os Vírus não funcionam como organismos vivos, pois além de não serem constituídos por células, também não apresentam nenhuma das funções vitais. Os Vírus não comem, não respiram, não têm circulação interna, não eliminam excretas e também não são capazes de se reproduzirem. Embora possuam ácidos nucleicos nas suas composições químicas, da mesma maneira que todos os organismos vivos, os Vírus são entidades inativas e estão mais para a condição de minerais do que para organismos vivos.

Na verdade os Vírus são um tipo de química que em condições ideais específicas reagem com a química da célula viva em que possam se encontrar e essa reação faz com que ocorra duplicação (replicação) do material viral. Ao contrário do que muitos autores dizem, mesmo indiretamente, os vírus não capazes de se reproduzir, eles são reproduzidos pelas células que os abrigam. Portanto, os vírus são totalmente dependentes da célula hospedeira que os contêm para se multiplicarem. Fora de células vivas, os Vírus são totalmente inertes.

Alguns autores dizem que os Vírus são “parasitas” obrigatórios de células vivas. Coloquei a palavra parasitas entre aspas, porque entendo que ao assumir a condição de parasita para os Vírus, equivale a determinar a condição de organismo vivo para os Vírus e eu quero aqui fazer exatamente o contrário, porque entendo que considerar um Vírus como organismo vivo é negar a Teoria Celular.  Assim, eu prefiro dizer que os vírus são “entidades químicas especiais” que ao se estabelecerem no interior de células vivas causam alterações químicas no comportamento dessas células, fazendo com que elas passem a replicar o material genético do próprio Vírus.

Não posso afirmar taxativamente que a Teoria Celular esteja efetiva e totalmente correta e que não venha existir alguma questão quanto a sua abrangência no futuro, haja vista que a Biologia sempre reserva surpresas, entretanto acredito nela como eixo de sustentação da Biologia como ciência dos organismos vivos e vejo que a grande maioria dos estudiosos da Biologia também pensam dessa maneira. Assim, devo concluir que os Vírus são “entidades químicas especiais”, como já disse, e que efetivamente não são e nem podem ser considerados como organismos vivos, porque fogem ao que está estabelecido pela Teoria Celular, que é definitiva para os organismos vivos.

Se existe consenso entre os Biólogos quanto à fundamentação da Teoria Celular, como parece claramente existir, então tem que haver consenso também quanto à conceituação dos Vírus. Caso contrário, seria melhor desconsiderar de vez a Teoria Celular, o que eu particularmente penso que seria um erro grave, pelo fato dessa teoria ter se mostrado verdadeira para os organismos vivos. Além disso, sua desconsideração também seria um desrespeito com a própria história da Biologia e dos seus agentes (cientistas) ao longo do tempo.

Os Vírus existem e isso é um fato indiscutível e trata-los como entidades especiais não os tornará menos importantes ou menos significativos, ao contrário, penso que até os tornará mais destacados, como entidades distintas de tudo aquilo que se conhece no planeta. Entretanto, trata-los como organismos vivos é cometer um erro com uma teoria histórica da Biologia, cuja definição é clara e que está embasada em critérios estritamente biológicos, os quais certamente não são verdadeiros para os Vírus.

 

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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15 jun 2015

Sem água, não existe vida

Resumo: O texto dessa semana faz parte de uma palestra que foi ministrada na cidade de Três Rios, no estado do Rio de Janeiro, na qual é destacada a importância do Rio Paraíba do Sul e sua Bacia Hidrográfica para aquele estado e chamo a atenção da comunidade fluminense para o cuidado com os recursos naturais, particularmente com a água e em especial com a água do Rio Paraíba do Sul, que, quase por acaso, seguiu em direção ao Rio de Janeiro e que talvez seja a principal responsável pelo alto grau de desenvolvimento alcançado pelo estado. Se não fosse o Rio Paraíba do Sul e suas águas, certamente a realidade seria outra.


Sem água, não existe vida

O Rio Paraíba do Sul, no passado, nascia da união natural entre os Rios Paraitinga e Paraibuna, entretanto essa união não existe mais desde que foi criada a represa de Paraibuna (maior concentração de água de nossa Bacia Hidrográfica com cerca de 63% de toda a água da região). Hoje, os dois rios (Paraitinga e Paraibuna) desaguam no lago da represa e a partir da Central da Usina Hidrelétrica do local sai o nosso Rio Paraíba do Sul. Sendo assim, o Rio Paraíba do Sul, nasce em Paraibuna/SP e percorre cerca de 1150 Km até chegar ao Oceano Atlântico, na Praia de Atafona, em São João da Barra/RJ. Eu costumo dizer, em minhas aulas e palestras, que o Rio Paraíba do Sul é um “rio burro”, porque considerando que todos “os rios caminham para o mar”, o Paraíba do Sul nasce a menos de 100 Km do Oceano Atlântico e segue para o lado errado, tendo que caminhar 1150 Km para encontrar o mesmo oceano. Mas, graças a Deus, o Rio Paraíba do Sul é esse “rio burro”, porque se não se ele não fosse assim, a grande maioria dos cidadãos do estado do Rio de Janeiro, certamente hoje não existiriam. O Rio Paraíba do Sul é o grande responsável pela atual existência de quase todos os cariocas e de muitos fluminenses e assim, também é responsável direto pela grandeza desse estado, que sem suas águas certamente não teria nenhuma outra maneira de conseguir ser o que hoje representa no cenário nacional. A capital do estado do Rio de Janeiro e todo o seu entorno, a chamada região do Grande Rio, simplesmente não possuiria nem 1/5 de sua população atual e consequentemente todas as demais coisas e necessidades que se relacionam a essa população, se não fossem as águas transpostas do Rio Paraíba do Sul, no início da década de 1950, que são levadas pelo Rio Piraí e que chegam ao Grande Rio através do Rio Guandu. É bom lembrar que na barragem de Santa Cecília, em Barra do Piraí, 2/3 do total da água do Rio Paraíba do Sul, que ali chega, é transposto para a região do Grande Rio e foi isso que permitiu o crescimento e o desenvolvimento da capital do estado do Rio de Janeiro e seu entorno. Cabe ressaltar que sem água não há como existir ocupação ou atividade humana. O Rio Guandu, na verdade, deveria se chamar “Rio Paraíba do Sul II”, porque as águas que nele correm, são as águas do Rio Paraíba do Sul. Ou seja, o Guandu é o Paraíba com outro nome e isso só foi possível, graças à transposição ocorrida. Daqui de Três Rios até a foz, a realidade é outra e a água sempre esteve presente, porque aqui o Rio Paraíba do Sul recebe uma significativa contribuição no montante de seu corpo, que são as águas que chegam de Minas Gerais através do Rio Paraibuna, oriundo da Serra da Mantiqueira e do Rio Piabanha, oriundo da Serra dos Órgãos, aqui mesmo no Estado do Rio de Janeiro. Mais à frente, a caminho da foz, a presença das águas de Minas Gerais são mais significativas ainda, com a chegada do Rio Muriaé e do Rio Pomba. A dificuldade oriunda da retirada de 2/3 de suas águas naturais não é mais sentida daqui para frente. O Rio Paraíba do Sul desce da Serra do Mar passando pelos municípios de Paraibuna e Santa Branca, indo em direção Oeste como se fosse para o município de Igaratá, mas ao encontrar a Soleira de Arujá, no famoso “Cotovelo de Guararema”, na divisa entre os municípios de Jacareí e Guararema, o Rio Paraíba do Sul não consegue continuar seguindo naquela direção e volta-se para o Norte, indo na direção do município de Jacareí e do estado do Rio de Janeiro. Pois é meus amigos, os cariocas, como eu, e os fluminenses de grande parte do restante do estado do Rio de Janeiro, devem dar Graças a Deus, porque, de repente, “tinha uma pedra no caminho”, como diria Carlos Drummond de Andrade e o Paraíba do Sul teve que desviar o seu rumo. Não fosse essa pedra, a “soleira de Arujá”, a maioria de nós, nascidos no Estado do Rio de Janeiro, depois de 1953, simplesmente não existiria. O Rio Paraíba do Sul, primo irmão do Rio Tietê, teria seguido, como seu primo, o rumo Sudoeste para atravessar o Estado de São Paulo. Graças a Deus e ao “Cotovelo de Guararema” ele teve que virar-se para o Rio de Janeiro e assim veio banhar esse estado e trazer vida com suas águas milagrosas. Entretanto, é preciso que se trabalhe em prol da natureza para que ela possa continuar trazendo bons resultados para a Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, para os seres humanos e para os demais seres que aqui vivem e que dela dependem. Mas, infelizmente, não é isso que se tem visto acontecer, mormente nos últimos anos, onde o cuidados com a água e com os recursos hídricos não têm sido considerados importantes pela maioria da população e, o que é pior, pelos governantes e administradores públicos também. Historicamente, o homem tem cuidado mal da água e particularmente da água da Bacia do Paraíba do Sul, nós temos cuidado de maneira mais degradante ainda. Parece que ainda não conseguimos entender que: “sem água, não existe vida” e que nossa água depende do Rio Paraíba do Sul e que todas as águas do planeta, que podem servir à espécie humana, dependem de cuidados especiais para que se mantenham e principalmente, para que mantenham a humanidade. Já faz muito tempo que estamos andando na contramão dos interesses dos recursos naturais que mais precisamos, ou seja, a água e o oxigênio do ar atmosférico, porém parece que ainda não nos apercebemos de que esses recursos, que são vitais, estão cada vez mais escassos e poluídos. Não sei onde vamos parar com essa mentalidade errada e com essa falta de ação efetiva para mudar o quadro absurdo em que nos encontramos. Ou melhor, eu lamentável e tristemente sei, que seguindo assim, nós vamos progressivamente caminhando para a extinção e deixando de existir. Como Biólogo, sou ciente e creio que a maioria das pessoas também saibam que, por uma questão natural, a nossa extinção é lógica e concreta, como de qualquer espécie desse planeta, porém ela não precisa ser acelerada e tornada prematura. Apenas nós, os seres humanos, podemos trabalhar para garantir que as coisas caminhem dentro da ordem natural ou podemos continuar fazendo tudo errado e acelerando o nosso processo de extinção. A decisão é apenas e tão somente nossa. Por uma questão de logicidade, nós nunca deveríamos ter andado contra a natureza, porque tudo que utilizamos vem da natureza, do nosso planeta Terra, que é único e que nos fornece tudo o que precisamos. Se consumirmos ou estragarmos tudo o que a Terra nos dá, não sobrará nada e assim não poderemos continuar a viver. É muito simples entender essa contingência lógica, mas nós somos insanos e inconsequentes e historicamente temos insistido em agir de maneira errada, sempre contra os preceitos naturais estabelecidos. É difícil determinar até onde iremos, se continuarmos assim. Mas, certamente o caminho é curto, porque já ultrapassamos os limites mais otimistas estabelecidos e parece que o planeta já não nos aguenta mais. Nossa espécie tem feito muito mal ao planeta e tudo que nele vive e já faz algum tempo, que a Terra tem nos mostrado sua ira, com catástrofes cada vez mais significativas e destruidoras, mas nós continuamos dando de ombros, como se não tivéssemos nada a ver com isso. Até quando? Assim, penso que está na hora de olharmos melhor para o Rio Paraíba do Sul e toda a sua Bacia Hidrográfica, pois do contrário as coisas efetivamente vão ficar acentuadamente mais difíceis, pois a água está presente em quase todas as atividades humanas, o que torna nossa existência extremamente dependente desse recurso natural. Nossa extinção prematura não pode se dar por uma questão tão fácil de ser entendida como essa: “sem água, não existe vida”, principalmente vida humana. Nossa espécie, certamente é a mais dependente das espécies planetárias no que diz respeito ao recurso natural água, porque enquanto os demais organismos se utilizam de quaisquer tipos de água, nós, além de tudo, dependemos de uma água que requer condições físicas e químicas especiais. Pois então, vamos por as mãos na massa e começarmos a andar na direção certa dos nossos interesses específicos. Vamos cuidar do planeta e principalmente da água. Aqui no Vale do Rio Paraíba do Sul, a água vem do rio que empresta seu nome à região, então ele tem que ser o nosso maior motivo de luta, porque ele foi responsável pela nossa existência passada, está sendo pela nossa existência presente e apenas ele poderá ser responsável por nossa existência futura. Entretanto, o futuro está nas nossas mãos, pois quem irá decidir sobre isso somos nós mesmos, os seres humanos que habitam o seu vale.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Texto apresentado no 4º Seminário de Recursos Hídricos e Saneamento do Distrito 4.600 de Rotary International:“Desafios e Soluções das questões ambientais de Três Rios”, Três Rios/RJ, 13 de junho de 2015
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21 maio 2015

A Importância Social da Divulgação Científica

Resumo: O texto trata de um assunto que embora seja muito importante e pouco discutido em nosso país, que é a Divulgação Científica e possivelmente por conta dessa carência de informação científica é que a população brasileira permaneça no marasmo em relação a outros povos. O artigo aborda o conceito de Divulgação Científica e as dificuldades metodológicas e operacionais de introduzir essa ferramenta valiosa e necessária de comunicação social nas diferentes comunidades brasileira.


A Importância Social da Divulgação Científica

Obviamente todo cidadão coerente e consciente sabe que a ampliação do conhecimento humano é consequência da progressão efetiva da Ciência e de sua aplicabilidade, isto é, daquilo que modernamente se convencionou chamar de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Por sua vez, a Ciência é um atributo próprio e particular do Cientista (Pesquisador) e ela possui linguagem, foro de discussão, local de publicação próprios e muitas vezes, bastante distantes e diferentes dos padrões comunitários e sociais mais comuns. Quer dizer, a Ciência é desenvolvida para o benefício da sociedade, mas essa mesma sociedade, muitas vezes (na maioria delas), nem mesmo conhece aquilo que a Ciência produz ou está produzindo para tentar melhorar a vida social humana, porque em geral o cientista costuma ser um cidadão bastante distante do cidadão comum nas comunidades particulares e na sociedade como um todo.

Desta maneira, a sociedade que paga a Ciência e o cientista para que sejam desenvolvidas coisas e situações melhores na vida das pessoas da própria sociedade, acaba não tendo nenhum conhecimento sobre o que a Ciência e o cientista efetivamente fazem. Pois então, na grande maioria das vezes a sociedade para qual a ciência existe, não tem nenhuma noção sobre o que e em que a ciência está trabalhando e produzindo. Isso acontece porque, em certo sentido, a ciência é muito elitizada ou, pelo menos, muito fechada em seu próprio meio e a maioria da sociedade não consegue penetrar nesse “mundo diferente”, que é o meio científico.

Mesmo os diferentes setores da ciência acabam não conversando entre si e assim tudo é realmente muito estranho no ambiente científico, mesmo entre diferentes grupos de cientistas. A informação é limitada àquelas pessoas que dependem e que de alguma forma dominam parte dessa mesma informação. É como se as demais pessoas dos demais grupos da sociedade não existissem, porque de fato, essas pessoas não têm nenhum tipo de relacionamento com o meio científico específico.

Geralmente, quando uma nova descoberta (informação) foge ao controle acima estabelecido e acaba atingindo o nível social, chegando ao conhecimento público (popular), essa descoberta já está quase que arcaica no meio científico específico no qual ela foi gerada. Obviamente existem raras e importantíssimas exceções a essa situação, que ocorrem quando a informação científica em questão está relacionada com um assunto de destaque e de grande visualização na mídia, mas isso é raro. O crescimento científico geralmente acontece através de várias situações de tentativas e erros, os quais gradativamente vão ampliando o nível do conhecimento sobre a determinada questão ou área, até que se cria uma nova ideia, que produz um nova informação, que gera um novo conceito, a desenvolve uma “nova verdade”. Em outras palavras, o conhecimento científico raramente produz grandes efeitos ou grandes saltos em pouco tempo, porque o conhecimento científico é cumulativo e assim o desenvolvimento da ciência é progressivo e gradual.

Desta maneira a Sociedade em geral, que banca e paga a Ciência e o cientista, quase nunca interfere na atividade científica em si. Na maioria das vezes, somente alguns setores do governo e do próprio meio científico são aqueles sujeitos que atuam nessa linha tênue que determina o hiato entre o que a ciência pode e deve fazer e o que efetivamente ela faz. Talvez a leitura do livro de Bernard Dixon (“Para que serve a Ciência?”), que foi escrito, em 1976, seja oportuna para permitir que os interessados possam entender um pouco melhor sobre essa questão.

O crescimento científico só é claramente percebido pela sociedade quando produz um efeito altamente significativo, isto é, um resultado positivo para muitas pessoas ao mesmo tempo. Assim, toda a trama da pesquisa científica até a “descoberta final”, parece que não são socialmente importantes, apenas o “grande resultado final” é o que importa. Nesse sentido, a ciência parece “coisa do outro mundo”, que de repente produz mágicas e os cientistas se assemelham com “super homens” que certamente não fazem parte da mesma sociedade que os demais seres humanos.

Para tentar demonstrar a veracidade desse pensamento será destacado um exemplo que deverá clarificar um pouco mais a sua abrangência. Desta maneira, imagine que hoje a grande mídia internacional anunciou a descoberta de uma nova vacina que irá currar uma moléstia até então sem cura e que por isso mesmo já havia dizimado muitas vidas humanas. Jornais, revistas, rádios, televisões, internet, enfim todo mundo informa sobre a “nova descoberta” e assim grande parte da sociedade é informada sobre a mesma. Isso acontece como se todo o processo da descoberta tivesse sido planejado, desenvolvido e concluído naquele mesmo dia, ou seja, hoje, no exemplo em questão. É como se houvesse um esquecimento de que, muito provavelmente aquela vacina estava sendo estudada, preparada, desenvolvida e testada há vários anos e o sucesso da sua criação hoje, certamente é consequência de inúmeros insucessos e de vários pequenos sucessos que ocorreram ao longo desses anos.

É exatamente assim que acontece, ou seja, tudo ocorre e a sociedade que financiou e que será a beneficiária da descoberta normalmente não fica sabendo de nada sobre esse período intermediário e dos acontecimentos que nele tenham ocorrido. Mas, esse fato gera algumas dúvidas e alguns problemas: porque a sociedade não fica sabendo o que acontece? Porque ela não quer? Ou porque “não acham” que ela deva saber? Ou porque de fato esses acontecimentos intermediários não são realmente importantes? Ou será uma mistura de todos esses motivos? Por fim, a pergunta maior é a seguinte: quem é que determina e valoriza todos esses motivos?

Por outro lado, existe uma outra questão não menos interessante e nem menos importante que são as novas terminologias e conceitos oriundos das novas descobertas ou criados a partir das novas linhas de pensamentos e novos mecanismos desenvolvidos. Essas palavras e seus respectivos significados devem e têm que ser popularizados (socializados) e entendidos ao longo do tempo, porque muitas vezes envolvem novos procedimentos e novos qualificativos específicos, sem os quais talvez não seja possível desenvolver alguma atividade consequente. Mais um exemplo provavelmente deverá permitir que se esclareça melhor o problema.

Imagine que de repente uma determinada palavra surge do nada, como se antes nada relacionado a ela existisse e começa a ser repetida inúmeras vezes aleatoriamente e as pessoas se acostumam com seu uso e seu conceito se espalha na população. Mas, se esse conceito não estiver bem estabelecido e definido, muitas vezes ele se vulgariza, de deturpa e sua aplicabilidade acaba sendo um tiro pela culatra, que ao invés de ajudar atrapalha mais a noção que se queria ter sobre a questão. Esse fato também produz uma outras perguntas: de quem é a culpa da popularização errônea e indevida do conceito, da ciência ou de quem socializou a informação? Será que essa ideia errônea não foi feita propositalmente, a fim de defender algum outro interesse?

Conforme foi tentado demonstrar, existem várias maneiras da informação científica ser apresentada e consequentemente popularizada, porém é preciso ter cautela, porque todas essas maneiras envolvem questões que podem produzir dúvida, confusão, ou mesmo erro, por causa do grande afastamento entre a Ciência e a Sociedade. Por conta disso, a informação científica precisa ser passada à Sociedade de forma clara, objetiva, com linguagem simples e verdadeira. Pois então, esse mecanismo de transmitir a informação científica à sociedade é o atributo maior da Divulgação Científica.

Para que a Sociedade e a Ciência possam caminhar lado a lado, mais intimamente ligadas e relativamente bem unidas é fundamental aquilo que se convencionou chamar de Divulgação Científica, que, na verdade, é o principal mecanismo de popularização da Ciência. A Divulgação Científica consiste em produzir informações populares sobre as informações científicas. Isto é, trazer a linguagem científica em linguagem simples, através de publicações periódicas populares não científicas, a fim de permitir que a Sociedade possa efetivamente se apropriar e tomar conhecimento da Ciência que ela financia e também sobre as questões específicas de cunho científico que possam interessar aos diferentes segmentos sociais.

Além disso, a Divulgação Científica também deve desenvolver mecanismos que estabeleçam e esclareçam os termos novos que são inseridos no meio social em função dos avanços científicos e principalmente os seus respectivos conceitos, de maneira tal que não produzam noções dúbias ou mesmo errôneas. Os termos científicos, que, a princípio são difíceis, estranhos e até aparentemente desagradáveis aos ouvidos, devem ser popularizados sem perder seus respectivos fundamentos. A sociedade deve receber o novo termo com a verdadeira noção que ele traz, sem qualquer facilitação que possa imperfeiçoar essa noção. As metáforas auxiliam bastante, pois servem para esclarecer e às vezes são muito bem vindas, porém existem determinadas situações em que elas acabam atrapalhando e assim prejudicando o conceito. É preciso ter bastante cuidado com o uso das metáforas para esclarecer questões científicas.

A Divulgação Científica é uma atividade social extremamente importante e precisa ser melhor utilizada, tanto pela mídia, quanto pela educação em geral, porque é através dela que os novos mecanismos científicos, as novas formas de pensar, agir e expressar metodológica e cientificamente são inseridos e agregados à Sociedade. Sem a Divulgação Científica a Ciência continua isolada e fechada em si mesma, como algo independente da Sociedade. A popularização do conhecimento científico é o principal atributo da Divulgação Científica e também é tarefa vital para a evolução social da humanidade como um todo, pois o conhecimento científico é também um conhecimento social e, desta maneira pertence e precisa estar disponível para todos os humanos.

Como hoje o mundo vivencia uma Sociedade com forte caráter científico e tecnológico, há necessidade que esta Sociedade esteja efetivamente mais informada cientificamente, até mesmo para poder colaborar com a Ciência em determinadas atividades que possa ser convidada a participar mais especificamente. Assim, a Divulgação Científica assume caráter preponderante, pois certamente será ela que deverá prestar as noções básicas que poderão nortear essas atividades.

É exatamente aqui nesse ponto que existem dois grandes problemas a serem equacionados e resolvidos: quem deve fazer e como deve ser passada a Divulgação Científica?

Na área restrita da Comunicação Social, o Jornalismo Científico existe quase que exclusivamente para fazer a Divulgação Científica. Assim, não há como negar que a mídia seja responsável por esse mecanismo, entretanto há de se ter a devida cautela, porque muitas vezes, em situações científicas em que há necessidade de um conhecimento específico maior da questão, a mídia acaba desinformando mais do que informando e assim atrapalha mais do que ajuda. Embora obviamente isso não possa ser considerado como uma regra, haja vista que grande parte dos jornalistas são extremamente responsáveis. Mas, a questão é que aqui não pode haver erro, pois esses erros certamente vão levar as comunidades mal informadas a situações progressivamente mais difíceis.

Alguns indivíduos que tenham conhecimento específico da área científica em questão, talvez sejam bons instrumentos para fazer a Divulgação Científica, mas, algumas vezes, esses indivíduos não têm a disponibilidade ou mesmo a habilidade necessária para fazer a comunicação com a devida eficiência. Muitas vezes é difícil para um cientista escrever ou mesmo falar de maneira não científica, isto é, eles apresentam dificuldade para falar ou escrever numa linguagem simples ou para se comunicar de maneira clara e isso também dificulta a Divulgação Científica.

Por outro lado, existem algumas pessoas de boa formação e com considerável carga de conhecimento científico, que trabalham ou já vivenciaram atividades associadas à pesquisa científica e que estão disponíveis. Algumas dessas pessoas tem razoável habilidade como comunicadores, além de boa capacidade para escrever e por isso mesmo, podem (devem) ser indicadas para fazer essa ligação entre o meio científico e a sociedade em geral. Vários são os exemplos de pessoas que se enquadram nesse perfil e têm atuado efetivamente como divulgadores científicos, produzindo resultados excelentes.

Enfim, a Divulgação Científica é um setor que ainda precisa crescer muito no Brasil, principalmente no que se refere a algumas áreas como as Questões Climáticas e Ambientais, a Biodiversidade, a Sustentabilidade, a Bioengenharia, a Tecnologia de Informática, a Astrofísica e a Genética as quais, em última análise, estão, por questões óbvias, mais em voga na atualidade. Aqui no Brasil, salvo raríssimas exceções, infelizmente algumas revistas do setor que deveria ser de Divulgação Científica, não condizem bem com esse propósito. Além de propaganda em excesso, essas revistas trazem matérias muito mais relacionadas à pseudociência, às crendices e ao sensacionalismo, do que propriamente à Divulgação Científica. Como eu disse anteriormente, acabam desinformando mais do que informando.

A Ciência, seja ela qual for, é uma condição do natural e do real, por isso mesmo tem que ser passada e demonstrada sem paixão e sem exageros, mas infelizmente não é isso que se tem visto por aí. Outros interesses, infelizmente não científicos, acabam sendo os fins mais imediatos de algumas dessas revistas que se dizem de Divulgação Científica.

As respostas para muitas das perguntas lançadas aqui nesse pequeno ensaio, devem ser encontradas em artigos de Divulgação Científica sérios que esclareçam as questões e que não tomem nenhum partido, além daquele que a ciência em questão demonstra. É difícil pensar numa atividade humana em que não se estabeleçam as paixões, mas é assim que tem que ser feita a Divulgação Científica. Depois de popularizada, qualquer que seja a ideia, é possível sim, que seja até mesmo mais salutar, ter opiniões e paixões, mas aí, essa ideia já deixou de ser uma questão da Ciência e passou a ser um mecanismo de comunicação social como outro qualquer e assim, sujeito a todas as vicissitudes da sociedade humana.

A Ciência precisa atingir o nível social, mas tem que chegar lá, com base científica e não mitológica ou carregada de sentimentos. Entretanto, depois que a sociedade recebe a informação (Divulgação Científica) se ela quiser tratar a questão como um mito ou como algo impregnado de paixão, aí será um problema da sociedade, mas essa contingência posterior que não pode, de maneira nenhuma, ser uma posição inicial oriunda do divulgador científico que servirá como norteador dessa ou daquela tendência na sociedade.

O divulgador científico, assim como a Ciência, tem que ser neutro, pelo menos, enquanto está agindo como divulgador científico, porque a opinião pública deve ser estabelecida e desenvolvida a partir da informação e não da carga sentimental que nela estiver envolvida. Quando se vislumbra uma informação já viciada por paixões e crendices pessoais, na verdade produz um processo maior que conduz à massificação daquilo que realmente deveria ser apresentado e isso não é bom, pois cria uma deturpação da informação, que pode levar a um preconceito, antes mesmo que o conceito real da questão possa ser estabelecido.

Infelizmente, o fato acima descrito tem ocorrido num número significativo de vezes com assuntos relacionados à divulgação científica, por conta de grupos sociais específicos e interessados em dificultar o entendimento de certas questões de cunho científico. Obviamente isso tem trazido problemas sociais maiores, porque se cria uma verdade social a partir de uma mentira real, o que é, no mínimo, um contra senso social e que gera uma anomalia (deformação) na sociedade.

De qualquer maneira, com ou sem problemas, a Divulgação Científica é uma atividade que ainda necessita crescer bastante em nosso país, porque é preciso melhorar o conhecimento científico e tecnológico da população brasileira e consequentemente o envolver mais as comunidades com as questões científicas. Esse é um desafio do governo e de toda a sociedade brasileira, porque o mundo moderno tem sido orientado e tem caminhado na direção do progresso da Ciência e o Brasil para conseguir ocupar o seu lugar entre as grandes nações do planeta, não pode continuar perdendo o trem da história, por falta de informação de seus cidadãos, em consequência da carência de Divulgação Científica.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

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16 maio 2015

Responsabilidade Socioambiental, um conceito que veio para ficar

Resumo: Desta feita estou comentando sobre a Responsabilidade Socioambiental. Esse é um tema que tem estado muito presente na mídia nos últimos anos e que diz respeito à postura das empresas quanto à Sociedade e ao Meio Ambiente. Além da necessidade real de tratar esses aspectos da maneira mais correta possível, existe também a tarefa de buscar produzir o crescimento empresarial dentro dos preceitos da Sustentabilidade, através de práticas efetivas e contínuas de mecanismos que potencializem o Desenvolvimento Sustentável.


Responsabilidade Socioambiental, um conceito que veio para ficar

Introdução

Se voltarmos num tempo relativamente recente, talvez tenhamos uma grande surpresa no que se refere a atividade social das empresas e suas relações com a comunidade próxima, além da preocupação sempre crescente com os recursos naturais e com a localidade, isto é, o ambiente onde está inserida. Para que seja possível identificar o simples conceito do que era entendido como responsabilidade social no campo empresarial naquele momento, bastava apenas lembrar que uma empresa era apenas mais uma entidade social, que gerava empregos e cujo objetivo principal era produzir produtos e lucro. Hoje, certamente houve significativa mudança de postura e grande evolução na visão social das empresas. Naquela época, apenas se cumpriam leis e normas regimentais trabalhistas existentes no interesse quase que exclusivo do lucro, o que se diferencia muito da tendência clara que se manifesta no momento atual.

Atualmente, o lucro obviamente ainda continua sendo o principal interesse de qualquer empresa, principalmente numa condição capitalista como a que é vivenciada aqui no Brasil. Mas, além do lucro, hoje existem outras questões que também estão em jogo e desta maneira, passou a ser fundamental que se realize o dever de casa com atenção, presteza e eficácia para não se perder concorrência e por conta disso, também acabar perdendo crédito público, competitividade e terminar caindo no nível mercadológico e consequentemente diminuindo o lucro. Em síntese, hoje o lucro faz parte de um todo maior, que qualifica a empresa, melhora o processo e a produção, além de propiciar a capacidade de incrementar mais ainda o próprio lucro da empresa. É um tipo de mecanismo “ganha-ganha”, onde a empresa se engrandece, a sociedade se beneficia e o meio ambiente é tratado com o devido respeito.

Nenhuma empresa sobrevive sem lucro e por isso mesmo nenhuma empresa pode deixar de agir em função desse mesmo lucro. Entretanto, a maneira pela qual o lucro pode ser garantido e mantido ao longo do tempo, depende muito de como a empresa trata algumas das outras questões relacionadas com o seu processo de produção, além de puramente se preocupar com os números específicos da economia e do capital monetário. O valor tornou-se algo muito maior do que apenas custo econômico (preço) e dinheiro. As empresas passaram a buscar esse valor maior, pois a partir dele conseguem satisfazer seus clientes, competir com as outras, vender seus produtos, além de gerar mais lucro e rendimento para os seus acionistas. A ideia contida no conceito de Responsabilidade Socioambiental passa exatamente por essas outras questões que levaram as empresas a galgar a aquisição desse valor diferenciado. O grau de importância da empresa para a sociedade cresceu bastante com essa nova visão, pois ela deixou de ser uma mera geradora de emprego e passou a fazer parte integrante e significativa de todas as ações comunitárias.

Abordagem Histórica e Situação Atual

A partir da década de 1970, a humanidade começou a criar novos padrões daquilo que, num primeiro momento, resolve-se inicialmente denominar de responsabilidade empresarial e que, posteriormente, com o crescimento e aperfeiçoamento passou a ser chamado pelo termo Responsabilidade Social. Naquela época as empresas, principalmente as megaempresas multinacionais, foram consideradas e certamente elas eram mesmo, as grandes vilãs da degradação ambiental planetária. Hoje, por mais vilãs que muitas continuem sendo, existe a possibilidade delas se manifestarem de uma maneira menos drástica o que, em alguns casos, serve como maneira de mascarar sua irresponsabilidade, mas em outros é efetivamente um mecanismo que justifica e minimiza os padrões perversos de produção.

Esse novo modelo de empresa toma cuidado com o meio ambiente, fazendo gestão ambiental e buscando a certificação pela Norma ISO 14000, além de tratar bem as pessoas com quem se relaciona (empregados, distribuidores e fregueses), algumas vezes, também querendo conseguir a certificação pela ISO 26000. Pois então, é esse ideal básico que ampara a noção maior daquilo que se estabeleceu como Responsabilidade Socioambiental. As empresas têm como base corporativa a obrigação maior (responsabilidade) de gerar lucro para si, seus empregados e seus acionistas, porém respeitando as pessoas e o meio ambiente, dentro do preceito maior de sustentabilidade. Isto é, garantindo a continuidade do processo e mantendo a qualidade de vida para as futuras gerações.

O Relatório do Clube de Roma (Os Limites do Crescimento), publicado em 1972, expos claramente a situação do planeta, no que diz respeito a limitação dos recursos naturais e da consequente possibilidade real de extermínio total desses recursos. A partir desse relatório passou a surgir uma cobrança popular maior sobre os governos, os quais, por sua vez, passaram a manifestar maior preocupação com as questões ambientais e com os recursos naturais, endurecendo a legislação e exigindo das empresas maiores compromissos e obrigações. Logo depois, também ocorreu uma preocupação maior das empresas com os seus funcionários e com todo o pessoal envolvido nos seus respectivos processos. Foi dessa maneira que se notabilizou o conceito de Responsabilidade Socioambiental.

As empresas modernas, longe de querer serem malvistas e odiadas, como aconteceu no passado recente, têm agora uma nova imagem na opinião pública e melhoram progressivamente essa condição. Algumas dessas empresas, às vezes até assumem a obrigação dos governos e criam mecanismos que tentam impedir ou minimizar os danos ambientais e ampliam as possibilidades de vantagens aos seus funcionários e demais colaboradores, demonstrando suas respectivas preocupações com o ambiente e com a sociedade, além, obviamente, de seu interesse econômico primário. A Responsabilidade Socioambiental também está diretamente associada a esta preocupação econômica e visa garantir resultados sempre positivos, para manifestar na população e na opinião pública uma visão favorável e positiva sobre a empresa. Com a Responsabilidade Socioambiental surgiu uma nova visão de empresa que é capaz de produzir mais, gerando mais dinheiro, gastando menos recursos e respeitando o meio ambiente e a sociedade, em particular o seu entorno e a sua comunidade próxima.

A Sustentabilidade e a Responsabilidade Socioambiental

Como foi dito anteriormente a Responsabilidade Socioambiental guarda uma relação direta e progressiva com a o Desenvolvimento Sustentável e consequentemente com a Sustentabilidade. As empresas que trabalham dentro do padrão da Responsabilidade Socioambiental necessariamente são empresas sustentáveis ou que estão caminhando fortemente nessa direção, pois atuam de acordo com o tripé que norteia o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade: o ambiente, a sociedade e a economia. Assim, muitas dessas empresas já galgaram e conseguiram suas certificações pelas Normas da série ISO 14.000 e ISO 26.000, que tratam diretamente dos assuntos em questão e aquelas já engajadas, mas que ainda não estão certificadas, certamente estão buscando conseguir seus certificados. Assim, a natureza (o Planeta Terra) e a sociedade (a Humanidade) é quem saem ganhando.

Os programas de gestão ambiental em acordo com os preceitos da Série de Normas ISO 14000, foram criados para diminuir o impacto provocado pelas empresas sobre o meio ambiente e assim, preconizam o uso responsável dos recursos e minimizam o desperdício e a produção de resíduos. Muitas empresas que utilizam recursos naturais e geram poluição ou causam danos ambientais através de seus processos de produção, estão desenvolvendo novos padrões de produção e tecnologia de produção mais limpa (P + L), visando melhorar o trato com os recursos naturais e com o ambiente. Seguindo o que está estabelecido nas normas ISO 14000, muitas dessas empresas podem, devem e têm conseguido reduzir significativamente os danos ao meio ambiente. As Normas determinam, entre outras coisas, que a empresa tenha que tratar os recursos naturais (matéria prima) de seus produtos dentro dos preceito estabelecidos pela legislação vigente e de maneira sustentável.

Por sua vez a ISO 26000, determina que sejam respeitados 7 princípios fundamentais para o cumprimento da responsabilidade social das empresas, são eles: 1 – convém que a organização preste contas e se responsabilize por seus impactos na sociedade, na economia e no meio ambiente; 2 – convém que uma organização seja transparente em suas decisões e atividades que impactam na sociedade e no meio ambiente; 3 – convém que uma organização comporte-se eticamente; 4 – convém que uma organização respeite, considere e responda aos interesses de suas partes interessadas; 5 – convém que uma organização aceite que o respeito pelo estado de direito é obrigatório; 6 – convém que uma organização respeite as normas internacionais de comportamento, ao mesmo tempo em que adere ao princípio de respeito pelo estado de direito; 7 – convém que uma organização respeite os direitos humanos e reconheça tanto sua importância como sua universalidade.

Obviamente as empresas tem investido tempo, trabalho e recursos financeiros na busca do atendimento das orientações previstas nas normas e os resultados têm sido cada vez mais promissores. Os avanços, ainda que relativamente distintos em diferentes setores, em função da própria diversidade industrial são notórios. De qualquer maneira, a onda que se estabeleceu no mundo empresarial por conta da Responsabilidade Socioambiental, parece uma tsunami de bons resultados, que não para de crescer. Enquanto o mundo está preocupado com as catástrofes ambientais cada vez mais significativas, o setor industrial está investindo bastante nessa catástrofe do bem que é a Responsabilidade Socioambiental.

Considerações Finais

Enfim, a Responsabilidade Socioambiental empresarial está aí e certamente está estabelecendo um momento novo na história do desenvolvimento industrial, no qual a empresa e a sociedade têm caminhado em comum, visando o respeito básico e a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais, tentando garantir os interesses coletivos e a principalmente a qualidade de vida. Ao que parece, esse modelo veio para ficar e não será apenas mais um modismo. Aos poucos, as empresas estão se adaptando e a Responsabilidade Socioambiental está se consolidando não só como um novo modelo empresarial, mas como a única forma possível que as indústrias possuem para tentar agir de maneira efetivamente sustentável.

Claramente o direcionamento em prol da Responsabilidade Socioambiental aparenta ser um caminho sem volta e as empresas que seguirem esse caminho obviamente continuarão crescendo. Por outro lado, aquelas empresas, que por algum motivo, ainda não se direcionaram para esse novo caminho, deverão correr rapidamente para ele, porque do contrário tendem a desaparecer.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Referências

ABNT: NBR ISO 14.001 – Sistemas da gestão ambiental – Requisitos com orientações para Uso, 2004.

ABNT: NBR ISO 26.000 – Diretrizes sobre a Responsabilidade Social, 2010.

LEMOS, H.M. As Normas ISO 14.000, Instituto BRASIL PNUMA, 2013.

MEADOWS, D.; MEADOWS, D.; RANDERS, J. & BEHRENS III, W. W. The Limits to growth, New American Library, New York, 1972


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03 maio 2015

Considerações sobre a Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba

Resumo: Nesta semana estou trazendo um texto novo sobre uma questão relativamente antiga, que é a Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba. Aproveitei um texto antigo (2008) e atualizei para esta publicação e acredito que tenha ficado bom. O texto trata da questão de maneira crítica e destaca os aspectos negativos e positivos do crescimento desse cultivo na região. São feitos questionamentos sobre a grande quantidade de área plantada para fins estritamente comerciais e sobre a falta de pesquisa de outras plantas nativas que possam substituir, ao menos em parte, as funções do eucalipto.


 

Considerações sobre a Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba*

Já faz alguns anos, 30 pelo menos, que a região do Vale do Paraíba vem sendo “invadida” pelas “florestas plantadas de eucaliptos”. No início eram várias as empresas que atuavam na área, mas hoje toda a exploração é praticamente controlada por uma única empresa. Embora o número de empresas que atuam no setor tenha diminuído, o problema em si tem aumentado muito e agora atingiu proporções sem precedentes, haja vista que hoje existem mais de 350 fazendas na região com plantações significativas de eucaliptos. Alguns municípios da região têm mais áreas plantadas com eucalipto do que com qualquer outro uso ocupacional, em certos casos com área de plantio superior a 10% do total do município, o que caracteriza uma monocultura bastante abrangente. Houve municípios que já propuseram legislações específicas para definir áreas para o cultivo do eucalipto em suas terras e alguns até proibiram o plantio da cultura, mas a maioria ainda trata a questão superficialmente.

Quero deixar aqui claramente exposto que, embora eu tenha uma opinião pessoal sobre a questão, não vou defender uma posição contrária ou a favor do plantio de eucalipto no mundo, vou apenas tentar discutir a questão dessa monocultura no Vale do Paraíba, do ponto de vista histórico, social e ambiental. Obviamente toda história tem, pelo menos, dois lados e eu não vou fazer sensacionalismo e nem provocar uma “guerra fria” sobre o assunto, vou apenas e tão somente me ater aos fatos e ao conhecimento que se tem do assunto, tentando discutir esses aspectos e a partir deles deixar o leitor analisar e concluir sobre a problemática.

O eucalipto foi introduzido no Brasil na década de 1930. Isso quer dizer que os bisavôs da maioria das pessoas hoje vivas, nunca viram, se quer, um pé de eucalipto, pelo menos aqui no Brasil. Desde então se passou a plantar eucalipto, inicialmente apenas para a produção de carvão vegetal, depois como essência madeireira e mais recentemente se descobriu também sua aplicabilidade como matéria prima na produção de papel, além de sempre ter sido também empregado como terapêutico na área da saúde e como madeiramento estrutural na área da construção civil. Quer dizer, o eucalipto é realmente uma árvore importante e que historicamente sempre se apresentou com várias utilidades comerciais e consequentemente possui grande valor social e econômico.

Na época em que o eucalipto aqui chegou, nós ainda não tínhamos nenhum conhecimento acerca do que representava, do ponto de vista ambiental, a introdução de organismos exóticos e nem imaginávamos que o eucalipto fosse uma essência tão fortemente competitiva e que, além de tudo, exigia muita água do ambiente onde vivia. Aliás, naquela época, mesmo que soubéssemos de algumas dessas coisas, certamente elas ainda não eram considerados problemas ambientais e assim essas não eram questões importantes. Nós apenas sabíamos que o eucalipto produzia uma madeira reta, bastante uniforme e de boa qualidade para ser usada como lenha, ou na carpintaria e na marcenaria.

Hoje nós temos muitas informações sobre as questões ambientais e também sobre o eucalipto, inclusive sobre a sua capacidade de impedir que outras plantas se instalem e se desenvolvam nos locais onde ele se encontra, devido a sua capacidade competitiva. Sua exigência acentuada de água, principalmente nos primeiros anos de vida, que faz com que suas raízes pivotantes procurem água cada vez mais fundo, secando, ao longo do tempo, o ambiente à sua volta.

Ora, o Vale do Paraíba, como o próprio nome diz é um vale banhado pelas águas do Rio Paraíba do Sul e seus afluentes e constitui-se numa região primitivamente plana e alagadiça, margeada por duas cadeias de montanhas, onde nasce e de onde correm as águas. A vinda e o plantio acentuado do eucalipto mudaram um pouco essa condição, pois as áreas alagadiças foram progressivamente desaparecendo, até porque uma planta como o eucalipto não se desenvolve muito bem num terreno alagado.

Entretanto, a condição hídrica do Vale do Paraíba e consequentemente o seu solo há muito tempo não são as mesmas do início (estado primitivo), por conta de sucessivos usos indevidos. Primeiro foram os cafezais, depois foi o pisoteio pelo gado leiteiro e o plantio da braquiária como forrageira para alimentar esse gado. O solo se exauriu e em muitas áreas da região chegou a estagnação quase que total, caminhando paulatinamente para a desertificação e inviabilizando qualquer tipo de uso, além do industrial ou do imobiliário, haja vista que a recuperação desse solo, embora possível, é extremamente vultosa do ponto de vista econômico.

A História do Vale do Paraíba nos mostra que sempre tratamos do solo e da água outrora bastante abundante na região de maneira errada. Destruímos toda a floresta primitiva da calha do vale e se também não destruímos totalmente as florestas de encosta das Serras do Mar e da Mantiqueira foi por causa do difícil acesso a algumas áreas, principalmente do lado Leste, onde fica a Serra do Mar, que embora mais baixa, apresenta um relevo mais complicado ao acesso humano. Não podemos mais nos dar ao luxo de degradar o que ainda resta.

Pouco sobrou do estado primitivo e esse pouco se encontra exatamente nas encostas das serras, pois no vale propriamente dito, praticamente toda a vegetação primitiva desapareceu. Por outro lado, mesmo os processos sucessórios naturais que se desenvolveram ao longo do tempo nas áreas abandonadas, levaram a formação de uma vegetação muito diferente daquela que anteriormente existiu na região. Em outro trabalho que publiquei (LIMA, 1989), chamei essa vegetação estranha de “cerrado valeparaibano” e de lá para cá esse termo tem sido repetido por vários autores.

Obviamente o eucalipto não tem culpa nenhuma desses fatos, porque as fazendas com o solo exaurido e a carência de água já estavam ocorrendo na região por conta do uso indevido histórico, muito antes da chegada do eucalipto. Mas, de qualquer forma, implantar a monocultura de eucalipto numa região com as características que o Vale do Paraíba apresenta hoje é o mesmo que “tentar apagar um incêndio colocando gasolina”, ou seja, isso só aumenta o problema e o risco de desertificação.

É claro que as empresas que exploram o eucalipto têm recuperado muitas áreas e isso seria muito bom se não fosse plantado o próprio eucalipto nessas áreas ou se fosse deixada alguma coisa sobre o solo posteriormente. Quando acaba o ciclo proposto, em torno de 21 anos, se o local onde se plantou o eucalipto for novamente recuperado e plantado tudo bem. Entretanto, não é isso que acontece e depois da última retirada da madeira, dificilmente nascerá qualquer coisa naquela área, pois o solo volta a ficar totalmente incapaz de manter qualquer cultura. Assim, o processo de desertificação desencadeia-se na área.

No início da década de 1990 tive a oportunidade de escrever um pequeno artigo (LIMA, 1992), onde chamei a atenção para a desertificação na região e sugeri algumas coisas a serem feitas para minimizar o problema. De lá para cá, nada mudou. Ou melhor, quase 25 anos depois, mudou sim, certamente a situação está muito pior do que antes, porque existem muito mais áreas abandonadas e nada foi feito em relação à questão.

Nosso país é primeiro do mundo em biodiversidade natural, com cerca de 20% das espécies vivas da Terra. Nada se compara ao Brasil no que diz respeito as diferentes formas de organismos vivos do planeta. Mas, aí fica a pergunta: será que nós não podemos encontrar uma essência nativa menos exigente que o eucalipto para suprir e quem sabe até superar os múltiplos usos do eucalipto para o bem do Brasil, da manutenção das florestas nativas brasileiras e quem sabe até da humanidade? Eu creio que a resposta para essa pergunta esteja na proporção direta do investimento em pesquisa que for feito para descobrir tal possibilidade. Entretanto, como não se investe nesse tipo de questão, dificilmente encontraremos a resposta. Infelizmente, sempre é mais fácil fazer o que já se sabe, importando tecnologia e pagando “royalties”, do que se tentar criar algo novo e diferente.

No que diz respeito ao nosso Vale do Paraíba acho que transcendemos o limite do possível e temos que começar a frear a monocultura de eucalipto na região, principalmente por conta da fragilidade ambiental em consequência dos erros históricos de ocupação e uso que o vale sofreu. No passado não tínhamos conhecimento e não sabíamos que fazíamos errado, nós apenas errávamos, achando que estávamos fazendo direito. Mas hoje, nós temos muitas informações e todos os motivos para não errarmos mais. Hoje, nós estamos cientes de que o interesse estritamente econômico de alguns pode nos levar a inviabilidade ambiental, social e econômica de toda a região.

Já destruímos e degradamos tanto que hoje nós sabemos que as florestas plantadas e monoculturas são maléficas ao meio ambiente e por isso mesmo só devem existir em áreas já degradadas. O Vale do Paraíba, como tantas outras áreas desse país, possui inúmeras áreas degradadas que podem e devem abrigar florestas plantadas. Entretanto, é fundamental que compatibilize a cultura que se quer plantar com as condições biogeoquímicas e climáticas da região. O eucalipto por vários aspectos não se presta à toda região do Vale do Paraíba, assim como outras culturas também não se prestam a todas as outras regiões. É preciso ter parcimônia e tratar a questão com todo o cuidado e atenção que ela merece.

Infelizmente, da maneira como tem sido desenvolvido o processo de cultivo, apenas os empresários e os comerciantes do produto conseguem ganhar com o plantio do eucalipto. Mesmo a geração de empregos no setor é muito pequena e o nível desses empregos é baixíssimo. Além disso, alguns municípios se quer ganham alguma coisa com o plantio em seus territórios, pois as sedes das empresas e distribuidoras das toras de madeira estão localizadas em outros municípios e todo o imposto acaba indo para esses outros municípios.

O que está faltando nesse país ou pelo menos aqui na região do Vale do Paraíba, é um projeto que viabilize novas tecnologias a partir da exploração de espécies nativas que possam ser economicamente tão viáveis quanto o eucalipto. Ao invés de ficarmos imitando o resto do mundo nas coisas erradas, por que não procuramos desenvolver tecnologias novas com coisas nossas? Não é possível que não se encontre uma planta na flora brasileira que não possa fazer tudo ou mesmo parte do que o eucalipto faz, sem causar os problemas que ele causa. Certamente essa planta existe, o que precisamos é trabalhar no sentido de procurá-la e encontrá-la e colocar seus benefícios aos interesses do Brasil e da população brasileira.

Há um ditado que diz que muitas vezes “o barato sai caro”. Plantar eucalipto pode ser aparentemente mais barato, entretanto, ao longo do tempo o preço a ser pago possivelmente não compensará a economia obtida no início. Quem continuar duvidando que pague para ver. Mas eu, humildemente, recomendo que se reavalie essa forte tendência de achar que o eucalipto é a solução de muitos dos problemas econômicos humanos da região. O eucalipto é uma planta importante, mas precisamos ter os pés no chão quanto à sua exploração intensiva.

No Brasil, em geral e no Vale do Paraíba, particularmente, o eucalipto, ainda que seja uma cultura importante, tem trazido mais problemas do que soluções para as populações locais onde ele é plantado em larga escala, exatamente porque não se estabelecem critérios para o plantio. Assim, como o interesse é estritamente comercial, planta-se a muda e corta-se o eucalipto ainda jovem, sem que haja tempo suficiente para que as plantas comecem a devolver aquilo que tiraram intensamente, porque não atingiram ainda seu estágio adulto, onde as trocas metabólicas passam a se equilibrar com o ambiente. Na verdade, a cultura intensiva está sempre tratando com o eucalipto jovem e talvez por isso o desastre seja efetivamente muito grande.

O problema mais agravante não está apenas na monocultura do eucalipto, mas sim na sua exploração intensiva, ocupando imensas áreas, sem controle e sem garantias de manutenção do solo e das águas dessas áreas para outros usos posteriormente. Na verdade a questão que se coloca é da sustentabilidade do plantio do eucalipto, ou seja, da condição ambiental, social e econômica desse plantio ao longo do tempo, para garantir os direitos das populações que ainda virão ocupar a região e que também deverão ter todo o direito de usá-la. Assim, creio que nós precisamos apenas estabelecer critérios mais sustentáveis sobre o plantio de eucalipto no Vale do Paraíba.

De qualquer forma, entre o nada e o eucalipto, que se plante o eucalipto, pois qualquer coisa é sempre melhor do que nada, mas é preciso que não se corte a floresta tão vorazmente. É preciso que se deixe a floresta seguir o seu curso em algumas regiões. Isto é, onde não há mais o que fazer, porque o solo efetivamente se exauriu totalmente, que se plante o eucalipto e que se deixe essa plantação apenas como cobertura para o solo. Ao longo do tempo, por pior que o eucalipto possa ser, ele ajudará na recuperação da área e algumas décadas depois, o sub-bosque que se formará completará o serviço, mas é claro que, por melhor que possa parecer, nada será como foi antes. Mas, ainda assim o resultado será ambientalmente benéfico.

Luiz Eduardo Corrêa Lima**

  REFERÊNCIAS LIMA, L.E.C., Considerações Ecológicas sobre o Vale do Paraíba, Fundação Nacional do Tropeirismo, Caçapava e Centro Cultural Objetivo, São Paulo. 1989. LIMA, L.E.C., A Desertificação do Vale, Jornal O Vale Paraibano, N˚. 1016, São José dos Campos, 10 de julho de 1992. LIMA,L.E.C., A Questão da Monocultura do Eucalipto no Vale do Paraíba, www.recantodasletras.com.br/autores/profluizeduardo, (T1122038), 10 de agosto de 2008.   *Este artigo foi modificado e atualizado pelo próprio autor a partir do texto original: “A Questão da Monocultura do Eucalipto no Vale do Paraíba”, publicado em 10/08/2008, no site www.recantodasletras (T1122038). **Luiz Eduardo Corrêa Lima (59) é Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor, Ambientalista e Membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CBH/PS); foi Conselheiro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA/SP), Vereador e Ex-Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.]]>

21 abr 2015

Enriquecimento Humano X Empobrecimento Ambiental na Região do Vale do Paraíba do Sul

Resumo: Nesta semana estou trazendo um texto antigo, que foi publicado pela primeira vez em 2008, mas que continua atualíssimo. O texto trata da questão da ocupação e do desenvolvimento do nosso Vale do Paraíba do Sul, que infelizmente continuam acontecendo para os interesses particulares de alguns, em detrimento das necessidades da grande maioria de cidadãos da região, sem nenhuma preocupação com o meio ambiente e com o recursos naturais. Existe uma necessidade premente de mudança dessa postura para que se possa manter a qualidade de vida e garantir o desenvolvimento sustentável da região.


Enriquecimento Humano X Empobrecimento Ambiental na Região do Vale do Paraíba do Sul

A História até tem demonstrado que toda vez que o homem pensou e agiu apenas economicamente, os resultados foram terríveis para o ambiente e consequentemente para a qualidade e vida dos próprios humanos. Aqui no Vale do Paraíba do Sul não tem sido diferente e nós já deveríamos ter aprendido a pensar de outra forma e agir de acordo com essa nova forma, mas até hoje não fizemos o dever de casa e continuamos pensando apenas economicamente como o resto do país e de grande parte do planeta. Esse ensaio tem a pretensão de analisar e comparar os grandes projetos e programas econômicos desenvolvidos na região com seus respectivos resultados sociais e ambientais.

A região começou a sofrer desde cedo, ainda no século XVIII, com a exploração da cana-de-açúcar, porém naquela época as culturas eram praticamente de subsistências e, embora já fossem danosas, ainda não causavam grandes impactos ambientais, apenas trocavam parte da vegetação natural pelo cultivo da cana-de-açúcar. As populações daquela época eram ainda muito pequenas, os interesses econômicos locais ainda muito insipientes e assim não havia grande significado nos impactos ambientais produzidos.

Com o advento da Monocultura Cafeeira, a partir de 1820, foi que coisa começou a ficar bastante desagradável ao Meio Ambiente na nossa região, pois foi nessa época que a vegetação nativa começou a sofrer grandes modificações para dar lugar a imensas plantações do café (Coffea arabica), o famoso “ouro negro”. A vegetação natural do Vale do Paraíba do Sul, propriamente dito, e parte das encostas das Serra do Mar e da Serra Mantiqueira praticamente foram exterminadas, restando apenas poucos e parcos capões em algumas áreas de difícil acesso ou por interesses particulares de alguns proprietários mais cautelosos e coerentes ou menos avarentos. No restante das áreas, onde foi possível o café foi plantado.

Foram cerca de 100 anos de Ciclo do Café, que endinheirou muitos fazendeiros, que cresceu (inchou) as cidades e que levou o Vale do Paraíba a ser a região maior produtora e exportadora de café do país. Muita gente ficou rica, mas o crescimento (inchaço) das cidades naquela época, trouxe problemas ambientais sérios e a quantidade de pobres na região já era muito maior do que a de ricos. Primeiro porque no início a mão de obra era escrava e não fazia parte da balança comercial e muito menos da circulação do dinheiro e segundo porque o grande produto econômico ficava em poder de pouquíssimas pessoas, as quais eram efetivamente muito ricas, mas viviam cercadas de muita gente pobre à sua volta.

O dinheiro e a riqueza produzidos pelo café não trouxeram riqueza para as populações locais e muito menos para a região que se viu totalmente destruída, do ponto de vista ambiental, por conta da exploração exacerbada do solo pela monocultura cafeeira. O solo estagnou e não aguentou a pressão exercida. Assim, ao longo do tempo, o café entrou em declínio, os ricos foram minguando e a maioria das populações, os pobres, foram sucumbindo ou abandonando a região por falta de emprego e de melhores condições de vida.

Algum grande “gênio” então descobriu que o Gado Leiteiro seria a salvação da região e alguns dos ricos remanescentes da época do café introduziram a gado leiteiro no Vale do Paraíba para solucionar os problemas econômicos locais. No início a coisa até que foi bem, porém (e sempre há um, porém) aquele solo cansado pela monocultura cafeeira e que agora era pisoteado pelo gado, tornando-se cada vez mais compacto, começava a estagnar e nem o capim estava brotando mais. Desta maneira a criação do Gado Leiteiro também começou a andar para trás e mais uma vez, as populações pobres ficaram mais pobres e o solo entrou em colapso. Algum outro “gênio” ainda tentou amenizar a situação, através da introdução na região de um capim diferente (exótico) que brota, cresce, reproduz rapidamente e se constitui numa excelente forrageira, a Braquiária (Brachiaria decumbens). Esse capim, que além de todas as benesses citadas, também tem muita sede e se constitui numa espécie extremamente competitiva, rapidamente acabou por secar e estagnar o solo de uma vez por todas, além de exterminar grande parte das Gramíneas nativas em várias localidades da região. Assim, mais uma vez o ambiente foi degradado e as populações pobres ficaram ainda mais miseráveis.

Outro gênio (esse, depois e tanta desgraça, finalmente parece ter acertado) surgiu e descobriu que uma região como a nossa, localizada entre as duas maiores capitais do país e cortada por uma “grande avenida”, não poderia mesmo ser outra coisa que não fosse um grande centro industrial. Até porque, verdade seja dita, a região não podia mais nada, do ponto de vista agrícola, porque o solo já estava totalmente comprometido. Entretanto, a opção feita pela indústria automobilística, mais uma vez trouxe riqueza somente para alguns, porque acabou por trazer também as mazelas da poluição industrial, o inchaço e o enfavelamento das cidades, a ampliação das populações pobres e assim também o aumento quase incontrolável da poluição orgânica, haja vista que a grande maioria das cidades não tinha e ainda não têm tratamento de esgotos.

Como agravante, ainda foi feita a opção pela Rodovia que passou a utilizar o automóvel como meio de transporte, abandonando a Ferrovia que utilizava o trem, um transporte barato, não poluidor e que quase não oferecia riscos. Em contra partida, o veículo automotivo, além de muito caro, é mais poluidor e mais perigoso sob todos os aspectos. A estrada, para alguns, representava o progresso, teve até um Presidente desse país (Washington Luís Pereira de Sousa) que ficou famoso por conta da seguinte frase: “governar é construir estradas”. Talvez, por causa disso, a nossa estrada principal, a Dutra, leva o nome do Presidente que a idealizou, Eurico Gaspar Dutra.

Essa falsa noção de progresso sempre foi a nossa maior desgraça. Essa nossa mania de país pobre que quer imitar os países ricos só nos tem levado a sofrer prejuízos sociais e principalmente ambientais imediatos, além de prejuízos econômicos secundariamente. Porém, como sempre colocamos o interesse econômico na frente, só somos capazes de observar os malefícios depois de algum tempo, quando os problemas econômicos começam a aparecer. Ainda não aprendemos que temos que abrasileirar e não estrangeirar o Brasil.

Depois disso, a indústria se diversificou para pior, porque aí vieram as indústrias químicas, as petroquímicas e as reprocessadoras de metais pesados, todas altamente poluidoras. A região que já não tinha qualidade ambiental ficou definitivamente à deriva. Cabe ressaltar que as cidades cresceram (incharam) e alguns administradores locais entenderam isso como desenvolvimento. Até hoje ainda se houve muito a frase: “precisamos trazer indústrias para o nosso município” da boca de vários prefeitos, sob a alegação ingênua e infeliz de que as indústrias são as únicas coisas capazes de gerar o emprego.

O problema em si não está em trazer indústrias, mas sim em não se discutir que tipo de indústrias a região e as populações podem suportar e que tipos de empregos serão bem vindos. Não nos cabe aqui questionar se queremos morrer de fome por não ter empregos ou envenenados por trabalhar numa indústria contaminante, pois a princípio não queremos morrer de maneira nenhuma. Temos que cuidar da nossa fome e de nossas outras necessidades, mas não precisamos decretar a nossa morte prematura para isso. Em suma, não é qualquer emprego que resolve qualquer problema social e essa questão é muito mais profunda e complexa para que ser discutida nesse ensaio. Portanto, vamos deixá-la de lado.

Nessas alturas o Vale do Paraíba encontra-se totalmente degradado, com as cidades inchadas (cerca de 85% da população da região é urbana), com inúmeras indústrias poluentes, com a descaracterização total dos ambientes naturais. Ainda por cima, com a contaminação quase total das águas da Bacia Hidrográfica por conta do uso indiscriminado de agrotóxicos e inseticidas nas poucas lavouras que tentaram subsistir, particularmente o cultivo de arroz. Além disso, também por causa do grande problema da região que é a poluição orgânica produzida pelo esgoto doméstico não tratado na grande maioria das cidades da região, em especial as cidades com as populações maiores, aquelas que cresceram (incharam) mais rápido.

Se não bastasse tudo isso, recentemente outros “gênios” inventaram dois novos mecanismos para solucionar os problemas e a região voltar a “crescer”. O primeiro deles foi a Mineração de Classe II, nome pomposo para a Exploração de Areia, que, além de ser uma prática socialmente injusta, pois só traz lucro para os donos do negócio é hoje também o maior fator de degradação ambiental da região. As mazelas produzidas pela exploração de areia na região já degradaram áreas significativas da várzea do Rio Paraíba do Sul e têm causado sérios problemas para alguns municípios.

O outro “grande negócio” recém descoberto é a monocultura do eucalipto (Eucalyptus grandis) para a produção de papel. No início desse negócio na região, meados da década de 1980, atitude de algumas empresas chegava mesmo a ser criminosa, pois desmatavam alguns dos parcos capões de matas naturais remanescentes das áreas de encosta das serras, apenas para plantar o famigerado eucalipto. Mas, ao que parece essa prática criminosa, hoje não existe mais. Por outro lado, no primeiro momento como grande parte da região está com seu solo estagnado, em certo sentido, o plantio de eucalipto é até interessante, porque muitas áreas degradadas estão sendo recuperadas pelas empresas que trabalham nesse negócio.

Entretanto, o que se está vendo em toda região é a volta de uma exploração intensiva de uma monocultura exótica, muito mais exigente e danosa que o café, sobre um solo já comprometido. A expectativa que se tem desse grande eucaliptal de hoje é a desertificação da área amanhã. O eucalipto já demonstrou o seu potencial como planta de grande utilidade, porém nossa região é ambientalmente muito frágil para suportar essa coisa monstruosa que estamos vendo.

Mais uma vez, agora já no século XXI, estamos fazendo coisas erradas. Estamos colocando o interesse econômico na frente dos interesses ambiental e social. Mais uma vez, estamos nos iludindo com a possibilidade de produzir alguns novos ricos e a certeza de ganhar muitos pobres. Quando será que vamos colocar na cabeça de nossas populações e principalmente de nossos administradores públicos que a vida é o bem maior que temos e que devemos pensar primeiro na vida para depois pensar nos outros aspectos, pois todos esses aspectos são certamente secundários.

Precisamos pensar na qualidade de vida antes de qualquer outra questão. Estar vivo e continuar vivendo, este sim é o grande negócio. Precisamos entender que inchaço não é crescimento, pois o inchaço resulta de infecção e essa, por sua vez, é resultante de uma contaminação que agride a vida. A História está aí para nos mostrar o quanto erramos e nós já deveríamos ter aprendido com os erros que cometemos no passado. Não adianta nada querermos o enriquecimento de nossas populações a partir do empobrecimento de nossa qualidade ambiental, pois uma coisa está associada à outra.

A equação é simples: “se nós não cuidarmos do nosso Vale do Paraíba ambientalmente, jamais conseguiremos uma boa condição social e o tão sonhado enriquecimento econômico de nossa população”. Portanto, mãos à obra. Recuperemos o nosso Vale do Paraíba ambientalmente e desenvolvamos projetos que tenham como objetivo primário a manutenção da qualidade de vida de nossa gente, pois o enriquecimento econômico de nossa população será uma consequência natural desses projetos.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Artigo originalmente publicado no site do Recanto das Letras, em 03/08/2008 (T1111438).
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