A Situação Atual da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul

A Situação Atual da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul

Resumo: Neste artigo o autor apresenta uma pequena viagem histórica, sobre os 400 anos de ocupação da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, sua consequente degradação e chama a atenção para a necessidade dos cuidados que visam permitir a garantia de água para a gerações atuais e futuras na região.


(Texto base para a Palestra Proferida no Rotary Club do Rio de Janeiro)

Era uma vez um Rio, que nascia no topo de uma serra (Serra do Mar), no município de Areias/SP, com o nome de Rio Paraitinga, a menos de 100 quilômetros do Oceano Atlântico e que, um pouco mais à frente, ainda nessa mesma serra, se encontrava com outro, o Rio Paraibuna, e assim se formava o Rio Paraíba do Sul. Ele segue, descendo esta serra, em sentido Sudoeste, até esbarrar num maciço rochoso intransponível de outra Serra, (Serra da Mantiqueira) e assim é obrigado a mudar de rumo passando a se dirigir para o norte.

A partir daí, em sua caminhada, este rio atravessa toda região do Vale do Paraíba Paulista, adentra o estado do Rio de Janeiro e segue entre essas duas serras, recebendo contribuição de alguns afluentes, margeando o estado de Minas Gerais, até transpor de vez no Rio de Janeiro e seguir em direção sudeste até o Oceano Atlântico, alcançando a praia de Atafona, no município de São João da Barra. Desde seu surgimento até o encontro com o oceano, este rio segue um percurso total de aproximadamente 1.150 quilômetros e sua bacia hidrográfica abrange uma área total com mais de 55 000 Km².

Pois então, no início este rio só conhecia a água que conduzia e as espécies vivas que havia dentro dessa massa de água, além, é claro, das margens que se ampliavam ou diminuíam, de acordo com a quantidade maior ou menor de água que existia, em função das chuvas. Seu entorno era basicamente uma floresta de galeria (mata ciliar) e alguns poucos animais que chegavam às suas margens e obviamente os poucos humanos nativos, os Puris, que já existiam na região.

Por volta de 1560, esse cenário começa a se modificar, com a chegada, ainda escassa e pouco significativa do homem branco. Entretanto, no início do século XVII (1620), essa calmaria se transforma progressiva e rapidamente, porque a presença do homem branco é cada vez maior e suas atividades, a princípio apenas agrícolas e mineradoras de subsistência. Depois o comércio se intensifica, as populações crescem, ampliando as vilas e as cidades que surgem e crescem cada vez mais. Porém, o cenário segue ainda pacato e bucólico.

Passam o ciclo da cana e a rota do ouro e aí, pouco depois de 1800, vem o café, o “ouro verde”. Nesse momento a fisionomia da região se transforma grandemente e o rio Paraíba do Sul, rapidamente também começa a mudar significativamente, porque tudo o que sobra, isto é, todo o resíduo vai diretamente parar em suas águas, que, nessas alturas, já não são tão limpas e vão ficando pior.

Nessa época os empregos eram quase todos agropastoris, e depois de 1880 a ferrovia assumiu alguns trabalhadores e as olarias, as tecelagens, as fábricas de pólvora e os pequenos comércios mealhavam outros. Depois de 1920 o café, que já vinha em declínio, desde 1880, praticamente acabou. Os ricos ou foram embora ou ficaram pobres e os pobres ou morreram ou ficaram miseráveis.

Os negros, não mais escravizados, desde 1888, com a Lei Aurea e sim trabalhadores reforçados pela República em 1889 e a Constituição de 1891, agora não tinham mais empregos, porque o café que ocupava quase toda a mão de obra não existia mais e os demais empregos eram muito raros. Deste modo, as cidades entraram em declínio, a ponto do célebre escritor Monteiro Lobato denominar um grupo delas, localizadas no chamado fundo do vale, de “Cidades Mortas”, haja vista que decresceram grandemente. Em, 1870, por exemplo, a cidade de Silveiras tinha 25.000 e hoje apenas 6.500.

Novas tentativas surgiram, a partir de 1925 veio a exploração do gado leiteiro, num solo pobre por conta do uso excessivo na monocultura do café, e aí esse solo não aguentou com o pisoteio do gado, produzindo algumas pequenas manchas desérticas na região, que até hoje são visíveis. Veio o “crash” (quebra) da bolsa de Nova Iorque (1929) e partir de 1940, iniciou-se o período de Industrialização da região do Vale do Paraíba e daí para frente a Bacia do Paraíba do Sul passa por transformações drásticas e continuas que se sucedem até hoje.

Vou citar, algumas das coisas que aconteceram ao longo desse período, sem nenhuma preocupação com as consequências para o Rio Paraíba do Sul e toda área da Bacia. A Guerra Paulista ou Revolução Constitucionalista (1932) e a consequente implantação da AMAN (1944) em Resende, o que desenvolveu a instalação de uma série de quartéis na região e o incremento da poluição bélica na região, com inúmeras fábricas de armamentos. Ocorreu a implantação de CSN (1946) e os inúmeros represamentos para garantir energia para a megaempresa. Depois vieram as implantações de diques e a retificação do curso natural do Rio Paraíba do Sul (1949); a implantação do CTA (1949), a Transposição para o Rio de Janeiro (1953) e a represa do Ribeirão das Lajes.

Também houve a opção pelas rodovias (“Governar e construir Estradas” – Washington Luiz- 1928) e a vinda da Estrada Rio – São Paulo (1928) e a Rodovia Presidente Dutra (1951) e atrás delas as grandes empresas montadoras de automóveis GM (1959), da FORD (1974) e da VOLKS (1976) e recentemente inúmeras outras. Enquanto a Europa rica, andava de trem, o Brasil pobre investiu em carros. Aconteceu a criação da Petrobrás (1953) e das Refinarias REDUC (1961) e REVAP (1980); a criação da EMBRAER (1969) e suas inúmeras subsidiárias.

Para garantir a água e a energia e ainda para controlar as enchentes houve a formação e a implantação dos reservatórios de Santa Branca (1958), de Funil (1969), de Paraibuna (1970), do Jaguari (1981), inúmeras indústrias Químicas entre 1950 e 1970, a implantação das Indústrias Nucleares do Brasil – INB (1988) e várias outras coisas, todas extremamente comprometedoras da qualidade do meio ambiente e da água da Bacia. Cabe lembrar ainda que nesse período também houve a segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), que, embora longe, do outro lado do atlântico, dificultou mais ainda o que já não ia bem por aqui.

Com isso, a poluição hídrica industrial e orgânica passou a crescer exponencialmente, houve aumento da necessidade progressiva de energia elétrica, as populações das cidades que já estavam dentro das várzeas do Rio Paraíba do Sul e outros rios menores cresceram muito e as manchas urbanas ficaram imensas e com conurbação em vários trechos. Cabe lembrar, que, além disso, a partir de 1990 ainda vieram implantação da monocultura do eucalipto, a instalação das Pequenas Centrais Hidrelétricas (2009), a fatídica transposição para São Paulo (2015) e mais uma série de coisas não muito bem explicadas.

Que fique claro que muitas dessas ações, obras e empresas foram necessárias, porque muitas delas foram e são efetivamente essenciais ao desenvolvimento da região. Assim, aqui não vai simplesmente crítica a existência delas, mas sim a falta total de critérios e o desrespeito ambiental ao longo de suas respectivas implantações e mesmo de alguns de seus processos operacionais que acontecem até hoje. Como, por exemplo, cabe citar as várias tentativas de implantação de Mega termelétricas no Vale do Paraíba.

É claro que também aconteceram coisas boas, a criação dos Parques Nacionais do Itatiaia (1937) e da Bocaina (1971) e finalmente depois da década de 1990 alguns projetos de recuperação florestal, a implantação legal do licenciamento ambiental, mas que lamentavelmente ainda ocorre à “meia boca” em muitos casos. Vieram as Leis ambientais e a lei da água em 1997, além de algumas práticas de produção mais limpa e de controle da poluição pelas indústrias e ainda as instalações de Estações de Tratamento de Água – ETAs e Estações de Tratamento de Esgoto – ETEs, também por algumas empresas estaduais ou municipais da região.

Ou seja, dos 400 anos dessa história, apenas nos últimos 30 anos, passamos a estar efetivamente mais preocupados com a qualidade ambiental da região e com a água que ela nos fornece. Há de se convir, que ainda é muito pouco e necessitamos fazer mais, para garantir nossa manutenção e das gerações futuras. A Sustentabilidade não pode ser apenas um modismo, ela tem que ser um compromisso da sociedade e um mecanismo efetivo e eficaz, do qual todos temos que tomar parte.

Enfim, aquela região que outrora era bucólica banhada por aquele rio que era calmo e sereno, cheio de meandros, de velocidade bastante baixa, o que fazia com que as águas subissem muito na época das cheias e inundassem grandes áreas marginais e enriquecesse as várzeas de nutrientes se transformou totalmente. Assim, agora, depois da retificação e do crescimento das cidades e das diversas atividades sem nenhum critério ambiental, ele está poluído, corre rápido e suas cheias são complicadas e trazem doenças, situações calamitosas e outros grandes problemas, tanto nas cheias, quanto nas baixas (crise hídrica). 

Em suma, o Rio Paraíba do Sul, certamente não é mais aquele rio do início da história, hoje ele é outro rio e sua bacia também está muito diferente daquela que existia. Pois então, em pouco mais de 400 anos, nós humanos mudamos quase tudo e nos esquecemos do Rio e de sua Bacia Hidrográfica, que nos alimentam e nos mantêm, pois são fonte de toda água que tanto necessitamos e que, já faz algum tempo, começamos a ter carência. A cada dia que passa essa carência só aumenta e nós continuamos seguindo despreocupadamente como se nada estivesse acontecendo.

Entretanto, nós temos que responder a quatro perguntas simples e fundamentais:

1 – Qual a real situação atual da Bacia?

A Bacia está comprometida, sua segurança hídrica está ameaçada e ela tem que atender o segunda maior concentração humana e o segundo maior parque industrial do país. As Nascentes que geram a água estão secando, o Desmatamento e desbarrancamento das margens e o Assoreamento dos rios, as Cidades dentro dos Rios e Inundações cada vez maiores, a Poluição química industrial está relativamente controlada, mas existe, a poluição química por agrotóxicos e a poluição orgânica chegam a níveis absurdos (falta de tratamento de água e de esgoto). Muito Veneno nas águas, muita gente e muitos usos e pouca água. A conta acaba sendo sempre negativa aos interesses da própria Bacia Hidrográfica e obviamente para quem depende dela, ou seja, todos nós. 

2 – É essa situação que nós queremos?

Se a resposta for sim, então tudo bem, sigamos a caravana para ver onde vamos chegar. Mas, se a resposta for não, então temos que responder a outras perguntas:

3 – Então, já que não queremos o que temos, como devemos proceder para mudar?

Cuidar, essa é a palavra, o verbo, a ação que deve prevalecer antes de qualquer outra no que tange a água da região.  Nossa responsabilidade é proteger e recuperar nascentes, restaurar áreas florestadas, implantar estações de tratamento, desenvolver novas tecnologias industriais (reuso), priorizar as águas para o abastecimento humano conforme está na lei e não permitir usos duvidosos e muito menos indevidos. É claro que todas essas ações envolvem, antes de qualquer coisa, vontade política e governança.

4 – Quais são as nossas perspectivas futuras?

Ou fazemos o dever de casa e cuidamos da Bacia ou não teremos alternativas na região, porque não temos de onde retirar água, a não ser que se invista em grandes projetos de dessalinização, o que é um absurdo num país como o Brasil, que tem o maior contingente de água continental do planeta (13%).

O Brasil tem muita água no Norte, mas o Sudeste e a cidade do Rio de Janeiro, em especial, não tem, porque não tem grandes rios: a cidade, embora esteja fora de sua abrangência, depende das águas da Bacia do Paraíba do Sul. São Paulo, por sua vez, tem rios caudalosos e muita água, mas hoje é o segundo estado mais carente de água do país, porque é o que mais usa e necessita de água. Temos que cuidar desse recurso natural sempre, tendo ou não tendo ele em quantidade.

Para concluir, é preciso lembrar que sem água não existe vida, principalmente vida humana que, além de tudo, depende de um tipo de água especial (a água potável). O Rotary International como entidade humanitária e preocupada com o Meio Ambiente, a Sustentabilidade e a qualidade de vida, tem que ser agente efetivo na cobrança das políticas públicas e, quando possível, no apoio à produção de mecanismos que visem minimizar a degradação ambiental da região e em particular, aqueles mecanismos e ações que garantam a água em quantidade e de qualidade para toda a população.

Bem, essa era a história que eu tinha para contar e agora penso que devamos discutir sobre ela.

Muito obrigado pela atenção.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Palestra Virtual (Plataforma ZOOM) no Rotary Club do Rio de Janeiro, em 19 de janeiro de 2022

2 comentário(s)

  1. Olá Luiz, espero que estejam bem!
    Excelente abordagem e conscientização. Que todos façamos a nossa parte.
    Aquele abraço
    Coutinho

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    1. Meu caro Luís, quanto tempo, hein.
      Muito obrigado pela leitura e pelo comentário.
      Abraços em todos por aí.
      Prof. Luiz Eduardo

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