O Peso Diferenciado entre Textos Científicos

O Peso Diferenciado entre Textos Científicos

Resumo: Desta vez, apresento mais um assunto polêmico para reflexão e discussão. Trata-se da questão complicada, entre os diferentes autores que trabalham com a informação científica no Brasil. De um lado aqueles que produzem artigos científicos e do outro aqueles que fazem divulgação científica.


Não sei o porquê, mas para a muitos “cientistas brasileiros”, tudo que não tem o rótulo de científico é pressupostamente mentiroso e isso é, no mínimo, uma ideia arrogante e uma pretensão mesquinha sobre o que as demais pessoas da sociedade são capazes de pensar, de deduzir, de dizer e de escrever sobre aquilo que elas observam em relação às coisas do seu entorno.

Baseado na premissa acima, venho questionar alguns artigos que citam trabalhos que conhecem, simplesmente porque têm o rótulo de “científicos” e deixam de citar outros que, muitas vezes, também conhecem, mas que foram escritos por pessoas que não se utilizam necessariamente desse mesmo rótulo. Deste modo, verdades claras, já publicadas são desconsideradas, simplesmente porque quem escreveu não se intitula deliberadamente “cientista” e muito menos está preocupado em publicar suas ideias, muitas delas originais e verdadeiras em revistas indexadas, ou porque não está diretamente envolvido em grandes centros de pesquisa.

Aliás, esse tipo de revista indexada é muito pouco lida pela sociedade, pois só acaba circulando no “meio científico”, enquanto outras publicações são muito mais democráticas e abrangentes, no que se refere ao restante da sociedade. Assim, é óbvio que a grande maioria dos autores ao fazer as suas pesquisas bibliográficas, tem acesso aos “artigos não científicos” das revistas não indexadas. Entretanto, eles têm vergonha, medo, ou, o que é pior, deliberadamente, omitem suas existências, porque acreditam que isso irá desvalorizar os seus respectivos “trabalhos científicos”, pois afinal esses “artigos não científicos” foram escritos por meros especuladores e não devem ter nenhum crédito científico.

Aliás, cabe lembrar que, muitos dos “artigos científicos” não passam de simples compilações dos trabalhos de informação ou de divulgação e de outros propriamente científicos, que já foram realizados anteriormente por diferentes autores que não andavam por aí à busca de glória, de créditos curriculares ou de outras coisas que os pudessem destacar no meio da “comunidade científica”. Conheço muita gente que se intitula cientista ou pesquisador e que não sabe nada (ABSOLUTAMENTE NADA) de nada, muito menos de ciência. Muitos não sabem, se quer escrever e, mesmo assim, publicam “grandes artigos científicos”, graças às compilações de artigos de outros autores e aos trabalhos quase mágicos realizados pelos revisores das revistas científicas (indexadas ou não).  

Por outro lado, também conheço, muita gente comum que sabe e escreve bastante sobre coisas boas, reais e de cunho científico. Algumas vezes, até coisas que os próprios “cientistas” não conhecem. E eles não conhecem, porque não se interessam e realmente não querem conhecer ou porque acham melhor não dar espaço para esse tipo de gente que escreve sobre ciência, sem ter o “certificado de verdadeiro cientista”. Isto é, sem fazer parte do grupo de elite científica que publica artigos para si mesma e não para a sociedade. É preciso entender que a informação científica pertence a humanidade e não aos indivíduos, em que pese o trabalho autoral e intelectual de quem tenha gerado a informação. Deste modo, a informação científica não pode ser feudo de alguns, porque ela pertence a toda sociedade humana.

Os artigos científicos muito lidos, certamente não foram lidos por mais que umas poucas centenas de pessoas (se tanto), que pudessem estar diretamente interessadas naquele assunto. Por outro lado, os artigos de divulgação e informação científica são lidos por dezenas ou centenas de milhares de pessoas. É óbvio que os artigos de divulgação podem conter e certamente contém erros, mas quem garante que os “artigos científicos” também não contém? É preciso saber separar o joio do trigo, mas isso não quer dizer que só é trigo aquilo que o pretenso “cientista” produz na revista indexada, porque certamente também há muito joio nesse meio.

Artigos de divulgação e informação científica têm muito mais leituras e assim, efetivamente informam quantitativamente mais do que artigos científicos. Será que só os “cientistas” não leem esses artigos de divulgação? É claro que eles leem, até mesmo para criticar, se puderem. Porém, geralmente, eles não assumem publicamente suas leituras e assim não as citam nas suas referências. É preciso que haja coerência científica dos pesquisadores em admitir as informações e atribuí-las aos seus verdadeiros criadores ou identificadores e não ficar inventando subterfúgios para citar outros autores de “fama” nacional ou internacional, mas, talvez, sem conhecimento real da causa em questão.

Sou um homem de ciência e me cansei de ver essa situação absurda ocorrer costumeiramente. Assim, nos últimos 30 anos passei a divulgar aquilo que observo, na condição de simples divulgador científico, ou melhor, na condição de livre pensador daquilo que vivo em minhas experiências profissionais como interessado e estudioso da natureza. Tenho visto inúmeras coisas, inclusive em nível internacional, atribuídas a outros autores, que já identifiquei, afirmei e descrevi há anos atrás e não vejo nenhuma citação de minhas publicações. Eu tenho certeza de que não sou o único sujeito do mundo que vive essa realidade e que obviamente se sente injustiçado, quanto a esse aspecto. Existem muitos estudiosos e livres pensadores que passam por essa mesma situação desagradável e angustiante de ver suas ideias negligenciadas ou atribuídas a outros.

Alguém questionará, mas suas publicações estão em revistas indexadas?  E eu já respondo. Contingencialmente, algumas sim e outras não. Entretanto, eu não acredito que a indexação demonstre, de fato, a importância da publicação e muito menos a qualidade do trabalho ou a seriedade do autor. Esses rótulos têm que acabar para o bem da ciência brasileira, que ainda não entendeu que qualidade e quantidade não são indissociáveis e principalmente que o deve ter peso é o conteúdo do trabalho e sua importância e não o nome do autor ou da revista.

Por outro lado, eu penso que os “cientistas e pesquisadores”, certamente devem ler de tudo que lhes interessa profissionalmente, ou então não podem se assumir na condição de pesquisadores de fato e de direito. Além disso, eles também devem manifestar opinião e dar crédito ao que leem, independentemente de quem escreveu ou de onde veio aquilo que está escrito. Pois então, é aí que a coisa pega e é exatamente aí que surge o grande erro dos “cientistas brasileiros”. Sim brasileiros, porque no resto do mundo se cita tudo que se lê e se atribui o devido valor a todos que escrevem sobre o assunto em questão.

Mas, aqui no Brasil, o “pesquisador” não vai colocar um “desconhecido da ciência” no seu trabalho, porque isso não é interessante para o seu currículo. Desta maneira, quem “faz”, “cria” ou “define” algo importante e significativo cientificamente é, quase sempre, alguém que leu e copiou a ideia de que outro. Esse outro costuma ser alguém menos famoso e sem a pretensa alcunha de “cientista”, mas que, na verdade, foi o gerador da informação em questão.

Pois então, em outros países, muito mais desenvolvidos que o nosso, os cientistas citam desde o jornal do bairro, o boletim da igreja local, até o informativo da ONG que trata diretamente daquele assunto que está sendo discutido. O pesquisador faz uma verdadeira revisão da literatura e respeita a sua devida cronologia, para não cometer erros de pertencimento autoral. Eles citam absolutamente tudo, obviamente, desde que tenha fundamento em relação ao seu trabalho e atribuem o mérito a quem de direito.

O que mais me deixa aborrecido com os pretensos “cientistas brasileiros” e a cara de pau de afirmar verdades dos outros, como se fossem suas ou de transferir verdades para outras pessoas, apenas para esconder o fato de que o conhecimento daquela “grande descoberta”, na verdade, é uma triste falácia. Obviamente, não são todos os cientistas que agem dessa maneira, mas muitos, talvez a maioria, infelizmente, tem agido desse jeito. É claro também, que há muitos que efetivamente não fazem isso de caso pensado, mas são levados por conta da “obrigação de publicar e ter citações de suas publicações”. É preciso estar bastante atento e tomar cuidado, para não cometer esse tipo de coisa de maneira nenhuma.

Eu e muitos outros divulgadores científicos sérios, somos discriminados, exatamente porque não concordamos com essa “coisa nojenta” da ciência ser um feudo que não pode se misturar com a plebe. Obviamente, eu não faço publicação de inverdades e tenho artigos com mais de 20, 30, 50, 80 e até 100 mil leituras e duvido que existam muitos cientistas brasileiros, por mais renomados que possam ser, que tenham seus artigos lidos nesse contingente. Ora, honestamente, o que é mais importante informar ciência para muitos ou para alguns? Trazer as verdades científicas para a sociedade ou para um grupo social de “seletos amigos”?

A linha imaginária que separa a ciência e a divulgação científica é realmente imaginária, porque ela não existe. O que existe são pessoas ligadas ao conhecimento científico utilizando ou fingindo que usam o método científico e outras pessoas que observam as coisas e propõem determinadas explicações dos fenômenos. As primeiras se dizem cientistas e podem cometer inverdades em nome da ciência, desde que suas publicações sejam indexadas. As outras que não têm pretensões a títulos, a cargos ou a concursos especiais não podem nem dizer verdades sobre a ciência. O pior é que quando dizem verdades, muitas dessas verdades são atribuídas a outras pessoas que nada fizeram sobre aquilo, apenas foram mais “espertas” (ladras) e assumiram aquelas verdades como se fossem suas.

Senhores “cientistas”, façam suas revisões bibliográficas e olhem atentamente às datas das publicações antes de afirmarem quem gerou aquela informação que você está citando e atribuindo a um determinado autor. Veja bem se, antes dele, alguém, nem que seja numa folha de papel simples, já não havia escrito aquilo que você está citando e atribuindo a determinado autor. Você, como pretenso “cientista” tem a obrigação de tomar esse cuidado.    

Reconhecer o verdadeiro autor de alguma coisa é o mínimo que se espera de quem trabalha com essa coisa. Podem ter certeza de que isso não vai diminuir ninguém, ao contrário, talvez sirva para engrandecer alguns, que observam mais, estudam mais e, muitas vezes, até pensam mais que pretensos cientistas que usam o método, mas não entendem nada nada sobre ele.

A observação é a primeira etapa a ser considerada no método científico e muitas vezes, apenas uma simples observação já é suficiente para permitir algumas conclusões, sem grandes experimentos ou cálculos probabilísticos. “Quando a maçã caiu na cabeça de Newton, ele simplesmente entendeu que as coisas caem porque a Terra às puxam” e assim se fez comprovou a força da gravidade. Se não fosse o fato de Fleming observar que fungos tinham atacado as feridas cheias de bactérias, talvez ele jamais teria descoberto a penicilina.

Mendel jamais seria o “pai” da Genética, se Hugo de Vries não fosse um cientista sério, porque Mendel nunca foi cientista. Mendel gostava de cruzar ervilhas, ele observava e anotava os resultados dos cruzamentos e publicou tudo num boletim dos padres gregorianos, que provavelmente só era lido pelos próprios padres. Anos depois, De Vries encontrou, por acaso, o boletim com a anotações de Mendel, e ninguém sabia cientificamente de sua existência, entretanto De Vries citou as informações como sendo efetivamente de Mendel.

Ora, se De Vries fosse outro “cientista”, teria omitido Mendel e o hoje o “pai” da Genética, hoje, seria De Vries. Pois então, De Vries, deu o mérito a quem de direito que era Mendel. O próprio De Vries, apenas confirmou que aqueles dados eram verdadeiros, mas não se assumiu “dono” deles.  Mendel só é famoso, porque De Vries era um cientista sério e sobretudo, honesto e citou a fonte original dos seus trabalhos, que provinham de um informativo que não tinha nada a ver com ciência.

Darwin, não fez nenhum experimento para propor sua explicação para a Evolução das Espécies com base na Seleção Natural. Além disso, Wallace também apenas observando, chegou as mesmas conclusões que Darwin. E nenhum dos dois leu nada do outro. Ou melhor, apenas Darwin, leu uma carta de Wallace. A propósito, e o próprio Darwin cita esse fato na sua obra magistral: “A Origem das Espécies”, que constitui-se no livro não religioso mais lido da história da humanidade.

Newton, Fleming, Mendel, De Vries, Darwin, Wallace e outros grandes homens de ciência do passado, talvez não fossem considerados cientistas hoje, exatamente porque apenas observaram, discutiram sobre aquilo que observaram, depois pensaram e concluíram grandes verdades. A propósito, cabe lembrar que, naquelas épocas, até mesmo as simples cartas ou boletins de agremiações, escritas à mão ou impressos grotescamente, eram citados e seus autores intelectuais eram referenciados nas diferentes pesquisas científicas, como Darwin fez com Wallace e como De Vries fez com Mendel.

No momento atual em que se discute sobre as “fake news” e sobre os absurdos científicos é inadmissível que se deixe de lado os autores intelectuais de qualquer propositura que seja verdadeira ou falsa, até para que se separe devidamente o joio do trigo. Tem mentira científica virando verdade e verdade científica virando mentira, apenas dependendo de que está fazendo a afirmativa. Isso tem que acabar. Se a sociedade ainda é incapaz de analisar e assim não pode julgar quem está realmente com a verdade, o cientista tem a obrigação de mostrar sua cara e apresentar o seu pensamento, dando o devido crédito a quem merece.

Senhores cientistas, pensem nisso e procurem ser mais verdadeiros, mais generosos, mais honestos e menos pretenciosos. Afinal, se a ciência procura a verdade, o cientista que não faz uso da verdade nas suas ações científicas não pode ser considerado realmente um cientista.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (67) é Biólogo (Zoólogo), Professor e Pesquisador, Escritor, Revisor e Ambientalista.

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