A Recuperação da Área Florestada na Região do Vale do Paraíba

Resumo: O texto faz menção as notícias veiculadas na mídia indicando que a região paulista do Vale do Paraíba, ampliou suas áreas florestadas com vegetação nativa e o autor sugere que as notícias, ainda que boas e necessárias, podem não ser de todo verdadeiras, por conta da grande quantidade de área reflorestada com essências exóticas na região.


A Recuperação da Área Florestada na Região do Vale do Paraíba

Mapeamentos feitos a partir de imagens de satélite revelam que,
entre 1985 e 2015, as áreas de floresta passaram de 250 mil para 455 mil hectares,
o que representa um acréscimo de 83% em floresta nativa na porção paulista do Vale do Paraíba
(EMBRAPA, novembro de 2016).
Trabalhos recentes (GALINARI, 2016) nos têm dado conta de que a região do Vale do Paraíba tem sido a que mais tem conseguido crescer no que se refere a recuperação de sua cobertura vegetal no Estado de São Paulo. Obviamente, para nós cidadãos vale-paraibanos, essa é realmente uma notícia alvissareira, pois nos coloca à frente das demais regiões do estado, numa área de significativo interesse e preocupação nos tempos atuais, que é a questão da recuperação das áreas desmatadas, haja vista que São Paulo é o estado mais desenvolvido e, por isso mesmo, também é ambientalmente um dos mais desmatados do país. Entretanto, por outro lado, é preciso que se discuta e avalie muito bem os detalhes que norteiam esses resultados que nos colocam nessa condição de superioridade quanto e esse considerável aspecto.   Nossa região, em seu estado primitivo, possuía quase 90% de sua área totalmente florestada (LIMA, 2015a), mas a partir da chegado do homem branco a coisa começou a ficar complicada, pois o desmatamento aconteceu contundente e progressivamente, por conta da ocupação desordenada, do plantio do café, das fazendas de gado leiteiro e inúmeros erros. Depois de 1920, com o fim da cultura intensiva do café, pouca coisa sobrou e a vegetação nativa praticamente desapareceu nas áreas de várzea e nas encostas mais baixas das serras que margeiam o vale. No que se refere aos cuidados com a vegetação nativa, praticamente nada aconteceu, pois historicamente apenas desmatamos, degradamos e destruímos a região e sua vegetação primitiva.   O que a natureza levou séculos, talvez milênios para produzir, nós destruímos quase completamente em pouco mais de 200 anos.  A região que outrora era coberta de matas naturais e de vegetação exuberante em vários lacais, ficou com áreas totalmente desmatadas em consequência do fim da exploração do café e depois, muitas dessas áreas ainda foram pisoteadas e compactadas pela ação do gado, o que inviabilizou totalmente qualquer possibilidade de recuperação natural.   Algumas dessas áreas inviáveis chegaram mesmo ao nível total de desertificação em algumas localidades específicas e por volta de 1980, a região chegou atingiu menos de 20% de áreas naturais florestadas. E essas parcas áreas florestadas que foram mantidas se deveram principalmente à dificuldade de plantio e pastoreio em algumas localidades do topo da Serra do Mar, onde hoje se localiza grande parte do Parque Estadual da Serra do Mar do Estado de São Paulo. Assim, nesses 200 anos, secaram inúmeros olhos d’água e muitas nascentes, foi derrubada quase toda a mata ciliar e foram desmatados os morros de fácil acesso e solapadas muitas de suas bases. Várias das marcas produzidas pala erosão sofrida ainda estão por aí, muito bem visíveis em diferentes áreas da região.   A partir de meados dos anos 1980 foi iniciado um grande programa de “reflorestamento” da região, inicialmente com Pinus elliottii, originária do Sul dos Estados Unidos, e mais recentemente com Eucalyptus grandis, oriundo do Leste da Austrália. Apenas a partir do início dos anos 1990 é que a região começou a se preocupar realmente com o que aqui se estava plantando em larga escala e aí se passou a dar ênfase e a se preocupar um pouco com a necessidade do plantio de essências nativas, mormente nas áreas de mananciais e nas proximidades de parques e reservas.   Resumindo tudo, nós destruímos até 1980 e de lá para cá resolvemos começar a recuperara região e hoje temos mais de 30% de área florestada no Vale do Paraíba, o que realmente é um índice muito bom e bastante expressivo. Entretanto, o fato de ser muito bom essa grande ampliação da área vegetada, não garante nada quanto à recuperação florestal da região, porque esse número esconde outro aspecto relevante, que é a grande massa de eucaliptos plantados na região. Existem municípios que possuem mais de 20% de suas áreas cobertas com plantação de eucalipto (LIMA,2015b).   O Vale do paraíba constitui-se efetivamente numa monocultura de eucalipto (LIMA, 2016). Só como exemplo, existe uma empresa de papel e celulose na região, que por conta dessa necessidade faz plantio de eucalipto e que possui cerca de 250 fazendas exclusivas para esse fim. Os números da área total vegetada aumenta, mas muito dessa ampliação é apenas e tão somente de eucaliptais e não vegetação nativa como sugerido pela EMBRAPA (2016).   A vegetação é maior, porém a imensa maioria das áreas florestadas está coberta de eucaliptos, que além de exótica, é uma essência que exige grande quantidade de água, principalmente nos primeiros anos de vida e como se trata de uma produção florestal estritamente comercial, essa florestas são cortadas e replantadas alternada e constantemente. É óbvio que entre nenhuma cobertura vegetal e uma floresta de eucalipto, certamente a preferência será pela floresta de eucalipto, mas sempre é bom lembrar que isso está longe de ser o ideal que a região necessita.   É necessário que faça uma avaliação apurada dessa acentuada monocultura regional de eucalipto, sem paixões e sem interesses, para que se possa estabelecer os devidos critérios de plantação no interesse regional e não empresarial e também entender os devidos benefícios e malefícios desse plantio. A monocultura de eucalipto, da maneira que se estabelece, só traz vantagens significativas para as empresas de exploração dessa essência para produção de papel e celulose, além de acabar iludindo as pessoas, quando ajuda a produzir números significativos de ampliação e recuperação de nossas áreas de “vegetação natural”.   Quero deixar claro, que eu pessoalmente não tenho nada contra o eucalipto, que obviamente é uma madeira realmente importante, pois além da produção de papel e celulose, assume inúmeras outras utilidades, na construção civil, na indústria moveleira, na indústria química, na medicina e mesmo na produção de carvão vegetal. Por outro lado existe a necessidade de que se tenha em mente que esse mesmo eucalipto que dá números positivos a área vegetada na região é uma planta exótica, que requer água, que é extremamente competitiva, que empobrece o solo e principalmente não é uma árvore que será perene no local onde foi plantada, ao contrário ela será cortada periodicamente em intervalos relativamente rápidos.   É preciso que tenha sempre em mente essa imagem de que o eucalipto que acaba dando números positivos a área total vegetada na região não é uma cultura perene e que as áreas onde essa cultura se encontra são limpas a cada 6/7 anos e novos eucaliptos são plantados no local ou não, porque esta é uma “floresta comercial”. Quer dizer, o objetivo da floresta de eucalipto é produzir eucalipto e não reconstruir floresta. Desta maneira, quase nunca se deixa a “floresta” atingir um estágio adulto, considera-se apenas o tamanho comercial interessante para o corte da planta, que leva em média 6/7 anos.   É preciso dizer ainda que uma planta jovem está sempre requerendo muitos nutrientes e muita água e assim acaba retirando muitos recursos do solo na área onde está plantada. Como essas plantas são plantadas e cortadas ainda jovens, a área acaba sendo explorada em excesso e seus recursos naturais tendem a estagnar. Além disso é bom ressaltar que qualquer monocultura explora sempre o mesmo tipo de recurso natural e isso também vicia o solo do local. Em suma, o excesso de florestas jovens numa mesma área tende a esgotar o solo em alguns nutrientes muito exigidos e em água. O resultado disso é que depois de alguns cortes sucessivos (3 a 4) o solo estará praticamente estagnado e seco, necessitando de muito investimento para sua recuperação e para seguir sendo capaz de manter uma floresta qualquer.   Que bom que temos aumentado nossas áreas florestadas, mas que ótimo seria se plantássemos mais essências nativas ou se cortássemos menos eucaliptos e deixássemos as florestas terem continuidade temporal. A experiência tem demonstrado que, mesmo em florestas de eucaliptos, depois de 30 a 40 anos, o sub-bosque se refaz e os processos sucessórios acontecem naquele ecossistema. É claro que esse será sempre um ecossistema artificial, mas muitos dos trâmites ecológicos naturais se reestabelecem, pois progressivamente o solo se refaz, a água reaparece, a biodiversidade aumenta, a fauna gradativamente aumenta e algumas espécies nativas vão novamente se desenvolvendo.   Por outro lado, enquanto plantamos e cortamos somente eucaliptos, estamos apenas tendo a impressão de que a vegetação está aumentando, porque, na verdade, o que está aumentando progressiva e assustadoramente é a área geográfica total plantada de eucaliptos, já que é cada vez maior o espaço total ocupado por essa monocultura. Se amanhã ou depois o homem descobrir outros mecanismos para substituir as funções produzidas pelo eucalipto e essa essência deixar de ser tão útil quanto tem sido até aqui, fico imaginando e tenho medo do grande vazio que resultará com o desmatamento que ocorrerá no Vale do Paraíba com a retirada do eucalipto hoje existente, mais de 10% de toda região (Carriello & Vicens, 2011) sem nenhuma substituição.   Infelizmente estamos habituados a pensar somente em lucro econômico e não em lucro ambiental, até porque muitos de nós, por conta do imediatismo, ainda não compreendemos que o lucro ambiental tem como consequência o lucro econômico. Assim, enquanto existir somente preocupação com o lucro estritamente econômico numa determinada atividade, certamente essa se manterá, porém quando a atividade deixar de ser interessante por parar de produzir esse tipo de lucro, ela tenderá a acabar rapidamente e nesse caso a região vale paraibana, que hoje é uma grande monocultura de eucalipto (“um deserto verde”), no futuro, poderá vir a se transformar num deserto de fato. É bom lembrar que o Vale do Paraíba já viu esse filme e já vivenciou exatamente esse tipo de história com a monocultura cafeeira. O plantio de café aqui se estabeleceu no final do século XVIII e que teve seu auge entre 1830 e 1880, até se extinguir totalmente em 1920 (CONCEIÇÃO, 1984).   Vamos cair na realidade lembrar que a recuperação da região exige muito mais do que apenas plantar eucalipto para fins puramente comerciais. É preciso de grandes projetos de recuperação e restauração florestal para garantir a verdadeira ampliação de áreas florestadas nativas na região.   O fim do desmatamento, que lamentavelmente ainda existe, alcançando efetivamente o desmatamento zero na região, a recuperação das matas do entorno das nascentes, a recuperação das matas ciliares dos rios, o estabelecimento de corredores ecológicos e a ampliação das Unidades de Conservação são algumas das ações que se fazem necessárias para nos permitir um efetivo incremento de áreas vegetadas na região do Vale do Paraíba.   Além disso, a recente criação da Câmara Técnica de Restauração Florestal pelo Comitê das Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul (CBH-PS, 2017), também deverá trazer significativos benefícios e consequentes avanços à recuperação da vegetação da região, mas, salvo melhor juízo, ainda estamos muito longe de nossas necessidades reais e de celebrarmos qualquer grande melhoria nessa questão.   Referências Bibliográficas e Eletrônicas
CBH-PS, 2017. DELIBERAÇÃO CBH-PS 13 de 14 de dezembro de 2017. “Cria a Câmara Técnica de Conservação dos Recursos Hídricos e Restauração Florestal”, no âmbito do CBH-PS e especifica suas ações.
CARRIELLO. F & VICENS. R. S, 2011. Silvicultura de eucalipto no vale do Paraíba do Sul/SP no período entre 1986 e 2010, Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.6403.
CONCEIÇÃO, A. A. B. & SANTOS, A. P. 2014. O Café no Vale do Paraíba: Origem e Decadência, III Congresso Internacional de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento, 20 a 22 de outubro de 2014, Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social, Universidade de Taubaté.
GALINARI, G. 2016. Florestas nativas crescem mais de 805 no Vale do Paraíba Paulista
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
LIMA, L. E. C., 2015a. A Ocupação e a Preservação do Vale do Paraíba: Ontem, Hoje e Amanhã, www.profluizeduardo.com.br
LIMA, L. E. C., 2015b Considerações sobre a Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba, www.profluizeduardo.com.br
LIMA, L. E, C., 2016 A Monotonia e o Perigo das Monoculturas, www.profluizeduardo.com.br
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